
Processo pode levar anos e avalia desde eficácia no campo até riscos para saúde humana e meio ambiente. Para registro, é preciso a aprovação do Ministério da Agricultura, Anvisa e Ibama. Entenda como é a aprovação de agrotóxicos no Brasil
Você já se perguntou como um agrotóxico chega até a lavoura? Não é um processo simples nem rápido.
Para que um produto seja liberado para uso no Brasil, ele precisa passar por uma avaliação rigorosa feita por três órgãos federais diferentes: o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O produto apenas é registrado com o aval dos três órgãos.
Ainda assim, em 2024, o Brasil bateu recorde de liberação de agrotóxicos e defensivos biológicos, apontam dados do Ministério da Agricultura.
Entenda abaixo como é o processo de aprovação.
O que cada órgão avalia?
Cada um dos três órgãos federais têm uma responsabilidade específica na análise dos pedidos de registro:
🌾 Ministério da Agricultura: avalia se o agrotóxico realmente funciona para combater a praga ou doença a que se destina.
A avaliação é feita a partir de estudos enviados pelas empresas que querem o registro e não são refeitas, explica o Coordenador-Geral de Agrotóxicos e Afins (CGAA) do ministério, José Victor Torres. O mesmo vale para os outros dois órgãos.
Para ser aprovado, o produto deve apresentar um mínimo de 70% de eficácia.
Também é o órgão que formaliza e divulga o registro do agrotóxico.
⚕️ Anvisa: verifica o risco que o pesticida traz para a saúde humana. A partir dos estudos enviados, os especialistas avaliam se o agrotóxico pode causar problemas imediatos ou a longo prazo para quem aplica, quem manipula ou quem consome alimentos com resíduos.
Além disso, a Anvisa define os limites máximos de resíduos permitidos nos alimentos.
🐝 Ibama: investiga o risco que o agrotóxico representa para o meio ambiente.
Isso inclui como o produto se comporta no solo, na água e no ar, quanto tempo dura e se ele afeta animais, explica Rosângela Maria Ribeiro, Diretora da Diretoria de Qualidade Ambiental (Diqua).
O Ibama classifica o potencial de periculosidade ambiental do produto, sendo da categoria “altamente perigoso” até “pouco perigoso”
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Como funciona o processo?
Antes de pedir o registro oficial, a empresa interessada deve solicitar um Registro Especial Temporário (RET). Isso a permite importar pequenas quantidades do agrotóxico para realizar pesquisas e testes no Brasil.
Esses testes vão gerar os dados que a empresa precisa apresentar nos seus pedidos aos três órgãos, para a análise.
Apesar de não refazerem os testes, os técnicos dos órgãos analisam se o laboratório segue o sistema internacional de qualidade de Boas Práticas de Laboratório (BPL) e outras metodologias reconhecidas.
Tipos de produtos
Existem diferentes tipos de produtos que precisam do registro. Confira abaixo.
Produto técnico: matérias-primas utilizadas na fabricação dos pesticidas;
Pré-mistura: um produto, usado para agilizar processos industriais;
Produto formulado: é aquele que é comprado pelo agricultor. Ele é dividido em dois grupos: agrotóxicos e biológicos.
Produtos equivalentes: são “cópias” de princípios ativos inéditos — que podem ser feitas quando caem as patentes — ou produtos finais baseados em ingredientes já existentes no mercado.
O tempo médio para a análise de um produto novo é de 24 meses, segundo a lei. Mas, na prática, os órgãos levam mais tempo para fazer a verificação, por causa do tamanho da fila — que é formada, principalmente, pelos produtos equivalentes.
Já a análise de produtos biológicos é mais rápida, dura 12 meses. Uma das razões para isso é que, por terem menos riscos, precisam de menos análises.
O governo adotou mecanismos para priorizar os biológicos, incentivando a transição nas lavouras. A ideia é diminuir o uso de produtos químicos, explica Torres, coordenador no Ministério da Agricultura.
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Quais produtos podem furar a fila
Existe uma fila grande para análise de registros. Há processos protocolados desde 2016 que ainda não foram registrados. Novos pedidos chegam todo ano, então o trabalho não acaba, explica Torres.
Normalmente, as instituições analisam os pedidos por ordem cronológica, mas existem alguns casos especiais:
ações judiciais;
emergências fitossanitárias, ou seja, produtos que combatem pragas que não têm ainda soluções no mercado;
produtos para agricultura orgânica;
moléculas novas, que geralmente são menos tóxicas.
Reavaliação e banimento
O registro de um agrotóxico no Brasil tem prazo de validade indefinido. Mas, os órgãos fazem reavaliações de produtos registrados quando há alguma indicação de perigo ou risco para a saúde humana, meio ambiente ou mesmo ineficiência.
A reavaliação acontece, por exemplo, quando surgem novos estudos em outros países que mostram danos que não eram conhecidos na época do registro inicial.
A Anvisa tem a prerrogativa de banir um produto. O Ibama, por outro lado, não pode banir, mas pode restringir o uso.
Foi o que aconteceu com o agrotóxico fipronil, que, no ano passado, teve suspensa a aplicação em folhas e flores, para proteger insetos polinizadores, como as abelhas. O produto é conhecido como “matador de abelhas”.
“A gente pode restringir cada vez mais o uso até chegar um momento em que não tem mais uso aceitável para esse produto”, afirma Ribeiro, diretora no Ibama.
O que acontece depois do registro?
Depois de aprovado, o produto pode ser comercializado de forma praticamente imediata, mas a empresa precisa incluí-lo em sistemas de cadastro federal e estaduais.
Mas o número de agrotóxicos aprovados não significa o mesmo do que está no mercado. Em 2023, por exemplo, 62% dos produtos registrados não foram comercializados, segundo levantamento do Ibama.
“Tem muita empresa que pede o registro, mas ele fica de stand by para um momento oportuno”, diz Torres, do Ministério da Agricultura.
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