O leilão do novo terminal do porto de Santos (SP) está no centro de embates sobre eventuais riscos à concorrência no transporte marítimo brasileiro – o que pode ter impactos à economia como um todo. Essa preocupação se reflete no parecer da Subsecretaria de Acompanhamento Econômico e Regulação (SEAE), no contexto da consulta pública sobre o assunto.
O órgão é o primeiro a tratar das questões concorrenciais do terminal na atual minuta de edital e contrato – tratado na Audiência Pública 2/2025, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
No documento, a subsecretaria ligada à Fazenda “observa com cautela” o que chama de “riscos inerentes ao excesso de concentração de mercado em estruturas verticalizadas” no porto de Santos, “em específico no que tange à adjudicação do arrendamento à terminais de carga conteinerizada já constituídos”.
As estruturas verticalizadas às quais o parecer se refere dão conta de quando um mesmo grupo econômico controla tanto os navios de transporte (armadores) quanto os terminais que recebem cargas. O porto de Santos já possui dois terminais nessa situação: Tecon Santos (controlado pelo armador CMA-CGM) e BTP (grupos Maersk e MSC). Juntos, eles movimentam 76% dos contêineres do porto, de acordo com dados da Antaq.
O novo terminal do porto de Santos, que anteriormente era chamado de STS-10, aguarda por leilão há uma década. Apesar da expectativa, há preocupação do setor sobre o modelo da concorrência a ser adotado, que pode até desembocar em concentração de mercado e riscos para a concorrência.
O coordenador-geral de Transporte e Saneamento da SEAE, Mauro Rodrigues Sanjad, que assina o parecer, avalia que o principal desafio relacionado ao arrendamento do terminal “liga-se ao aspecto concorrencial do certame, tanto no que tange à concorrência no leilão, como nas condições pós-leilão”, afirmou, em entrevista concedida por e-mail ao JOTA.
“Os armadores detentores de terminais verticalizados tendem a escolher operar em terminais pertencentes ao seu grupo econômico (self-preferencing), o que pode afetar a permanência de outros players na localidade, gerando impactos negativos sobre a concorrência”, diz o coordenador. “Além disso, o processo de self-preferencing tende a ser reforçado por alianças globais entre armadores e as parcerias operacionais efetuadas entre armadores”, complementa.
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
A prática do self-preferencing é quando o armador sempre atraca seu navio no próprio terminal, independente do preço praticado pelos demais – lembrando que não é o dono da carga que escolhe onde atracar, mas o armador. Como resultado, os terminais “bandeira branca” (não verticalizados) podem ficar sem um volume mínimo de carga, inviabilizando seu negócio. De outra forma, os terminais podem oferecer melhores condições aos armadores do próprio grupo econômico.
Sobre a verticalização em si, Sanjad diz que ela “traz benefícios no sentido de ganhos de eficiência derivados de ganhos de escala, otimização de operações e eliminação de duplos mark-up [quando duas ou mais empresas adicionam suas margens de lucro em uma operação]”. Mas ele pondera: “o elevado grau de concentração de mercado e potenciais riscos à concorrência pós-leilão, que podem ser agravados por acordos operacionais, devem ser analisados com cautela”, frisa.
Remédios comportamentais
O que fazer, então, para garantir um ambiente concorrencial saudável em Santos? Para Sanjad, é necessário aguardar a divulgação da análise concorrencial feita pela Antaq, que, segundo a agência, seria empreendida de forma concomitante à audiência pública. Até o fechamento desta reportagem, a agência ainda não havia divulgado a análise, prevista para ser realizada ainda em abril.
O que é fato é que a minuta de edital e o modelo de contrato atualmente em discussão não possuem os chamados “remédios comportamentais” para evitar os possíveis problemas apontados.
Sobre esse ponto, a SEAE se manifestou sobre a questão no passado. Isso ainda durante as discussões da proposta de edital anterior, elaborada no governo Jair Bolsonaro, quando o Tecon Santos 10 era chamado de STS-10 – o projeto mudou, mas a discussão sobre a concorrência permaneceu praticamente inalterada no período.
Para aquela versão da concorrência, em 2022, a SEAE emitiu parecer no qual sugere três fases para o leilão. Inicialmente, seriam excluídos da competição grupos econômicos que gerassem posição dominante (acima de 20% do mercado); e também os que possuíssem uma participação de 30% ou mais nos mercados a montante (parte da cadeia que está mais próxima das matérias-primas e produção) ou jusante (mais próxima dos consumidores).
Na segunda fase, seria liberada a participação de outros concorrentes, exceto os que elevassem a posição dominante e detivessem 30% ou mais nos mercados relacionados. E finalmente, na terceira fase, estaria liberada a participação de qualquer grupo.
A fórmula, em tese, permitiria a participação de grandes grupos interessados em arrendar o novo terminal, mas colocaria uma barreira para proteger novos entrantes. Contudo, até o momento, nenhum remédio comportamental nesse sentido foi inserido na audiência atual.
E o Cade?
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) participou da audiência pública em torno do STS-10, com a Nota Técnica 10/2022, assinada pelo superintendente-geral, Alexandre Barreto de Souza.
Os dois órgãos — Cade e SEAE — confluem, em suas manifestações de 2022, em vários pontos. Entre eles, o reconhecimento de que um armador verticalizado que já controlasse terminal em Santos ensejaria cuidados, caso vencesse o certame.
Em suma, o Cade entendeu que a verticalização não prejudica, por si só, a concorrência. Porém, destacou que a ação de alianças operacionais e contratos de compartilhamento de embarcações poderiam reforçar barreiras à concorrência.
“Caso haja a opção, pela autoridade competente, de não limitar a participação de quaisquer players no leilão STS-10, entende-se que mecanismos rigorosos de controle e que reforcem a repressão a condutas anti competitivas devem ser previstos no edital e nos contratos assinados com os arrendatários”, manifestou o órgão, à época.
Já a Antaq, em 2022, montou um grupo de trabalho para tratar dos aspectos concorrenciais do STS-10 e concluiu que limitar a participação de agentes não seria uma solução adequada. Sugeriu, então, outros remédios comportamentais, como a adoção de uma taxa máxima de movimentação de cargas do armador verticalizado no terminal (a fim de coibir o self-preferencing), a prestação periódica de informações, além do monitoramento de níveis de serviço mínimos.
Recomendações à Antaq
No parecer mais recente, a SEAE recomenda que a Antaq considere, em seu estudo concorrencial, “os possíveis efeitos da entrada da CMA CGM na Santos Brasil” e outros terminais e armadores verticalizados, “tendo em vista todo o histórico de debates concorrenciais envolvendo o arrendamento do Tecon Santos 10”.
Também pede revisão ao programa carbono sustentável e sugere a inclusão de seguros para cobertura de risco de danos ambientais.
O parecer sugere ainda que a Antaq reabra a audiência pública do Tecon Santos 10 após a conclusão de seus estudos concorrenciais “para que possam ser feitas eventuais contribuições de todos os agentes envolvidos em tema relevante para a elaboração do Edital e Contrato de Arrendamento”.
Edital no segundo semestre
A Antaq está analisando as contribuições recebidas durante a audiência pública. Uma vez terminado esse trabalho, o processo vai à diretoria colegiada da agência. Caso aprovada, a minuta de edital e contrato serão enviados à secretaria nacional de Portos.
Feito isso, a proposta de edital será encaminhada ao Tribunal de Contas da União (TCU). A corte de contas deverá julgá-lo até agosto, provavelmente, e poderá pedir ajustes. A expectativa é que a publicação do edital definitivo ocorra em setembro.
A promessa do governo é que o leilão ocorra em dezembro, com o contrato assinado até junho de 2026. O prazo de concessão será de 25 anos, com estimativa de investimentos que chegam a R$ 5,6 bilhões ao longo desse tempo, podendo ser estendido ao longo de sete décadas.