Imagine se toda vez que as contas apertassem, em vez de cortar despesas ou rever prioridades, você pudesse simplesmente criar um tributo em meia dúzia de folhas e obrigar alguém a pagá-lo. Foi exatamente isso que o estado do Maranhão fez em fevereiro.
Diante de dificuldades financeiras, em vez de promover uma reforma administrativa ou aperfeiçoar a gestão dos recursos públicos, o governo estadual preferiu editar uma lei e jogar sobre os ombros do setor produtivo a responsabilidade de sua própria ineficiência. E pior: o Judiciário assinou embaixo.
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Estamos diante de um precedente que abre brechas para que os estados passem a tributar produtos destinados à exportação, justamente aqueles protegidos pela imunidade tributária prevista no artigo 155, §2º, inciso X, da Constituição Federal. É um claro desrespeito ao pacto federativo e uma tentativa de driblar uma garantia constitucional histórica do exportador brasileiro.
O que chama mais atenção é o raciocínio do desembargador José de Ribamar Froz Sobrinho, que justificou sua decisão com base na necessidade do Estado de arrecadar mais para manter a infraestrutura. Para embasar a criação da CEG, o Maranhão se amparou em um “jabuti”, especificamente no artigo 136 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), inserido pela reforma tributária de 2023 (Emenda Constitucional 132).
Esse dispositivo prevê que os estados possam criar contribuições sobre produtos primários ou semielaborados, desde que já houvesse tributo semelhante antes de 30 de abril de 2023. No entanto, esse não era o caso do Maranhão, que passou a exigir a contribuição somente em 2024, distorcendo por completo a finalidade da norma transitória.
Essa jogada legislativa ignora os critérios estabelecidos pela própria emenda constitucional e tenta legalizar uma cobrança flagrantemente inconstitucional. Noutras palavras, o desembargador sugeriu que dificuldades financeiras justificariam a criação de um tributo à revelia da Constituição. Se esse entendimento prosperar, abriremos as portas para todo tipo de aumento de carga tributária disfarçado de “contribuição especial”.
Pior ainda, se essa moda interpretativa pegar, todos os estados teriam uma brecha para instituir tributos especiais quando bem entendessem, transformando o sistema tributário nacional em um verdadeiro campo minado.
A medida maranhense assombrou o meio jurídico-econômico brasileiro. O recado para investidores é que, no Brasil, uma lei estadual pode contrariar a Constituição e ainda ser legitimada pelo Judiciário. Isso compromete a previsibilidade e a estabilidade necessárias para atrair e manter investimentos no país.
A institucionalização da insegurança jurídica é letal para a economia. Empresas passam a litigar para garantir direitos já reconhecidos pela Constituição e, mesmo assim, veem-se desprotegidas quando medidas judiciais são revertidas sem um denso embasamento jurídico. É um ciclo de instabilidade e desconfiança.
A argumentação maranhense subestima deliberadamente os benefícios indiretos do agronegócio, como geração de empregos, fortalecimento de cadeias logísticas, aumento da oferta de fretes, arrecadação via consumo, dinamização da economia local e regional, bem como a contribuição crucial para a balança comercial brasileira, controlando a volatilidade da moeda. Ao tratar o setor como alvo para elevar a carga tributária, o Estado demonstra miopia estratégica sobre o futuro econômico do Brasil.
A Constituição de 1988 não é um mero ornamento jurídico. Ela não pode ser reinterpretada toda vez que um ente federativo encontra dificuldades orçamentárias por causa de sua própria má gestão. Os estados não podem resolver suas crises financeiras editando leis de cinco páginas, como é o caso da CEG, e transferir o ônus de sua incompetência para os ombros sobrecarregados dos contribuintes.
O cenário internacional agrava esse cenário. No meio de uma guerra comercial entre Estados Unidos e China, quando o Brasil precisa ser mais competitivo para disputar fatias do mercado global de produtos do agronegócio, somos confrontados com esse embaraço jurídico.
O país deveria estar desonerando a cadeia de produção de grãos, promovendo eficiência e previsibilidade, para garantir seu papel de fornecedor estratégico global. Vamos na contramão, empilhando obstáculos legais que comprometem nossa atratividade como parceiro comercial confiável.
O que está em jogo é muito mais que uma taxa de 1,8% sobre o valor da tonelada de soja ou milho. Estão em jogo o respeito às regras, à legalidade e à previsibilidade, o tripé que sustenta qualquer economia séria. O estado do Maranhão errou ao legislar de forma inconstitucional, e o Judiciário assinou embaixo. Agora, cabe ao Supremo Tribunal Federal avaliar este caso com a coerência jurídica que se espera da mais alta corte do país. Se o STF agir como verdadeiro guardião da Constituição, a CEG será barrada por violar a regra constitucional de imunidade tributária sobre itens destinados à exportação.
Quanto mais o STF demorar, maior será o peso da carga tributária sobre os exportadores de grãos. Muitos já estudam rotas alternativas para escoar sua produção, optando por portos em São Paulo ou no Paraná. Isso beneficiará ainda mais estados que já concentram riqueza e infraestrutura, ao mesmo tempo em que fragiliza econômica e logisticamente o próprio Maranhão, que deveria estar promovendo competitividade, e não a inviabilizando.