Durante muito tempo, o ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) pelas operadoras de planos de saúde funcionou como um passivo latente: contabilmente presente, juridicamente possível, mas com exigibilidade condicionada a um marco temporal indefinido, fora do controle do setor regulado.
A ausência de critérios objetivos quanto ao início da contagem do prazo para cobrança judicial impunha a necessidade de provisionamento por períodos indefinidos, comprometendo a estabilidade financeira e a previsibilidade operacional dessas empresas.
Com notícias da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para empresas do setor
A recente decisão da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema Repetitivo 1147, representa um marco relevante na definição desse regime jurídico. A corte fixou, com efeito vinculante, o entendimento de que o prazo prescricional para ações de ressarcimento ao SUS é de cinco anos, contados a partir da notificação da decisão administrativa que apura os valores devidos, conforme previsto no artigo 32 da Lei 9.656/1998.
A tese consolidada afasta a aplicação do prazo trienal previsto no Código Civil, até então defendido pelo setor, e adota o regime do Decreto nº 20.910/1932, tradicionalmente aplicável às dívidas não tributárias da Fazenda Pública.
O relator, ministro Afrânio Vilela, fundamentou sua posição nos princípios da isonomia e da coerência sistêmica entre o setor regulado e a Administração Pública.
Esse avanço jurisprudencial contribui para resolver divergências que antes existiam no próprio âmbito da Administração Pública. Em anos anteriores, o Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a sustentar a imprescritibilidade das cobranças de ressarcimento, com base no artigo 37, § 5º da Constituição Federal.
Esse entendimento, no entanto, foi revisto em 2024, quando a Advocacia-Geral da União (AGU), em conjunto com a ANS, obteve o reconhecimento, pelo TCU, da incidência do prazo quinquenal. O alinhamento entre os órgãos de controle e a jurisprudência consolidada no Poder Judiciário configura um passo importante na promoção de maior segurança jurídica ao sistema.
A fixação clara do termo inicial do prazo prescricional representa, na prática, um elemento de racionalidade e estabilidade para o setor regulado. Com base nesse entendimento, operadoras de planos de saúde podem revisar seus passivos, reavaliar riscos contábeis e adequar seus processos internos de compliance e auditoria. Essa clareza normativa favorece uma relação mais equilibrada entre as obrigações regulatórias e a organização financeira das empresas.
Do ponto de vista processual, a tese fixada também traz repercussões importantes para demandas já em curso. Ainda que sua aplicação retroativa encontre limites em respeito ao princípio da segurança jurídica, processos em fase de execução ou com débitos inscritos em dívida ativa podem ser objeto de reavaliação, desde que demonstrado que o prazo de cinco anos já havia se esgotado entre a notificação administrativa e o ajuizamento da ação.
Diante desse cenário, operadoras atualmente envolvidas em discussões judiciais ou administrativas sobre ressarcimento ao SUS devem considerar cuidadosamente a análise da data da notificação da decisão administrativa que apurou o valor, em conjunto com a data de propositura da ação ou de inscrição em dívida ativa.
A verificação de que o prazo quinquenal se esgotou antes da constituição da cobrança pode justificar a apresentação de exceção de pré-executividade ou outras medidas processuais cabíveis, com vistas à extinção da obrigação com base na prescrição reconhecida pelo STJ.
Essa atuação jurídica pode contribuir não apenas para a reversão de cobranças, mas também para a racionalização dos passivos regulatórios e financeiros do setor, especialmente no que se refere à necessidade de manter valores escriturados por longos períodos à espera da consolidação do crédito. A possibilidade de afastar obrigações atingidas pela prescrição impacta diretamente os registros contábeis das operadoras, permitindo que seus balanços patrimoniais reflitam com maior precisão a real extensão de suas obrigações e a efetiva exposição a riscos financeiros.
Ainda que a decisão não tenha acolhido integralmente os pleitos originalmente formulados pelas operadoras, ela sinaliza um movimento importante em direção a um ambiente regulatório mais previsível, tecnicamente orientado e juridicamente estável.
Ao consolidar parâmetros claros sobre o prazo e o marco inicial da prescrição, o Judiciário oferece ao setor um ponto de apoio para reorganizar seus fluxos internos, ajustar estratégias de defesa e planejar com mais transparência sua posição contábil e regulatória. Mais do que encerrar uma controvérsia jurídica, essa interpretação contribui para o fortalecimento da transparência e da previsibilidade regulatória que pavimenta as bases para um sistema sustentável, confiável e funcional para todos os atores envolvidos.