Pejotização e a recente jurisprudência do STF

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral da discussão relativa à chamada pejotização, quando a prestação de serviços se dá por meio de pessoa jurídica.

Sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, os ministros da Corte discutirão não apenas a licitude da contratação civil ou comercial e trabalhador autônomo ou de pessoa jurídica para a prestação de serviços, como também importantes questões processuais: se é da Justiça do Trabalho ou da Justiça Comum a competência para julgar causas em que se discute a existência de fraude no contrato de prestação de serviços e sobre quem recai o ônus da prova, se incumbe ao autor da ação ou à empresa contratante.

No que se refere à questão material – licitude dessa forma de contratação – as decisões proferidas pelo STF nesses últimos anos indicam que o posicionamento prevalecente entre os ministros será o de que não há qualquer óbice legal à pejotização no ordenamento brasileiro.

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Vale lembrar da ADPF 324/DF[1]. Ao reconhecer a licitude da terceirização de quaisquer atividades da empresa, o acórdão asseverou que:

“A Constituição não impõe a adoção de um modelo de produção específico, não impede o desenvolvimento de estratégias empresariais flexíveis, tampouco veda a terceirização. Todavia, a jurisprudência trabalhista sobre o tema tem sido oscilante e não estabelece critérios e condições claras e objetivas, que permitam sua adoção com segurança. O direito do trabalho e o sistema sindical precisam se adequar às transformações no mercado de trabalho e na sociedade”.

No Recurso Extraordinário 958.252[2], com repercussão geral reconhecida sob o Tema 725[3], a Corte também considerou legítima a terceirização. Na fundamentação do acórdão, destacou-se que a Constituição Federal consagra a livre iniciativa e a livre concorrência como pilares da ordem econômica (artigo 1º do Código Civil e artigo 170, caput e inciso IV, da Constituição), atribuindo aos particulares a liberdade para definir o objeto de suas empresas, sua forma de organização e as estratégias destinadas à competitividade, desde que respeitados os direitos de terceiros.

Na ADC 48 e na ADI 3961[4], o STF declarou constitucional a Lei 11.442/2007, que regula o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros, “uma vez que a Constituição não veda a terceirização, de atividade-meio ou fim”. Assim, “preenchidos os requisitos dispostos na Lei 11.442/2007, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista”.

Na ADC 66/DF[5], a Corte reconheceu a constitucionalidade do artigo 129, da Lei 11.196/2005, que legitimou a prestação de serviços intelectuais, submetida a novas regras fiscais e previdenciárias, por meio de pessoas jurídicas.

Nas ADIs 5.685, 5.686, 5.687 e 5.735[6] , ao declarar constitucional o Marco Legal da Terceirização (Lei 13.429/2017), o STF reconheceu que:

“A vedação à terceirização de etapas produtivas relacionadas à atividade-fim não passa de um controle artificial, e inócuo, do mercado e das relações trabalhistas. Impõe-se um ajuste jurídico no sentido da eliminação dessa barreira ao crescimento e ao desenvolvimento do mercado e do trabalho, medida que, em vez de enterrar o trabalho, certamente o fortalecerá”.

No RE 606.003 (Tema 550)[7], assentando a competência da Justiça Comum para processar e julgar contratos de representação comercial, o STF destacou que “a proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer relação entre o contratante de um serviço e o seu prestador seja protegida por meio da relação de trabalho (CF/1988, art. 7º)”.

Na ADI 5625[8], a Suprema Corte declarou constitucional a celebração de contrato civil de parceria entre salões de beleza e profissionais do setor, nos termos da Lei 13.352/16.

Portanto, como se vê, a mais recente jurisprudência do STF é robusta no sentido de que não há impedimento legal às formas civis de prestação de serviços. É bem verdade que os entendimentos eventualmente mudam de forma inesperada – quem não se lembra do julgamento dos embargos de declaração do Tema 935[9], em 2023? – mas não há sinais que indiquem a probabilidade de isso ocorrer no julgamento do Tema 1389. A tendência é que se confirme a licitude da pejotização.

O debate com maiores nuances de ineditismo paira sobre as questões de natureza processual. Havendo discussão sobre a existência de fraude no contrato civil ou comercial de prestação de serviços, a quem caberá processar e julgar o caso? À Justiça do Trabalho ou à Justiça Comum?

Não há precedentes em controle concentrado ou em repercussão geral que sinalizem o provável resultado do julgamento sobre esse ponto. É bem verdade que o STF reconheceu a competência da Justiça Comum para apreciar contratos de representação comercial, mas, naquele contexto, havia expressa previsão legal nesse sentido (artibo 39, da Lei 4.886/65). No caso da pejotização lato sensu, não há texto legal equivalente.  

Nas reclamações constitucionais ajuizadas em face de decisões trabalhistas que afastam a contratação de pessoa jurídica para reconhecer vínculo de emprego, tem se observado posições variadas entre os ministros. Ora cassam a decisão trabalhista e devolvem o caso à Justiça do Trabalho, para que seja proferida nova decisão em conformidade com os precedentes da Corte Constitucional, ora remetem os autos à Justiça Comum. Ou seja: não há entendimento uniforme sobre de quem é a competência para julgar esse tema.

A outra questão processual posta é igualmente inédita. No caso de ajuizamento de ação buscando reconhecer vínculo de emprego em relação pactuada por pessoa jurídica, incumbirá ao autor (prestador de serviços) ou ao réu (empresa tomadora de serviços) o ônus da prova?

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Embora não haja precedentes vinculantes do STF sobre esse aspecto, considerando o entendimento de que é lícita a pejotização – que se extrai dos julgamentos anteriores, supracitados –, consequência lógica será a declaração de que o ônus da prova sobre alegada fraude contratual recairá sobre quem a suscita.

Explica-se. Ao reconhecer que são legítimas outras formas de pactuação do trabalho, que não apenas a relação de emprego, o STF afasta a presunção de fraude até então predominante na Justiça do Trabalho. Isso significa que, havendo um contrato civil de prestação de serviços que atenda plenamente aos requisitos do negócio jurídico, este contrato precisará ser desafiado para que se possa avaliar eventual ocorrência de fraude. Nessa perspectiva, cabe àquele que desafia o contrato produzir a prova de sua nulidade, posto que fato constitutivo de seu direito (conforme dispõem os artigos 373, I, do CPC, e 818, I, da CLT).

Estas são, evidentemente, percepções pessoais desta autora, que poderão ou não se confirmar. Importante, portanto, acompanhar de perto o julgamento do Tema 1389, pelo Supremo Tribunal Federal.


[1] Acórdão de relatoria do Min. Roberto Barroso, publicado em 06/09/2019.

[2] Acórdão de relatoria do Min. Luiz Fux, publicado em 13/09/2019.

[3] Acórdão de relatoria do Min. Luiz Fux, publicado em 13/09/2019. Pág. 91.  

[4] Acórdão de relatoria do Min. Roberto Barroso, publicado em 19/05/2020.

[5] Acórdão de relatoria da Min. Cármen Lúcia, publicado em 19/03/2021.

[6] Acórdão de relatoria do Min. Gilmar Mendes, publicado em 21/08/2020.

[7] Acórdão de redação do Min. Luís Roberto Barroso, publicado em 14/10/2020.

[8] Acórdão de redação do Min. Nunes Marques, publicado em 29/03/2022.

[9] Acórdão de relatoria do Min. Gilmar Mendes, publicado em 30/10/2023.

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