Incertezas sobre a proposta de tributação dos altos rendimentos

Tão logo instaurado o ano legislativo, o governo apresentou uma lista de prioridades aos novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado. A lista continha 25 iniciativas que o Executivo considera importantes na área econômica para o biênio de 2025-2026, entre as quais o projeto de reforma do imposto de renda[1].

O principal objetivo da reforma do Imposto de Renda é, segundo o governo, tornar o imposto mais progressivo e reduzir as desigualdades. Para tanto, a proposta de reforma da tributação da renda inclui o aumento da faixa de isenção para R$ 5.000 reais, que é uma promessa de campanha do presidente Lula[2].

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Mas a perda de arrecadação decorrente do aumento da faixa de isenção é significativa, considerando que ela quase que dobra o patamar atual, o que gera um problema para o governo, especialmente se considerada a situação fiscal delicada em que se encontra. Por conta disso, o projeto também propõe a tributação dos contribuintes que possuem rendas elevadas.

A inadequação da tributação atual dos super ricos preocupa vários países. O tema ganhou destaque durante as discussões do G20 no Brasil em 2024. Tanto assim que no texto final da declaração de líderes constou que os países se comprometiam a cooperar para garantir que aqueles que possuem patrimônio líquido elevado sejam efetivamente tributados[3].

Embora o texto final da declaração de líderes não contemple uma proposta para implementar a tributação dos super ricos, durante as discussões, o economista Gabriel Zucman apresentou um estudo sugerindo que os indivíduos com patrimônio superior a US$ 1 bilhão deveriam pagar um valor mínimo de imposto equivalente a 2% de seu patrimônio[4].

A proposta de tributação dos altos rendimentos anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no entanto, difere-se da proposta apresentada por Zucman, na medida em que propõe que os rendimentos que superem determinado patamar – R$ 50 mil por mês ou R$ 600 mil ao ano – estariam sujeitos a uma alíquota mínima efetiva de imposto de renda de 10%[5].

A ideia da proposta seria mitigar algumas distorções do sistema tributário brasileiro decorrentes do amplo espectro de rendimentos isentos auferidos por contribuintes no topo da pirâmide, que fazem com que esses contribuintes tenham uma tributação efetiva reduzida, como é o caso dos dividendos e rendimentos financeiros isentos, tais como CRIs, CRAs, LCIs, LCAs etc.

Mas, apesar do anúncio feito pelo ministro Haddad no final de novembro de 2024, a proposta ainda não chegou a ser formalmente apresentada pelo governo até o momento. Primeiro, foi dito que seria apresentada no começo de 2025, a pretexto de que conteria inconsistências[6]. Depois, que seria apresentada após o Carnaval[7]. Mas até agora nada.

A demora na apresentação da proposta e a ausência de divulgação do texto do projeto tem gerado especulações. Aos poucos, surgem informações sobre o conteúdo da proposta, como a de que se pretende considerar no cálculo da alíquota efetiva o valor dos tributos sobre a renda pagos pela pessoa jurídica[8]. Mas ainda existem muitas incertezas.

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Não está claro quais rendimentos seriam computados para se aferir o limite de R$ 50 mil por mês: se todos os rendimentos auferidos pelo contribuinte, inclusive aqueles isentos e não tributáveis e os sujeitos à tributação exclusiva ou definitiva, ou apenas uma parcela deles. Por exemplo, estariam abrangidos as verbas indenizatórias e rendimentos de poupança?

Outra questão: como seriam considerados os tributos pagos pela pessoa jurídica no cálculo da alíquota mínima efetiva de 10%? Quais tributos seriam considerados? IRPJ e CSLL? E os dividendos distribuídos com base em lucros de anos anteriores ao da vigência da nova norma como ficam? Nesse caso, seria possível computar o valor do imposto pago pela pessoa jurídica?

E, ainda, como e quando seria calculado a imposto mínimo de 10% para rendimentos superiores a R$ 50 mil? Seria um cálculo mês a mês ou apenas na declaração de ajuste anual, podendo-se compensar eventual rendimento superior a R$ 50 mil em um mês com rendimento inferior a esse patamar em meses anteriores ou subsequentes?

Enfim, ainda existe uma série de dúvidas quanto à proposta de tributação de altos rendimentos, que faz parte da reforma do imposto da renda anunciada pelo governo no final do ano passado. É importante que o texto da proposta seja divulgado o quanto antes para permitir um debate informado. Afinal, mesmo que a ideia possa não parecer tão ruim, o diabo mora nos detalhes.


[1] Para ver a íntegra das 25 iniciativas para o biênio 2025-2026, conferir: 25-iniciativas-do-mf-em-2025-e-2026.pdf.

[2] A lista de promessas de campanha de Lula pode ser conferida em: As promessas de Lula para o eleitor ficar de olho – BBC News Brasil

[3] Conforme a redação da Declaração de Líderes G-20 de 18-19 de novembro de 2024: “Com total respeito à soberania tributária, nós procuraremos nos envolver cooperativamente para garantir que indivíduos de patrimônio líquido ultra-alto sejam efetivamente tributados (…)”.

[4] ZUCMAN, Gabriel. A blueprint for a coordinated minimum effective taxation standard for ultra-high-net-worth individuals. June 25, 2024, p. 20-21. Disponível em: report-g20.pdf.

[5] Sobre o anúncio e detalhes da proposta, conferir: Haddad: aumento da faixa de isenção é maior reforma do Imposto de Renda da história — Secretaria de Comunicação Social

[6] Sobre o atraso no envio da proposta, conferir: Fazenda encontrou “inconsistência“ na reforma da renda, mas garante que proposta será neutra | CNN Brasil.

[7] A esse respeito, conferir; Reforma da renda não deve criar ‘distorções’, defende Ceron | Brasil | Valor Econômico. Conferir, também: Senado valida agenda de Haddad e prevê avanço de projetos no primeiro semestre.

[8] Sobre esse assunto, conferir: Taxação deve levar em conta dividendos e impostos de empresas | Brasil | Valor Econômico

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