Disputa tarifária entre EUA e China: um jogo de soma zero

A atual cruzada infligida pelo presidente Donald Trump, com o propósito de proteger a indústria e economia doméstica norte-americana, vem impondo não só tarifas alfandegárias aos demais países, mas um cenário global de incertezas e instabilidade. E como fica a situação do Brasil dentro da disputa entre dois de seus maiores parceiros comerciais?

Ainda que o “tarifaço” de Trump tenha aplicado a alíquota mínima de 10% aos produtos brasileiros, a medida nos preocupa pois, embora gere um alívio de imediato, tende a afetar quase “todas as exportações brasileiras de bens para os EUA” a médio e longo prazo.

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Posição do Brasil como um habitual negociador

A política externa brasileira tem tradicionalmente adotado uma posição conciliadora nos conflitos, aberta ao diálogo. Logo, diante desse cenário, não seria diferente. Na tentativa de reverter ou ao menos minimizar os impactos do chamado “Dia D”, diplomatas brasileiros chegaram a viajar aos Estados Unidos visando antecipar a negociação desse aumento tarifário.

A tratativa era a de adotar uma política da reciprocidade como padrão a ser seguido daqui pra frente diante de taxações adicionais por qualquer bloco ou país, visto que a situação assimétrica como está tende a comprometer o futuro das relações Brasil-EUA – este que é o “segundo principal parceiro comercial do Brasil”.

Disputa comercial como oportunidade estratégica

Considerando o posicionamento brasileiro pela reciprocidade, bem como o retrospecto de suas relações diplomáticas, junto ao seu papel proativo no comércio internacional, percebe-se que este raro momento pode servir de oportunidade estratégica para o Brasil, visto que “abre janela para a entrada em novos mercados“, mas desde que o pais “amplie acordos bilaterais e regionais”.

Sendo defensor do multilateralismo, como alternativa o Brasil pode também recorrer a mecanismos internacionais como a Organização Mundial do Comércio (OMC) caso as tratativas bilaterais não derem certo, a fim de promover a resolução pacífica do conflito; isto é, sustentada não em imprevisibilidade e imposições unilaterais, mas por um sistema baseado em regras.

Logo, ao mesmo tempo que desafia a ordem multilateral e o livre mercado, dois dos pilares do comércio internacional, a disputa comercial também oferece ao Brasil a chance de diversificar e consolidar novos mercados. Se o país souber fortalecer os laços comerciais com a Ásia, Europa e África poderá minimizar os riscos da instabilidade atual e aproveitar as oportunidades advindas desse conflito.

Agronegócio brasileiro: o setor beneficiado em um contexto bilateral hostil

Face às sucessivas taxações nas quais a China vem sofrendo, enquanto responde reciprocamente com tarifas retaliatórias sobre os produtos norte-americanos, Pequim não demonstra ceder à pressões, ameaças e intimidações. Pelo contrário, usa a paciência como tática a fim de que o inimigo recue e seja forçado a negociar.

Ao mesmo tempo, volta seus olhos para o Brasil, parceiro com quem possui um histórico de confiança e benefícios mútuos. Vale recordar que o apoio do Brasil foi fundamental à entrada da China na OMC, este que é o “principal órgão internacional de regulamentação comercial”

Dentre os setores da economia atingidos, portanto, o agronegócio brasileiro surge como possível beneficiado dentro desse embate EUA e China. Isso porque a administração Trump tem encontrado dificuldades para levar seu plano adiante, já que enfrenta pressões internas até mesmo do agro estadunidense, setor que tem feito críticas às tarifas comerciais impostas.

As entidades do agronegócio alertam então que a guerra comercial pode favorecer concorrentes, como o Brasil, especialmente a exportação de grãos e carnes para os mercados europeu e chinês, consolidando-o como “principal fornecedor de alimentos para o país asiático”.

‘Tarifaço’ dos EUA abre caminho para a China

A polarização capitaneada por Trump toma proporções maiores quando o protecionismo estadunidense envolve não só a China, mas arrasta aliados como a União Europeia (UE) para dentro de um conflito generalizado.

Cenário este que pode gerar efeito contrário ao esperado, a exemplo da aceleração dos trâmites do Acordo Mercosul-União Europeia, e de facilitar a reconfiguração de uma nova dinâmica na ordem internacional, já que inverte a lógica vigente e acaba ruindo o livre-mercado que os EUA ajudaram a disseminar.

À medida que a escalada do protecionismo estadunidense pode vir a beneficiar e não prejudicar o peso da China no comércio global, o posicionamento do Brasil é colocado em xeque. Em termos práticos, isso significa que, embora o conflito comercial aparentemente favoreça mais que prejudique a relação sino-brasileira, a parceria Brasil-EUA permanece significativa, não podendo o Brasil prestigiar um parceiro em detrimento de outro.

Dentro da mesma lógica, ainda que a China tenha respondido à altura, sendo uma das primeiras grandes economias a reagir com retaliação tarifária sobre as importações dos EUA” e acionar formalmente a OMC, essa batalha comercial deflagrada unilateralmente não demanda que o Brasil escolha um dos lados do conflito. Mesmo porque tende-se a uma maior aproximação dessa relação em momentos de crise, a exemplo do que ocorreu em 2018, em um contexto semelhante à elevação da taxação dos EUA sobre a China, quando esta passou a comprar ainda mais produtos agrícolas do Brasil, sobretudo exportações de soja.

Limitações à resposta ao ‘tarifaço’

Uma visão mais favorável a Brasil e China do que aos EUA, contudo, não é absoluta, visto que nós podemos ser beneficiados em volume de comércio, mas não de preço. Algo semelhante pode ser dito em relação aos chineses pois, embora procurem demonstrar que estão na vantagem mesmo com a escalada do tarifaço de Trump, existem limites e restrições à resposta chinesa: primeiro, seu objetivo final deveria ser o caminho da negociação, ao invés de também ficar escalonando a retaliação, uma vez que “a China exporta muito mais para os Estados Unidos do que importa, o que significa que Pequim não pode igualar as tarifas de Trump dólar por dólar”; em segundo lugar, porque sua economia não está totalmente recuperada, em decorrência de alguns resquícios da pandemia, tais como “queda do mercado imobiliário, consumo fraco e alto desemprego entre os jovens”.

A China, portanto, “tem muito a perder com uma guerra comercial em espiral”, já que são mais “assimetricamente vulneráveis” do que os EUA frente a uma escalada crescente. Em síntese, implica dizer que qualquer taxação acima de 100% é proibitiva para ambos, visto que inviabiliza comércio entre os dois países. Pois enquanto um procura ganhar sobre o outro, custe o que custar, anulam-se os possíveis ganhos, não havendo vencidos nem vencedores ao final das contas.

Em um jogo de soma zero – como parece ser esse o conflito – o mais provável é que, chegando-se a um impasse insustentável de idas e vindas, “em algum momento” aconteça um acordo entre as duas potências. Decisão esta que é urgente para ambos, posto que com o maior entrave à entrada de produtos estrangeiros nos EUA, outros países e blocos econômicos irão procurar mercados alternativos para direcionar seus produtos.

Como a economia chinesa está ancorada em consumo e na força de suas exportações, a China também não pode se dar o luxo de perder grandes mercados como o estadunidense, visto que atualmente são simbióticos e interdependentes. Tanto são interligados que procura avançar com as estratégias de digitalização e internacionalização de sua moeda (RMB), no intuito de sua economia ficar cada vez menos dependente e atrelada ao dólar.

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