Quem tem medo da Análise de Impacto Regulatório?

A Análise de Impacto Regulatório (AIR) vem ganhando destaque no Brasil enquanto importante instrumento de “boa prática regulatória”, atuando como procedimento de avaliação ex ante dos possíveis efeitos e consequências das dos atos normativos criadas pelos órgãos reguladores (em especial, os atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços públicos).

Implementada com maior rigor nos últimos anos, especialmente após a publicação da Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), da Lei Geral das Agências Reguladoras (Lei 13.848/2019) e do Decreto 10.411/2020, a AIR busca assegurar a criação/alteração/revisão de regulações baseadas em evidências, com maior racionalidade decisória, transparência e responsabilidade por parte das autoridades reguladoras.

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Recente estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizou o primeiro diagnóstico dos níveis de maturidade e realização da AIR em toda administração pública federal. Abrangendo o período de abril de 2021 a abril de 2024 e examinando 146 órgãos reguladores federais, a pesquisa revelou diferenças significativas na institucionalização da AIR[1].

Disparidade entre reguladores

A pesquisa adotou uma tipologia para os diferentes reguladores federais, distinguindo-os entre: reguladores stricto sensu, cuja função regulatória é considerada uma atividade-fim (a exemplo das agências reguladoras, do BCB, da CVM, do Ibama e do Conama, da Receita Federal, dentre outros); e reguladores lato sensu, que desempenham função regulatória de maneira residual (incluindo a maioria dos órgãos da administração direta, a exemplo dos ministérios, autarquias, fundações públicas etc.).

Os reguladores stricto sensu (num total de 32 órgãos) demonstraram maior maturidade e consistência na realização de AIRs. Nesse grupo, foram publicados 181 relatórios de AIR no período examinado (2021-2024), o que corresponde a aproximadamente 86,1% do total das AIRs realizadas. Em contraste, os reguladores lato sensu (114 órgãos), produziram apenas 29 relatórios de AIR, totalizando 13,9% das AIRs produzidas no período.

Além da quantidade, outras variáveis qualitativas também foram coletadas, a exemplo da divulgação de atos normativos pelos reguladores, da disponibilidade de informações sobre AIRs nos respectivos sites institucionais, da divulgação de notas técnicas em casos de dispensas de AIRs (conforme exigido pelo Decreto nº 10.411/2020), dentre outros).

Neste aspecto, a qualidade e a transparência dos relatórios produzidos pelos reguladores strictu sensu também se mostraram significativamente superiores. Esses órgãos, geralmente dotados de maior capacidade técnica e expertise em AIR (a exemplo das agências reguladoras), costumam dar mais publicidade aos dados e informações relacionados às suas respectivas regulações.

Principais barreiras identificadas

O estudo sugere algumas hipóteses acerca das barreiras e gargalos que limitam a institucionalização mais ampla da AIR pela administração pública federal brasileira. Entre essas barreiras destacam-se:

  • Baixo conhecimento interno sobre a importância estratégica da AIR: muitas instituições ainda percebem a AIR como uma mera obrigação burocrática, o que limita sua incorporação estratégica nos processos regulatórios internos.
  • Capacitação técnica insuficiente: a falta de treinamento específico e contínuo para os servidores públicos reduz a capacidade técnica para elaborar análises fundamentadas em evidências e dados empíricos confiávies.
  • Resistência à mudança: em diversos órgãos, há resistência interna à adoção de novas práticas regulatórias, especialmente aquelas que exigem mudanças significativas em processos já estabelecidos.
  • Dificuldade de acesso e produção de dados confiáveis: a ausência de sistemas eficientes para coleta e gerenciamento de dados compromete a qualidade e consistência das análises realizadas.

Essas barreiras são agravadas pela ausência de consequências e responsabilizações em caso de descumprimento das normas que obrigam a realização de AIR.

Apesar da atuação pontual de entidades como a Controladoria-Geral da União (CGU), o Ministério da do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) por meio da Secretaria de Competitividade e Política Regulatória (SCPR), e o Tribunal de Contas da União (TCU), não há ainda um órgão dedicado exclusivamente a garantir a implementação e fiscalização dessas práticas regulatórias.

Recomendações e perspectivas futuras

Para superar as limitações atuais e garantir maior institucionalização e eficácia da AIR no Brasil, são necessárias ações estruturantes em diferentes níveis:

  1. Aprimoramento institucional: fortalecer estruturas internas nos órgãos reguladores, garantindo capacitação e qualificação técnica, bem como protocolos de coleta e tratamento de dados para subsidiar as análises (“regulação baseada em evidências”).
  2. Proporcionalidade das exigências: ajustar os requisitos das AIRs de acordo com a complexidade das regulações propostas. Normas mais simples e de menor impacto poderiam ser submetidas a análises simplificadas, enquanto regulações complexas, com impactos econômicos e sociais significativos, deveriam ser objeto de análises detalhadas e rigorosas.
  3. Fiscalização e monitoramento: atribuir competências específicas a um órgão da administração pública, dedicado especificamente a monitorar e fiscalizar o cumprimento das obrigações de AIR, garantindo a efetividade e uniformidade das práticas regulatórias em todo o governo federal.

Apesar dos desafios identificados, o avanço recente na adoção da AIR no Brasil indica um caminho positivo. Os órgãos reguladores federais devem intensificar esforços para superar as barreiras institucionais e culturais que ainda limitam o uso pleno dessa importante ferramenta regulatória.

Para os próximos anos, espera-se que o governo federal e as instituições reguladoras adotem práticas ainda mais consistentes e transparentes na elaboração e divulgação das AIRs, tornando-as elementos centrais nos processos de tomada de decisões públicas. Com isso, o Brasil poderá aperfeiçoar significativamente seu ambiente regulatório, de maneira a garantir maior segurança jurídica e econômica e aumentar sua competitividade e atração de investimentos.

Sob tal perspectiva, ampliar e aprimorar a institucionalização da AIR no Brasil é essencial não apenas para atender às obrigações legais, mas sobretudo para garantir regulações mais técnicas, baseadas em evidências e com maiores níveis de transparência, legitimidade e participação social.


[1] Os resultados da pesquisa também foram discutidos no Seminário “Quem faz Análise de Impacto Regulatório no Brasil? Uma Avaliação da Experiência Federal”, disponível em: http://youtube.com/watch?v=C_HuUAZdZ_c&t=7203s.

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