Receita sinaliza revisão da projeção de arrecadação com voto de qualidade no Carf

A Receita Federal deve revisar as projeções de arrecadação vinculadas ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) no âmbito da Lei 14.689/2023, conhecida como Lei do Carf. Prevista como um benefício fiscal, a norma tem registrado baixa adesão e não resultou no montante esperado, segundo o secretário especial da Receita, Robinson Barreirinhas. A informação foi dada durante o evento Diálogos Tributários, promovido pelo JOTA na quinta-feira (15/5).

A meta de arrecadação relacionada ao Carf prevista na Lei Orçamentária Anual (LOA) deste ano é de R$ 28,6 bilhões, menos da metade do valor projetado em 2024, quando a estimativa era de R$ 56 bilhões. Ainda assim, Barreirinhas afirmou que a Receita já trabalha em ajustes nos valores atuais. O tema está entre as prioridades do órgão, segundo o secretário.

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“O temor que tínhamos lá atrás está se confirmando: nos maiores valores julgados no Carf com voto de qualidade, mesmo quando o contribuinte perde, ele não paga, vai para a Justiça”, afirmou Barreirinhas. O secretário complementou que “mais uma vez nós vamos ter que rediscutir nosso processo administrativo e judicial, que de certa forma incentiva o litígio”.

Sancionada em setembro de 2023, a Lei do Carf restituiu ao presidente das turmas do tribunal, sempre representante da Fazenda Nacional, o voto de desempate em decisões colegiadas, por meio do chamado voto de qualidade. Na prática, o presidente passou a ter voto duplo nesses casos, revertendo a regra anterior que favorecia o contribuinte em cenário de empate. Como contrapartida, foi previsto o perdão de multas nos casos resolvidos por voto de qualidade e a possibilidade de exclusão dos juros se o contribuinte optar por pagar o débito no prazo de até 90 dias após o julgamento. Além disso, há dispensa de garantia para discussão judicial, quando comprovada a capacidade de pagamento.

Na avaliação da Receita, porém, as contrapartidas não surtiram o efeito esperado, e os contribuintes seguiram levando os casos ao Judiciário. Para Barreirinhas, isso reflete as falhas de um modelo que, em vez de incentivar, acaba dificultando a resolução imediata dos débitos — em parte porque, na sua visão, o processo administrativo é barato e não exige garantias ou depósitos.

“O processo administrativo já é muito barato no Brasil para alguns tipos de litígio. E a gente percebeu que isso incentivou o litígio e desincentivou a resolução imediata. Vamos ter que repensar isso”, salientou.

Reforma tributária

Quanto à reforma tributária, o secretário afirmou que o cronograma da Receita prevê finalizar, até junho, a regulamentação da Lei Complementar 214/25, decorrente da aprovação do PLP 68/24. Em sua avaliação, a regulamentação da CBS deve espelhar a do IBS, o que exige uma construção conjunta do órgão com os estados e municípios. Para isso, segundo disse Barreirinhas ao JOTA, a Receita tem se reunido com o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) e representantes municipais.

Uma vez concluída a proposta no próximo mês, disse, o órgão deve compartilhá-la com os entes subnacionais para então abrir uma audiência pública, em setembro. A previsão de finalização do texto está prevista para outubro.

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Notas fiscais

Em relação à regulamentação da sistemática de emissão de notas fiscais no contexto da reforma, a proposta, segundo o secretário do órgão, é permitir que os contribuintes continuem emitindo os documentos nos formatos atuais. Caberá ao novo sistema da Receita extrair os dados essenciais, padronizá-los e complementar as informações com dados já disponíveis nas bases do órgão.

Barreirinhas explicou que mesmo que o documento emitido traga falhas ou omissões, como a ausência de endereço, por exemplo, o sistema será capaz de complementar esses dados, processá-los e, a partir disso, gerenciar os pagamentos. O objetivo, segundo ele, é garantir compatibilidade ampla sem a necessidade de mudanças por parte dos emissores.

“O sistema está sendo construído para suportar 270 bilhões de documentos fiscais em alta velocidade. Ele vai aceitar todas as entradas de notas e extrair de qualquer modelo os dados a serem incorporados”, disse. Segundo o secretário, o varejo deve representar o maior desafio na implementação desse novo modelo.

Mudanças no IR e compensação

Uma das preocupações levantadas no Congresso quanto às mudanças no Imposto de Renda promovidas pelo PL 1087/2025 é como se dará a devolução de valores recolhidos a mais, nos casos em que tributação prevista na proposta fizer a carga tributária ultrapassar 34%, ou 45% no caso de instituições financeiras.

Segundo Claudia Pimentel, subsecretária de tributação e contencioso na Receita, que também participou do evento, há espaço para automatizar esse processo, especialmente quando a distribuição de lucros se refira a anos anteriores e a empresa já tenha feito o cálculo da alíquota efetiva.

“Se eu estou distribuindo lucros antecipados, do próprio ano, aí não tem a alíquota efetiva, realmente precisa ter essa questão do débito. Então, estamos trabalhando na forma mais fácil e ágil de conceder esse crédito”, disse.

Segundo ela, parte dessa operacionalização pode ser definida por ato normativo para permitir mais flexibilidade conforme os avanços tecnológicos, mas não haveria impedimento em prever esse mecanismo diretamente no texto legal.

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Preço de transferência

Quanto ao preço de transferência, a subsecretária explicou que a regulamentação de temas específicos, como o Acordo de Precificação Antecipada (APA), tem avançado de forma mais lenta devido à complexidade do tema, que demanda tanto análise jurídica quanto operacional. A expectativa é que as normas complementares estejam concluídas até junho. Para isso, a Receita também estuda alterações em seu regimento, com o objetivo de adaptar a estrutura para o novo cronograma.

O preço de transferência é o conjunto de regras que define como tributar operações internacionais realizadas entre partes ligadas, com o objetivo de evitar manipulações artificiais de preços para reduzir a carga tributária ou transferir lucros para jurisdições com menor tributação.

“O novo serviço demanda estruturação da Receita, que os colegas que vão trabalhar na análise desses pedidos precisam de conhecimento específico e todo esse contexto acaba trazendo essa demora na conclusão da regulamentação”, disse.

Ela destacou ainda que, como parte da regulamentação envolve também o Registro da Transação em Commodities (RTC), que passou a exigir a formalização mensal de operações com commodities entre partes ligadas, o tema demanda alinhamento com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o que tem contribuído para o atraso na conclusão das normas.

“Nós estamos querendo trabalhar com perguntas e respostas porque nós estamos vendo um facilitador que pode trazer segurança jurídica de aspectos de determinadas transações, de determinados aspectos da legislação, que a gente pode trabalhar com exemplos. E perguntas e respostas têm essa flexibilidade que a instrução normativa não tem”, disse.

Transações e programa de conformidade

A Receita também aposta em duas frentes: o avanço de programas de conformidade e as transações tributárias. Barreirinhas afirmou que a estratégia do órgão é manter o modelo de transação já adotado, que considera a capacidade de pagamento do contribuinte. Disse que o governo acertou ao descontinuar o modelo tradicional do Refis, que, segundo ele, desestimulava a arrecadação espontânea e concedia benefícios lineares, sem levar em conta a situação individual de cada empresa.

Por outro lado, em relação aos programas de conformidade, Barreirinhas salientou que pretende avançar com as iniciativas em curso, com destaque ao Programa de Conformidade Cooperativa (Sintonia). A proposta prevê que as empresas recebam notas conforme seu grau de regularidade fiscal, que funcionarão como um selo de acesso a benefícios como prioridade na análise de restituições, facilitação no relacionamento com o fisco, acesso a seminários e programas de diálogo e participação no Procedimento de Consensualidade Fiscal.

Este e outros programas como o Confia, voltado a grandes empresas, estão pendentes de aprovação no Congresso, previstos no PL 15/2024, que institui três programas de conformidade tributária da Receita Federal. A aprovação da matéria, segundo Barreirinhas, é essencial para garantir uma atuação mais “orientadora” por parte da fiscalização. A Receita trabalha para que o projeto seja aprovado ainda neste semestre, conforme já havia divulgado o JOTA.

“Esse arcabouço legal tem que ser aprovado esse ano. Ele aumenta essa estabilidade e isso com certeza tem impacto na arrecadação”, reafirmou o secretário do órgão sobre o projeto de lei.

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