A Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) anunciou em 1º de abril de 2025, por meio de seus canais oficiais, a abertura de um programa de autorregularização voltado à quitação de débitos de ICMS relacionados à Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e à Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) da energia elétrica.
Segundo a Sefaz, a medida pode envolver até R$ 700 milhões em valores regularizáveis. No entanto, não há norma regulamentadora formal, isto é, não há um texto para guiar os contribuintes durante o processo e esclarecimento de possíveis dúvidas. Com isso, também não foi divulgado quais são os termos da autorregularização, como número de parcelas possíveis, descontos etc. Há apenas um link para perguntas e respostas.
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Apesar de a iniciativa ter respaldo na Lei Complementar 1.320/2018, que instituiu o programa “Nos Conformes”, Amanda Gazzaniga, advogada tributarista do ButtiniMoraes, diz que o fato causa estranheza. “Em termos de autorregularização, é a primeira vez que vejo algo sem um normativo. Isso não é comum”, afirma.
Questionada pela reportagem se há previsão de publicação de regulamentação específica, a Sefaz afirmou que “não há publicação de norma” porque se trata de uma “ação” de autorregularização.
A proposta da Sefaz-SP vem após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Tema 986, por meio do qual a 1ª Seção definiu, no ano passado, que as tarifas do setor elétrico TUST e TUSD devem compor a base de cálculo do ICMS, tanto para consumidores livres (que escolhem seus fornecedores) quanto cativos (que adquirem energia da distribuidora local). A decisão foi modulada para proteger contribuintes que já tinham decisões judiciais favoráveis até 27 de março de 2017 — desde que válidas até 29 de maio de 2024 e não vinculadas a depósitos judiciais. O assunto ainda pode ser revisitado, uma vez que o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda vai julgar a constitucionalidade da Lei Complementar 194/2022, que alterou a Lei Kandir para, entre outros pontos, excluir as tarifas da base do ICMS.
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Ao analisar a Lei Complementar 194 em 2022, por meio da ADI 7195, o STF suspendeu liminarmente os dispositivos que excluíam a TUSD e a TUST da base de cálculo do ICMS, mas manteve o restante da legislação, que inclui tributação de combustíveis, por exemplo. O fundamento da liminar foi que a exclusão impactaria a arrecadação dos estados, sem a devida discussão sobre esses efeitos. “Isso já demonstra um comportamento que muito provavelmente não será pró-contribuinte nesse aspecto”, diz Amanda.”
Autorregularização
A Sefaz-SP está notificando os contribuintes via Domicílio Eletrônico do Contribuinte (DEC), incluindo os cálculos dos valores que entende como devidos. A adesão pode ser feita de forma integral, parcelada ou com utilização de créditos acumulados de ICMS — inclusive de terceiros. “Isso não ficou claro na divulgação da Sefaz, mas aparece nas notificações que já foram recebidas. É um movimento do fisco para escoar créditos que hoje estão represados”, afirma Gazzaniga.
A autorregularização representa uma oportunidade, especialmente diante das incertezas trazidas pela reforma tributária e da dificuldade na transferência desses créditos, defende Gazzaniga. “O principal cuidado é que o cálculo seja revisitado, porque precisa ficar claro ali a base incidente. Temos o mercado livre e o cativo, o que influencia bastante”, diz.
Outros contribuintes podem optar pelo processo, mas não serão notificados, e devem buscar a possibilidade proativamente. “Há alguns players de mercado que não são contribuintes de ICMS, como shoppings, bancos e hospitais, que estariam enquadrados nessa autorregularização”, explica. “No entanto, por não ter inscrição estadual, não são notificados automaticamente”. Nesses casos, o contribuinte deve abrir uma solicitação no Sistema de Peticionamento – SIPET.
Consensualidade
A ação é parte de um movimento no Fisco paulista, com maior foco na consensualidade e na prevenção de litígios, evitando o “fantasma da autuação”, afirma a advogada do ButtiniMoraes.
Outro exemplo veio na semana passada, quando a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo instituiu o Programa de Soluções Negociadas de Conflitos (ProSolve).
O objetivo do programa é promover a resolução consensual de conflitos no âmbito da administração pública estadual, incentivando a mediação e a negociação como alternativas aos processos judiciais.
Esse comportamento, segundo a advogada, tende a ser replicado em outros temas e estados. “Além do respaldo nacional vindo do STJ, exemplos de sucesso no estado de São Paulo tendem a ser um reflexo”.