Imagine que você finalmente convenceu a liderança executiva da sua empresa ou escritório sobre a necessidade de criar uma área de Legal Operations. Após uma verdadeira militância, o investimento veio, a aposta foi feita e a área nasceu.
Mas logo no primeiro dia, você percebe que a parte mais desafiadora está apenas começando. A pergunta que paira é inevitável: e agora, por onde começar?
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Este artigo propõe uma abordagem prática e reflexiva sobre como começar a estruturar Legal Ops do zero. Sem fórmulas prontas, porque o contexto de cada organização – sua cultura, maturidade jurídica e momento de negócio – define o ritmo da construção. Ainda assim, alguns pilares estratégicos ajudam a guiar essa jornada com consistência e foco na geração de valor.
1) Construa alianças com áreas-chave
Legal Ops não pode funcionar em uma bolha. Para entregar valor real ao Jurídico e ao negócio, é fundamental estabelecer conexões com áreas como Tecnologia, Dados, IA, Financeiro e outras que influenciam, ou são impactadas, pelas atividades jurídicas.
Para realizar um atendimento completo, a área de Legal Ops precisa circular para desenvolver entendimento acerca da sua conexão com o escopo dessas áreas, de modo a construir parcerias que reúnam esforços mútuos na defesa de interesses comuns ou condução de projetos em formato de squads que atendam os requisitos de multidisciplinaridade, diversidade e colaboração, reunidas para entrega de demandas em benefício coletivo da empresa ou escritório.
Essa concepção de canal de comunicação entre Legal Ops e áreas-chave permite que o planejamento do Jurídico esteja coordenado com o planejamento das demais áreas e da própria organização como um todo, garantindo a sinergia entre a dinâmica de estabelecimento de metas, prioridades, entregas e tempo adequado, mitigando riscos de desencontros ou atritos de comunicação.
Além disso, nesse movimento, Legal Ops assume o papel de elo de conexão entre Jurídico e demais áreas quando estamos diante de discussões e dilemas abrangentes e sistêmicos, o que representa uma oportunidade de manter o planejamento e o andamento dos projetos no trilho, bem como, marcar presença como uma estrutura consultiva estratégica para o Jurídico.
2) Estabeleça rituais consistentes de comunicação
Já diz a sabedoria popular que “comunicação é a alma do negócio”, então, para se posicionar, dialogar e garantir a perenidade da conexão com seus stakeholders internos e externos, Legal Ops precisa dedicar-se com intenção na confecção de rituais consistentes de comunicação.
Os rituais de comunicação servirão como poderosos aliados na transparência de aspirações, planejamento, contexto atual, pontos de alerta, planos de ação, entregas, celebrações, visão de futuro, etc. Ademais, quando imbuídos de autenticidade, são capazes de criar um senso de identidade e pertencimento, pois trazem significado compartilhado entre Legal Ops, Jurídico e demais parceiros, o que resulta em engajamento e integração entre os times e agilidade e fluidez para as demandas.
Nessa linha, as premissas de democratização de acesso e de inclusão devem ser asseguradas para potencializar o consumo dos conteúdos. É importante considerar a cultura da sua empresa ou escritório para entender as alternativas de comunicação disponíveis, que resultem em impacto e capilaridade, priorizando canais oficiais e ferramentas homologadas.
3) Mapeie problemas e oportunidades
Dentre as aspirações da estrutura de Legal Ops é inegável a sua função de propor soluções criativas e inovadoras, ao explorar novas ideias e associar insights, que produzam valor durante o atendimento das necessidades do Jurídico.
Deste modo, realizar um mapeamento de problemas e oportunidades no Jurídico, por meio da escuta ativa de representantes das áreas jurídicas, é um poderoso aliado para colher insumos sobre as queixas mais latentes e, consequentemente, executar entregas que repercutam diretamente no dia a dia e escopo de trabalho dos advogados.
O mapeamento torna-se interessante à medida que combina interações entre Legal Ops e Jurídico em conversas estruturadas, no estilo de entrevista, juntamente com respostas escritas, em preenchimento de formulários, tendo em vista que ambos os formatos se complementam. A partir dessa intensa coleta de relatos, Legal Ops estará munido de um acervo de informações que poderá ser catalogado e classificado em temas, de acordo com a necessidade observada, tais como: ferramentas tecnológicas, processos internos, KPI, automação, inteligência artificial, legal design etc.
Por fim, Legal Ops terá condições de finalizar o diagnóstico do mapeamento com a sugestão e recomendação de solução adequada para cada queixa, transformando os desafios do Jurídico em um portfólio de projetos de inovação.
4) Defina uma metodologia de priorização
Com o advento da área de Legal Ops nasce junto o anseio por resolver todos os problemas existentes no Jurídico, além da vontade tirar do papel todas aquelas ideias que até então pareciam uma miragem no horizonte. Contudo, apesar de agora existir uma estrutura dedicada a viabilizar que os advogados concentrem 100% da sua jornada em atividades estritamente jurídicas, todas as necessidades não serão atendidas de uma vez.
Deixar o tempo seguir seu curso é indispensável para que as entregas se concretizem mas, há um requisito essencial no resguardo do planejamento apropriado e da efetiva gestão das demandas, que é o estabelecimento de uma metodologia de priorização a ser seguida durante a execução ou tomada de decisão de todas as frentes a serem conduzidas por Legal Ops.
A construção dessa metodologia deve acontecer alinhada ao contexto e cultura da organização, considerando premissas de custo e benefício envolvidos em cada iniciativa. A metodologia de priorização funcionará como uma bússola, conferindo norte e coordenação a todo o plano estratégico de Legal Ops, fornecendo robustez e racional de justificativa sobre “o que”, “como” e “porque” algo será feito, e, talvez mais importante, o que não será feito agora.
5) Crie um Comitê de Legal Ops
A jornada de Legal Ops não será irretocável, naturalmente percalços de todas as naturezas emergem, e, diante desse pressuposto, a criação do Comitê de Legal Ops é uma tática de apoio e legitimidade na antecipação e preparação para o enfrentamento dessas situações.
O Comitê proporcionará a permanente reunião de membros selecionados, de diferentes posições hierárquicas, que representam expertises ou interesses, com propósitos específicos de conscientização, deliberação, consultoria ou assessoramento, imbuídos de analisar, discutir ou tomar decisões sobre questões estratégicas e determinantes de Legal Ops e do próprio Jurídico.
6) Conecte Legal Ops ao plano estratégico da organização
Aqui está a grande sacada de Legal Ops em sua consolidação como um poderoso ativo do Jurídico e dos negócios: orquestrar os projetos e iniciativas mandatoriamente conectados ao plano estratégico da organização, traduzindo, com exatidão, os benefícios gerados em relação à eficiência, impacto e avanço dos objetivos corporativos. Este deve ser o lema de base da área de Legal Ops.
Essa manobra evolui a condução de todas as frentes de Legal Ops, influenciando na forma de avaliação e posicionamento sobre o portfólio de projetos, angariando uma inerente relevância aos pleitos eventualmente fundamentais, de modo a fortalecer os argumentos na disputa por investimentos e recursos.
Para além disso, quando bem estruturada, Legal Ops torna-se uma vantagem competitiva e, principalmente, na evidência concreta de que o Jurídico contribui para os resultados organizacionais.
Em última análise, refletindo sobre o que foi abordado nos seis pilares ora percorridos, confirmado está que Legal Ops é peça vital na promoção e condução da transformação do Jurídico. Legal Ops não é uma função acessória, não resume-se a apoio operacional ou unidade de otimização. Legal Ops é, definitivamente, inteligência estratégica em ação.
Ao estruturar essa área do zero, o líder de Legal Ops assume o protagonismo de uma transformação jurídica que, cada vez mais, deixa de ser tendência para tornar-se imperativo.