Pacientes com diabetes chegam a esperar mais de 200 dias por consultas no SUS

A falta de debates conjuntos entre entidades do setor público e da sociedade civil impede a melhora no atendimento de pacientes com diabetes no Sistema Único de Saúde (SUS). Esse foi um dos pontos levantados no evento Como o Brasil pode avançar na Atenção Especializada ao Diabetes – Estratégias em Oftalmologia e Nefrologia, na Casa JOTA, em Brasília, nesta quarta-feira (23/4).

A situação afeta a agilidade no atendimento especializado no SUS, pressionando pacientes e profissionais de saúde a buscar alternativas. O encontro, realizado pelo JOTA com patrocínio da Federação Vozes do Advocacy, mostrou relatos de pessoas que precisaram recorrer ao setor privado para conseguir o atendimento e tratamento adequados.

O quadro é preocupante, pois mais de 16 milhões de brasileiros – cerca de 10,2% da população – têm diabetes, doença causada pela produção insuficiente ou má absorção de insulina, hormônio que regula a glicose no sangue e garante energia para o organismo. O número é da Federação Internacional de Diabetes (IDF, na sigla em inglês) e coloca o Brasil no top 10 de países com maior número de adultos com essa doença, que gera complicações ao longo da vida, como problemas de visão (podendo levar à cegueira), doenças cardiovasculares e pressão alta.

“Nos últimos anos, sentimos dificuldades em conversar de forma conjunta com o Ministério da Saúde, o Conass [Conselho Nacional de Secretários de Saúde] e o Conasems [Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde]. Conseguimos reuniões pontuais e separadas com essas entidades e por isso, não avançamos em soluções como gostaríamos”, afirmou Vanessa Pirolo, presidente da Federação Vozes do Advocacy, que representa vinte e uma associações e dois institutos unidos para promover o diálogo a respeito das causas do diabetes e da obesidade.

Pesquisa da federação feita no ano passado para identificar barreiras para o tratamento da diabetes indicou que 68% dos 1.843 entrevistados não tinham convênio médico, sendo atendidos pelo SUS. E mais: 58% dos participantes da pesquisa eram atendidos por clínico geral ou médico da família ao invés de especialistas. 

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Além desses dados preocupantes, a presidente da Vozes do Advocacy ainda apresentou índices do Departamento de Informação e Informática do SUS (DataSUS), analisados pela federação, que comprovam que a longa fila de espera para uma consulta oftalmológica. Pacientes chegam a esperar 243 dias em Roraima e 107 dias em Minas Gerais. “A maioria da população brasileira não tem acesso aos especialistas do SUS como deveria. Precisamos aprimorar o SUS e reverter esses dados”, disse Vanessa.

Sobre o atendimento especializado na Oftalmologia, Fábio Baccheretti, presidente do Conass e secretário de Saúde de Minas Gerais, falou da dificuldade de garantir cada linha de cuidado no momento oportuno e dos pontos positivos do sistema de saúde nacional. “A fragmentação do SUS é o maior desafio. Porém, ele tem que ser comemorado por conseguir dar atendimento em um país com mais de 200 milhões de habitantes”, defendeu.

Uma das justificativas para o quadro atual está no financiamento, como explicou Baccheretti. “Os estados e municípios são responsáveis por 2/3 do financiamento do SUS, sendo que a maior arrecadação é feita pelo governo federal. É a inversão dos terços, quem mais arrecada, investe menos. Com isso, resta mais a estados  municípios estarem na linha de frente”, detalhou. 

O que o futuro reserva?

O oftalmologista e cirurgião do hospital de olhos da Universidade Federal de Goiás Raphael Remiggi pontuou como alarmante o envelhecimento da população e, como consequência, aumento das doenças crônicas. Isso, somado ao estilo de vida, tende a aumentar os casos de diabetes. Para o médico, o tratamento preventivo reduziria os altos custos do tratamento tardio. 

“Uma pessoa com retinopatia diabética não tratada tem 50% de chances de evoluir para doença visual grave, enquanto o tratamento adequado reduz a possibilidade abaixo de 5%. Infelizmente, essa realidade tem atingido pacientes jovens, de 40 anos. É triste ver um paciente nesse estágio da doença”, destacou. Ele ainda disse que, na prática, os especialistas otimizam os recursos para não onerar o sistema e, assim, facilitar o tratamento do paciente. 

Na rotina médica, Remiggi ainda relatou a falta de medicações mesmo com o Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para diabetes – documento que estabelece critérios para o diagnóstico da doença ou do agravo à saúde, o tratamento preconizado com os medicamentos apropriados a serem seguidos pelos gestores do SUS.

A diabetes também gera preocupação no campo da nefrologia. Estima-se que dois em cada cinco pacientes com diabetes do tipo 2 (DM2) irão desenvolver doença renal, conhecida como nefropatia diabética ou doença renal crônica.

Isadora Calvo, diretora de políticas associativas da Sociedade Brasileira de Nefrologia, concorda com a falta de capacidade atual do SUS de prevenir, identificar e acompanhar os casos de diabetes. Ela pediu maior visibilidade a doenças renais. Para ela, o SUS precisa dar a devida atenção e prioridade para a atenção básica. “Um simples exame de sangue serve de diagnóstico precoce, além de medicações que retratam a progressão da doença renal crônica nos estados iniciais. Isso evita que o paciente entre na estatística em hemodiálise e de risco cardíaco”, afirmou.

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A resolução dessas lacunas, segundo o presidente da Frente Parlamentar da Nefrologia, deputado federal Vinicius Carvalho (Republicanos-SP), depende da formulação de políticas públicas. “Precisamos de projetos de lei para que União, estados e municípios cobrem dos profissionais da saúde pedidos de exames preventivos básicos que possam diagnosticar diabetes, problemas renais e oftalmológicos em fase inicial. Esse cuidado reduziria os custos do SUS, permitindo o investimento em novas tecnologias.”

Dário Saadi, prefeito de Campinas (SP) e presidente da Comissão de Saúde da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), reforçou a necessidade de ampliar a discussão sobre o financiamento da saúde. “Atualmente, Campinas financia 75% da Saúde, mas a reforma tributária tirou autonomia dos municípios e tende a piorar essa questão”. Saadi ainda relatou os avanços do município sobre o tema, com a promessa de se aproximar da Vozes do Advocacy na tentativa de reduzir a fila para a especialidade de Oftalmologia, hoje em 227 dias.

Propostas para melhora do atendimento no SUS

Em razão dos desafios, a Vozes do Advocacy propõe os seguintes pontos para garantir equidade no atendimento a pacientes diabéticos no SUS:

  • implementação adequada do PCDT, publicado há 3 anos, mas ainda sem regulação em alguns estados;
  • uso de telemedicina para qualificação do diagnóstico na atenção básica para redução das filas na atenção especializada;
  • capacitação de rede com implementação efetiva do Programa Mais Acesso a Especialistas (PMAE);
  • investimento em iniciativas de prevenção e detecção precoce da condição com exames de creatinina, urina e albuminúria na atenção primária, como preconizado pelo PCDT;
  • capacitação da atenção básica em Diabetes;
  • contratação de nefrologistas ou implantação eficiente da teleconsulta;
  • expansão do acesso à diálise peritoneal realizada em domicílio.
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