‘Teses jurídicas precisam ter perspectiva de gênero’, diz secretária-geral do CNJ

O desafio de implementação de protocolos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para julgamento com perspectiva de gênero foi considerado no “Mulheres, Justiça e Igualdade”, realizado na última quarta-feira (19/3), em Brasília. O debate ocorreu durante evento da Casa JOTA em parceria com o Substantivo Feminino, iniciativa do YouTube que promove debates sobre igualdade de gênero. 

Tais protocolos foram criados com o objetivo de orientar a magistratura no julgamento de casos concretos, avançando na efetivação das políticas de igualdade e equidade. Para alcançar esses ideais, Adriana Cruz, secretária-geral do CNJ, falou da necessidade de judicializar a questão e levar os protocolos para dentro dos processos – sem se restringir ao momento da decisão, mas desde o início das ações. 

“Deve-se perguntar se a tese jurídica, quando apresentada em juízo, levou em consideração a perspectiva de gênero e racial”, disse ao afirmar que o cenário passa por implicar todo o sistema de Justiça, desde a formação dos estudantes de Direito. 

Para Adriana, essa mudança vai ocorrer na medida em que todos olharem para a formação e para a atuação na capacitação de juízes e servidores. “O juiz não sai de um planeta distante e pousa no cargo. O Judiciário apenas reproduz o que a sociedade reflete e falta de estudar esse assunto na faculdade. Hoje, o profissional chega ao mercado com falsas compreensões sobre Direito e Igualdade, com uma percepção equivocada sobre o que são e quais os objetivos das políticas afirmativas”, comentou. 

Adriana Cruz. Imagem: Romulo Serpa/JOTA

“Por isso, devemos trabalhar nessa frente junto às universidades, ao MEC [Ministério da Educação] e com a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], que acompanha a construção das grades dos cursos jurídicos. Não há medida que se adote, se nós que integramos o sistema não assumirmos o compromisso pessoal de fazer essas normas efetivas”, concluiu

Cargos de liderança

Outra questão levantada foi a desigualdade nos cargos de liderança, onde as mulheres continuam sub-representadas. Nos setores público ou no privado, os postos mais elevados dentro da hierarquia são ocupados por homens. Segundo Adriana, mesmo quando há políticas afirmativas, a ascensão feminina ainda encontra barreiras invisíveis. “Como você vai ascender num tribunal se seu trabalho não aparece, se a profissional não é chamada para contribuir?”, questionou.

No CNJ, Adriana explicou que há um modelo para ampliar a participação feminina por meio de listas mistas e de gênero para filas de promoções. A intenção não é equalizar, mas ter ao menos 40% das cadeiras de chefia ocupadas por mulheres. 

Apesar dos desafios, a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maria Cristina Peduzzi, destacou a transformação ao longo das décadas. “Eu sou de um tempo em que as mulheres acumulavam renúncias para conseguir sucesso profissional. Elas precisavam demonstrar que eram iguais aos homens, então em nome de um bom exercício profissional, se abria mão de aspectos pessoais. Vivemos uma época de vigilância para saber se as políticas públicas, as ferramentas, estão sendo exercitadas.”

Sobre o tema, a ministra ressaltou uma pesquisa do CNJ sobre a participação da mulher no Poder Judiciário. “Ficou registrado que a Justiça do Trabalho é onde se identificou o melhor recorte de gênero. Já em 2019, as mulheres eram maioria. Atualmente, elas continuam sendo maioria nos tribunais de primeiro grau, assim como na maioria dos tribunais regionais do trabalho”, explicou. A participação feminina na estrutura do Judiciário tem avançado, mas a ministra Peduzzi ressaltou que as promoções precisam ser ajustadas para garantir equidade e representatividade.

Vulnerabilidade

A desigualdade de gênero também se agrava com fatores raciais e sociais. Adriana pontuou que as mulheres negras continuam sendo vítimas de violência, e a lei “não está dando conta”. A conselheira reforçou que a resposta estatal ainda é focada na punição e não na prevenção. “Todos os pacotes contra a violência e feminicídio só pensam no pós. Eu aumento a pena do feminicídio, porém, a prevenção geral não funciona.”  

Maria Cristina Peduzzi. Imagem: Romulo Serpa/JOTA

Outro ponto abordado foi a falta de apoio estrutural para que as mulheres possam sair de situações de vulnerabilidade. “Ela está numa comunidade sem creche, sem acesso à educação, e não tem para onde ir. Que sistema é esse que diante de uma pessoa machucada pedindo socorro tem como a primeira preocupação o cumprimento do mandado de prisão?”, criticou Adriana.  

Os números reforçam a gravidade da situação. “Só em 2024 foram 824 mil medidas protetivas”, destacou a secretária-geral do CNJ. Como solução, os participantes do evento ressaltaram a necessidade de ações concretas e políticas públicas efetivas para garantir que a equidade saia do papel e se traduza em mudanças reais.

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