Alinhando-se aos preceitos da Administração Pública do século 21, concertada[1] e marcada por acordos e contratos, típicos de um agir consensual, o Tribunal de Contas da União (TCU) tem se dedicado à promoção de soluções consensuais e à prevenção de conflitos. Segundo o órgão, essa postura evidencia o compromisso institucional com a efetividade das políticas públicas e a segurança jurídica. E, ainda, reflete o esforço do TCU em buscar soluções tempestivas, construídas de maneira colaborativa e célere, envolvendo tanto a sociedade quanto os entes públicos.
Segundo a corte, as soluções consensuais comprovam que o diálogo é o caminho favorável para que o interesse público prevaleça. E, diante dessa perspectiva, é que em dezembro de 2022 foi criada a Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (Secex-Consenso). Dividida em alguns eixos de atuação, a construção de soluções e o diálogo com as instituições na prevenção dos conflitos são diretrizes de atuação dessa unidade.
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Quanto à atuação, tem-se que, desde a sua criação, a solução consensual de conflitos complexos no setor de infraestrutura é prioridade para a Corte de Contas. Desde então, 36 pedidos de composição acordada já tramitaram ou tramitam no TCU. Cada solicitação é avaliada, seguindo critérios de materialidade, risco e relevância. O TCU também verifica se o objeto faz ou não parte do rol de suas competências.
Conforme os dados mais recentes disponibilizados pelo tribunal, atualmente tem-se o seguinte cenário: há 1 processo em exame de admissibilidade; 7 processos já admitidos para análise da Comissão de Solução Consensual, instaurada para cada uma das controvérsias; 3 com a análise da Comissão concluída e em trâmites internos formalização do acordo; 14 com acordos já formalizados na Comissão e homologados pelo plenário; 7 processos não admitidos e 4 sem acordo na comissão ou não homologado pelo plenário.
Desses 36 projetos, 30 envolvem discussões afetas ao setor de infraestrutura. E, especificamente, 22 sobre o regime de contrato de concessão.
E as matérias submetidas à apreciação também são variadas, envolvendo compensações financeiras pelo que foi investido e pelas obrigações pendentes, composição do fluxo de caixa, pagamento de contrapartidas; caderno de obrigações; substituição de obras; pagamentos antecipados, etc.
Em síntese, as discussões em andamento buscam analisar se as alterações dos contratos podem ser feitas, e quais são as condições mais vantajosas para a população e que atendam ao interesse público. Nesse sentido, a construção de eventual solução tem de prever a avaliação de riscos e benefícios legais, técnicos e econômicos considerando o escopo do instrumento contratual e as obrigações de cada uma das partes.
Essa tendência traduz o que há muito já vinha sido estudado[2]: “em termos de cultura jurídica, a consensualidade se afirmou como técnica de desenvolvimento das atividades administrativas por vezes preferível dentre as vias tradicionais”[3]. E a Constituição brasileira, ao privilegiar a participação e o consenso no exercício das tarefas públicas, valoriza instrumentos como os acordos administrativos[4].
Daí que a via consensual é, em grande medida, preferível à via litigiosa, sobretudo por permitir a construção colaborativa de um acordo entre as partes. Ademais, a solução concertada tende a garantir a implementação de pactos e decisões inovadoras e se moldar às expectativas dos envolvidos que dialogam de maneira convergente para pôr fim ao conflito.
Vale mencionar que, no âmbito da Secex-Consenso, a solicitação de solução consensual, além de ter de obedecer a uma série de requisitos formais e legais, como já mencionado, somente pode ser formulada por determinas autoridades governamentais, citadas no artigo 2º, da Instrução Normativa 91/2022 do TCU[5]; pelos dirigentes máximos das agências reguladoras ou pelo relator do processo em tramitação. E a participação de representante dos particulares envolvidos na controvérsia é permitida.
Sob tal ótica, ademais, o funcionamento da Secex-Consenso não exclui a atuação do tribunal em outro procedimento ou instrumento de fiscalização. A secretaria mencionada apenas institucionaliza um processo que já era feito informalmente, por meio de reuniões no curso de auditorias e acompanhamentos dos procedimentos submetidos ao exame da Corte de Contas.
E, ainda, não exclui outras inovações consensuais, como aquelas descritas no artigo 26 da LINDB. Em razão desse comando permissivo genérico, atualmente, “qualquer órgão ou ente administrativo encontra-se imediatamente autorizado a celebrar compromisso […] não se fazendo necessária a edição de qualquer outra lei específica, decreto ou regulamentação interna”.
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No momento em que a tese da consensualidade na Administração Pública, principalmente em áreas que possam diminuir a litigância, ganham destaque, a busca pela solução acordada surge como uma alternativa a fim de destravar os obstáculos enfrentados pelas partes. E o TCU se torna o mediador dessas soluções consensuais, figurando-se como facilitador e buscando auxiliar em alternativas para solucionar e dirimir problemas de interesse da Administração.
Diante dessa perspectiva, às concessionárias, por exemplo, compete analisar as dificuldades e as barreiras eventualmente enfrentadas e, caso for, sugerir ao relator do processo já em tramitação no tribunal, por exemplo, a submissão da demanda à análise da resolução consensual.
Já os demais órgãos e entidades, em outros cenários, coincidentes ou não com infraestrutura, também podem avaliar a busca pelas alternativas consensuais, já que autorizados a celebrar acordo para composição das mais diversas situações vivenciadas, tendo na própria Constituição Federal o fundamento para tanto.
[1] BITENCOURT NETO, Eurico. Transformações do Estado e a Administração Pública no século XXI. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 4, n. 1, p. 207-225, jan./abr. 2017. DOI: 10.5380/rinc.v4i1.49773.
[2] Nesse sentido, por exemplo: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos Institutos consensuais da ação administrativa. Revista de Direito Administrativo, v.231, p. 129-156.
[3] GUERRA, Sérgio; PALMA, Juliana Bonacorsi de. Art. 26 da LINDB – Novo regime jurídico de negociação com a Administração Pública. Revista de Direito Administrativo, p. 135-169, 2018. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/77653. Acesso em: 19 dez. 2024, p. 138.
[4] BITENCOURT NETO, Eurico. Concertação Administrativa Interorgânica. São Paulo: Almedina, 2017, p. 257.
[5] Institui, no âmbito do Tribunal de Contas da União, procedimentos de solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos afetos a órgãos e entidades da Administração Pública Federal.