Já não causa mais espanto — embora ainda cause indignação — a postura cambaleante do legislador e da Administração Tributária quando o tema é o Perse. Desde sua criação, em 2022, o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos parece trilhar um caminho errático: delegações legislativas que desafiam a legalidade, exigências como a de prévio Cadastur, que colocam a teoria da relatividade do espaço-tempo como requisito de fruição, e sucessivas revogações — diretas e indiretas — que conferem à desoneração fiscal uma espécie de direito de arrependimento ad eternum.
Que o Perse deu o que não podia, pode até ser verdade, mas também é verdade que o contribuinte nunca soube, com clareza, o que de fato recebeu: ora sua atividade está incluída, ora não; ora seu regime tributário está optado, ora não mais; ora o benefício vale até 2027, ora até amanhã.
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Deveria ser, em tese, um direito fundamental conhecer e compreender a legislação a que se está sujeito. Não estranha o excesso de litígio com relação ao tema. A belicosidade do contribuinte é só um sintoma; afinal, tentar se equilibrar em linhas bambas de uma legislação volátil pode ser exaustivo.
A mais recente bambeada — que veio não apenas para desequilibrar, mas para derrubar — foi a publicação, no último dia 24, do Ato Declaratório Executivo RFB 2/2025. Por meio dele, a Receita Federal oficializou o atingimento do limite de renúncia fiscal previsto no art. 4º-A da Lei 14.148/2021, conforme já antecipado em audiência pública no Congresso Nacional, em 12 de março de 2025.
Para contextualizar: o Perse foi instituído originalmente pela Lei 14.148/2021, concedendo a empresas do setor de eventos a redução a zero das alíquotas dos quatro principais tributos federais (PIS, Cofins, IRPJ e CSLL), pelo prazo de 60 meses, com término previsto para 18 de março de 2027.
Contudo, em 22 de maio de 2024, foi publicada a Lei 14.859/2024, que promoveu alterações substanciais: limitou a alíquota zero ao PIS e à Cofins nos exercícios de 2025 e 2026, revogou a isenção para IRPJ e CSLL (§12 do artigo 4º da Lei 14.592/2023) e estabeleceu um teto de R$ 15 bilhões para o custo fiscal do programa (artigo 4º-A da mesma lei).
Na prática, portanto, o ADE 2/2025 antecipa o fim do Perse para abril de 2025. Ora, se a antecipação do término da desoneração antes do prazo inicialmente previsto já era questionável, o que dizer de uma abrupta revogação? Quer dizer, ainda que a condição de término estivesse abstratamente prevista na norma, na prática ela cria uma significativa majoração de carga, sem dar ao contribuinte nenhuma margem de previsibilidade e calculabilidade.
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Além do evidente desrespeito às garantias de segurança jurídica, o direito — legítimo — ao planejamento tributário torna-se letra morta, pois, obviamente, muitos contribuintes escolheram seu regime de tributação com base na expectativa de permanência no Perse ao longo de 2025. Caso soubessem com antecedência que seu fim seria tão cedo, muito provavelmente teriam feito outras escolhas. Mais uma vez, pegos de surpresa.
E falando em surpresa, ao que tudo indica, o STF vai firmar precedente para reconhecer a aplicação dos princípios da anterioridade nas revogações de benefícios fiscais. Segundo a Corte, qualquer medida que implique aumento da carga tributária — ainda que por via indireta, como a supressão de isenções — exige um intervalo mínimo para que o contribuinte possa se organizar.
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O óbvio precisa ser dito — e, ainda assim, é ignorado. O que se vê no caso do Perse, no entanto, é o oposto do que se exige da segurança jurídica: uma revogação súbita, sem aviso prévio, sem transição e sem respeito ao planejamento empresarial.
E assim, mais uma vez, o contribuinte — esse acrobata resiliente — é empurrado para a corda bamba, tentando se equilibrar sobre regras que mudam conforme o orçamento. Sem segurança, só resta não perder a esperança. Como lembra a canção belissimamente interpretada por Elis: “a esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar.”