Lula vai à China, mas Brasil ainda falha em se apresentar aos chineses

A visita de Lula à China tomou conta dos noticiários chineses e brasileiros nesta última semana. O presidente brasileiro se reuniu com o governante chinês, Xi Jinping, para discutir oportunidades de aproximação comercial entre os dois países em meio ao cenário global estremecido pelas tarifas impostas pelo governo estadunidense – que apesar da trégua momentânea, ainda devem dar o que falar.

No entanto, o Brasil deveria tomar essa oportunidade como mais do que uma simples visita institucional e política, buscando reverter o cenário atual, em que constantemente falhamos ao tentar integrar o Brasil à China.

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Morando no país, aprendi que os chineses sabem e consomem bem menos sobre o Brasil do que poderiam – e a culpa é nossa. E essa verdade se repete em diferentes vertentes: na cultura, na culinária, na economia, na moda, nos serviços jurídicos, entre muitas outras.

No final de 2024, participei do China International Supply Chain Expo, em Pequim, um evento focado na cadeia produtiva de diversas indústrias, incluindo Agricultura Sustentável, Energia Limpa e Produtos Saudáveis – áreas em que o Brasil possui muito interesse e até mesmo protagonismo regional.

Chegando lá, encontrei estandes de embaixadas de países como Austrália, México, Itália, Hungria, Sri Lanka, Peru, Etiópia, Moldova, dentre outras dezenas de economias – e nada do Brasil. Na verdade, havia um estande do estado do Rio Grande do Sul, uma iniciativa interessante, mas não o suficiente para suprir a ausência de uma representação nacional, que ficou exemplificada quando ouvi um empresário local perguntando ao outro “onde fica esse país?”, se referindo ao Rio Grande do Sul.

A situação ilustra um aprendizado que tive nesses últimos meses: não falta interesse dos chineses no Brasil, e sim do Brasil em se expor aos chineses. Na culinária, a constatação fica evidente. Existe uma única rede consolidada de comida brasileira na China, a churrascaria Latina. Com unidades em diversas grandes cidades do país, seus restaurantes estão sempre lotados. A churrascaria brasileira é uma das queridinhas dos grandes advogados, empresários e, até mesmo, artistas locais de Pequim e Xangai, mas a sua unicidade é apenas sintoma da ausência de outros players neste mercado consumidor tão ávido por novidades.

Já nos supermercados e shoppings chineses, a quantidade de produtos com etiquetas que se referem ao Brasil não é pequena: “Brazilian Deluxe Coffee”, “Brazilian Bikinis”, “Brazilian Cocoa”, “Brazilian-style picanha” são alguns dos exemplos que encontramos por aqui. No entanto, basta olhar para o rótulo desses produtos para percebermos que a maior parte deles não possui origem brasileira – sendo o termo “Brazil” utilizado como apelo de luxo para empresas europeias e americanas venderem seus produtos.

Na seara jurídica, o desconhecimento do mercado legal brasileiro pelos chineses gera situações desastrosas. Frequentemente vemos escritórios de advocacia no Brasil oferecerem a sua expertise em China sem qualquer estruturação ou prática voltada para o mercado asiático. Adaptando a expressão popular, ofertas que acabam sendo apenas “para chinês ver”.

O resultado é que, muitas vezes, grandes empresas chinesas acabam contando com advogados e consultores claramente despreparados para atendê-los, ou atuando fora da sua zona de conhecimento setorial. Isso porque a singularidade da tradição cultural chinesa requer dos advogados e consultores brasileiros conhecimento específico para lidar, negociar e comunicar-se com clientes chineses com demandas no Brasil. Nesse aspecto, ainda temos muito a evoluir.

Assim, talvez exista somente uma grande atividade brasileira que fuja ao desconhecimento dos chineses: o futebol. Mesmo assim, aproveitamos muito mal esse setor. Os chineses, ao contrário do que muitos podem achar, são apaixonados por futebol e pelos jogadores brasileiros. Não foram poucas as vezes em que, ao me apresentar como brasileiro, ouvi “nossa, Brasil, futebol, Pelé, Romário, Ronaldo, Neymar, Oscar”.

Os clubes europeus costumeiramente realizam partidas amistosas, campeonatos de pré-temporada e possuem lojas próprias nas grandes cidades chinesas – vendo na China um mercado consumidor cativo e com alto poder aquisitivo. Na contramão, clubes brasileiros de elite fazem menos jogos amistosos na China hoje do que na década de 1990 e no início dos anos 2000.

Fato é que a aproximação política entre Brasil e China é essencial para o desenvolvimento econômico, mas não basta alinhar discursos e assinar memorandos. É preciso que o Brasil se exponha ao mercado chinês, mostre seus produtos, participe das grandes feiras comerciais, promova eventos, auxilie empresas locais a encontrarem parceiros chineses e facilite o acesso e a troca de tecnologia.

Em uma feira com mais de uma centena de empresas no ramo de agricultura sustentável, é impensável inexistir ao menos uma grande oportunidade de desenvolvimento tecnológico e comercial para empresas brasileiras. Aproveitar oportunidades como esta seria crucial para fortalecer a relação bilateral e impulsionar o crescimento econômico de ambos os países.

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