A transação, introduzida pela Lei 13.988/2020, representa verdadeira mudança da relação entre o fisco e os contribuintes, passando a admitir formalmente a resolução consensual de conflitos tributários, com concessões recíprocas que buscam viabilizar a recuperação de créditos considerados de difícil exigibilidade. O presente artigo analisará a possibilidade de promover a transação individual de débitos tributários de empresas inativas, por dissolução irregular. Como fazer quando a pessoa jurídica (em alguma medida) desaparece?
Primeiramente é forçoso lembrar que a Lei 13.988/2020 não restringe o sujeito passivo da transação às pessoas jurídicas, pelo contrário, em seu artigo 1º, permite expressamente a transação de créditos inscritos em dívida ativa da União, independentemente da qualificação do devedor.
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Esse entendimento encontra respaldo nas normas infralegais, como no artigo 25, §1º e artigo 54, §§ 3º e 4º da Portaria PGFN 6.757/2022, admitindo a adesão de devedores pessoas físicas à transação, sejam eles contribuintes originários da obrigação, ou corresponsáveis, como sócios e administradores redirecionados com base nos artigos 124 e 135 do CTN.
A primeira premissa de que partimos é a de que a inclusão de pessoas físicas como corresponsáveis pressupõe o reconhecimento dessa responsabilidade, ou seja, a formalização mediante decisão administrativa fundamentada; seja através da instauração de Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (PARR), seja por decisão judicial, em respeito ao devido processo legal e ao contraditório.
Significa dizer que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não detém poder discricionário para eleger livremente quem poderá figurar como sujeito passivo na execução fiscal ou na transação, sem a devida formalização de sua responsabilidade tributária. A simples presença do nome do sócio no contrato social, por si só, não é suficiente para imputação da sua responsabilidade pela dívida, tampouco autoriza sua inclusão em proposta de transação.
Todavia, concentraremos a análise em situações em que a dissolução irregular da empresa decorreu exclusivamente de dificuldades financeiras, sem a incidência de má-fé, fraude, confusão patrimonial ou desvio de finalidade. Trata-se de casos em que a pessoa jurídica deixou de funcionar no local informado à Receita Federal e aos demais órgãos competentes, sem o devido processo legal de extinção, mas cuja conduta dos sócios não se reveste de abuso ou simulação.
Nessas hipóteses, ainda que haja o redirecionamento da cobrança para os sócios ou ex-sócios, precedido de decisão administrativa ou judicial fundamentada, não teria restado comprovada a intenção de lesar o fisco ou fraudar credores. Isso acontece, muitas vezes, com empreendedores que encerraram suas atividades por absoluta inviabilidade econômica, e que sequer conseguiram cumprir com os trâmites legais de baixa empresarial por ausência de recursos financeiros ou conhecimento técnico.
É justamente nesse cenário que entendemos seja necessária uma abordagem mais flexível e proporcional por parte da Administração Pública. A aplicação do instituto da transação nessas hipóteses pode funcionar como importante instrumento de regularização e reinserção econômica dos contribuintes de boa-fé, que se veem impedidos de empreender ou de acessar linhas de crédito por conta de débitos que, muitas vezes, remontam a um período de colapso financeiro.
Pretendemos, com isso, propor critérios objetivos que possam ser utilizados para viabilizar a transação em situações de dissolução irregular sem fraude, conciliando o interesse público na recuperação de créditos tributários com a função socioeconômica deste instituto, especialmente quando a cobrança integral se mostra inexequível.
A título exemplificativo, poderia ser admitida a transação com o corresponsável nos casos em que:
- tenha havido decisão formal reconhecendo a dissolução irregular;
- inexista histórico de fraudes fiscais ou outras condutas dolosas; e
- esteja demonstrada a boa-fé e a ausência de confusão patrimonial com outras empresas do grupo.
Para essas situações, entendemos seja pertinente um olhar diferenciado, considerando a presunção da hipossuficiência da pessoa física dos corresponsáveis de boa-fé, em casos de comprovada ausência de práticas de ilícitos tributários, permitindo a esses contribuintes ter acesso a condições mais vantajosas de transação, com maiores descontos e prazos para pagamento, a partir da análise da CAPAG individual destes.
Mas a forma de avaliação da CAPAG tem sido alvo de críticas, sobretudo pela falta de transparência quanto à metodologia utilizada para classificar o devedor, especialmente quando se trata de pessoas físicas corresponsáveis, como sócios de empresas inativas ou dissolvidas irregularmente, posto que esta é atribuída unilateralmente pela Administração, o que pode gerar distorções nos casos em que o corresponsável não guarda vínculo direto com o fato gerador da obrigação tributária.
Com o intuito de mitigar essas distorções, a própria Portaria PGFN 6.757/2022 prevê, nos artigos 5º, V, 23 e 27, a possibilidade de revisão da CAPAG, em consonância com a proposta de diálogo institucional defendida pela PGFN.
Ainda assim, duas questões merecem atenção. A primeira diz respeito à legalidade do artigo 21, §2º, da referida portaria, que autoriza a apuração da CAPAG a partir da soma das capacidades de pagamento dos integrantes do grupo econômico. Essa previsão é controversa, pois confunde a universalidade da dívida com a do patrimônio, podendo levar à atribuição artificialmente majorada da capacidade de pagamento a certos corresponsáveis.
Seria necessário, portanto, um critério que assegurasse a individualização da CAPAG, proporcional à responsabilidade de cada integrante. A segunda questão refere-se à necessidade de uma análise criteriosa quanto aos fundamentos do redirecionamento da dívida da pessoa jurídica para os seus sócios.
Entendemos que a resposta a estes questionamentos só poderá ser alcançada mediante a confirmação das premissas que estabelecemos, quanto à efetiva atribuição da responsabilidade e adequada aferição da CAPAG. Desta forma, acreditamos que o Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (PARR), regulamentado pela Portaria PGFN 948/2017, poderá ser um verdadeiro instrumento para possibilitar a transação tributária de casos de dissolução irregular com ausência de ilícito tributário.
Assim, constatada a ocorrência da dissolução irregular da empresa, com a inexistência de fraudes fiscais ou outras condutas dolosas e sendo demonstrada a boa-fé do contribuinte, acreditamos que ao invés de a PGFN prosseguir com atos de execução, que já se provaram ineficientes, poderia ser aberto um prazo para as partes manifestarem interesse na resolução consensual da dívida via transação tributária, com condições mais vantajosas, considerando o elevado grau de irrecuperabilidade desse crédito tributário.
No contexto de grandes conglomerados, há quem sustente que altos executivos dispõem de significativa capacidade de pagamento. No entanto, a análise do Indicador de Inadimplência das Empresas da Serasa Experian apresenta um cenário diverso: em dezembro de 2024, 6,9 milhões de empresas encerraram o ano com dívidas, das quais 6,5 milhões eram microempresas ou empresas de pequeno porte.
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Esse quadro de crescente endividamento pode levar à paralisação das atividades empresariais, com a responsabilização de sócios, ainda que não haja a prática de atos fraudulentos ou ilícito tributário; e é nesses casos que entendemos seja pertinente a criação de uma condição mais favorecida de transação, em prestígio a boa-fé desse contribuinte e visando favorecer a recuperação deste crédito tributário ao Erário.
Sendo a transação tributária um instrumento de política fiscal e de justiça distributiva, acreditamos que sua aplicação às pessoas físicas deve ser estimulada como forma de assegurar proporcionalidade na cobrança e racionalização do contencioso.
O desafio está na correta mensuração da capacidade de pagamento e na transparência dos critérios utilizados pela Administração, cuja aferição deve respeitar os princípios da razoabilidade, da transparência e do contraditório, assegurando maior justiça fiscal e eficiência na cobrança.