Juíza determina suspensão imediata de plataforma que vende petição inicial feita por IA

A juíza Geraldine Vital, da 27ª Vara Federal do Rio de Janeiro, determinou, na última quarta-feira (30/4), a suspensão imediata das atividades da plataforma ‘Resolve Juizado’, assim como a retirada de todo o conteúdo publicitário relacionado aos serviços jurídicos oferecidos pela ferramenta até que uma nova decisão seja tomada sobre a questão. Pelo preço de R$ 19,90, a plataforma oferece serviços de elaboração automatizada de petições iniciais, sem a intermediação de advogado.

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A determinação da magistrada atende a um pedido da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ). Segundo a OAB-RJ, a pretexto de democratizar o acesso à Justiça, a Resolve Juizado vem promovendo “verdadeira mercantilização da advocacia e praticando publicidade abusiva desses serviços”, dentre diversas outras infrações à Lei Federal 8.906/94 e o Código de Ética e Disciplina da OAB.

A juíza considerou que “há ilicitude na prática de advocacia por quem não é regularmente inscrito na OAB, mesmo sob roupagem digital”. Para ela, a atuação da plataforma, por sua sistematicidade, ampla publicidade e monetização direta da elaboração de peças jurídicas, compromete o controle institucional e ético sobre a advocacia, e vulnera, em consequência, a confiança legítima do jurisdicionado e a própria função jurisdicional. Segundo ela, a publicidade empregada pela Resolve Juizado ostenta “claro viés mercantil”, ao promover promessas de êxito e simplificação do trâmite judicial, além de divulgar “petições prontas para protocolar” por valor fixo.

Além disso, para a juíza há potencial prejuízo coletivo à ordem jurídica e ao sistema de Justiça, na medida em que tais práticas geram a proliferação de ações com vícios formais e falhas de fundamentação, o que gera um desvirtuamento do modelo de acesso facilitado previsto para o procedimento afeto aos Juizados Especiais Federais.

A juíza Geraldine Vital também ressaltou que, embora o acesso aos Juizados Especiais Federais permita o ingresso sem advogado para as causas de valor até 60 salários mínimos, “não resta autorizada a intermediação remunerada por meio que não identifique profissional habilitado para a produção de peças jurídicas, tampouco a exploração econômica de atividade exclusiva da advocacia”.

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Ao final da decisão, além de ordenar a suspensão imediata das atividades da plataforma, a magistrada determinou a comunicação das redes sociais Facebook, Instagram, Linkedin e WhatsApp, além da própria Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), para ciência e cumprimento da decisão.

O que diz a OAB-RJ sobre a plataforma Resolve Juizado

De acordo com a seccional do Rio de Janeiro da OAB, a Resolve Juizado, “de forma ardilosa e descompromissada com os interesses do consumidor”, engana o usuário do site com a ilusão de que mover um processo judicial em busca de indenizações é algo que, de tão simples, pode ser feito exclusivamente com inteligência artificial (IA).

No pedido, a OAB-RJ diz que, além da advocacia como um todo, também são prejudicados os próprios usuários desses serviços, que são induzidos a acreditar que através dos servidos prestados pela plataforma obterão instantaneamente uma petição inicial adequada para propositura de uma ação judicial.

De acordo com a OAB-RJ, a cobrança de taxa única de R$ 19,90 para elaboração da petição inicial pela Resolve Juizado configura infração ao art. 41 do Código de Ética e Disciplina da Ordem, visto que burla a tabela de honorários, estabelecida legitimamente por cada seccional.

“A banalização de peças processuais por valores irrisórios, sem o devido cuidado técnico e ético que o processo judicial exige, compromete gravemente a qualidade do acesso à justiça e pode induzir o jurisdicionado ao erro, gerando prejuízos irreparáveis”, afirma a OAB-RJ.

Além disso, pontua que a proliferação de petições mal elaboradas, muitas vezes genéricas ou inadequadas à realidade do caso concreto, acarreta o aumento do número de demandas com vícios formais ou de mérito, contribuindo para a sobrecarga do Judiciário — especialmente nos Juizados Especiais Cíveis, cuja missão é “justamente a de promover a celeridade e a efetividade da tutela jurisdicional”.

Mercantilização da advocacia

A seccional do Rio de Janeiro defende na ação que a mercantilização da advocacia é prática ilegal e antiética, cada vez mais difundida no mercado, caracterizada pela divulgação, ao público em geral, por parte de determinadas sociedades, de proposta de prestação de serviços de forma agressiva. Por isso, diz que a prática dificulta ou impede o exercício da profissão por profissionais regularmente inscritos na Ordem.

“Neste sentido, o que se sobressai pelo conteúdo do site em questão é o oferecimento irregular de serviços advocatícios, direcionado à angariação e captação de clientela, que mercantiliza a profissão e promove o desequilíbrio entre os profissionais da advocacia, na medida em que estabelece o monopólio dos serviços advocatícios, além de implicar em vários danos à imagem da advocacia e ao público em geral”, sustenta.

De acordo com o Código de Ética da Ordem, a prestação de serviços advocatícios não deve possuir nenhum traço mercantilista, nem tampouco, se assemelhar a tais atividades. Reitera a seccional, ainda, que a plataforma publica nas redes sociais textos e vídeos incentivando o litígio, o que vai também contra o Código de Ética da OAB.

Segundo a seccional do Rio de Janeiro da OAB, o serviço prestado com valor irrisório pela Resolve Juizado gera uma concorrência desleal, uma vez que prejudica a livre concorrência entre os profissionais da advocacia, que dentro dos limites da lei buscam desenvolver suas atividades profissionais. “Inegável, portanto, a mercantilização da advocacia promovida pela Resolve Juizado, perfeitamente configurada em razão de serviços privativos de advogados oferecidos de maneira comercialmente agressiva”, afirmou.

Também argumentou que, embora a ferramenta alegue que os serviços prestados dispensam a assistência de advogado, “um processo judicial não é algo que possa ser feito de maneira tão descompromissada, levando o consumidor a crer que a utilização do serviço oferecido no site o levará a uma inevitável vitória na causa”. Por fim, requereu a condenação da plataforma ao pagamento de R$ 20 mil, por danos morais coletivos, em prejuízo à advocacia e aos jurisdicionados.

O JOTA tentou contato com a plataforma Resolve Juizado, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. No WhatsApp, ao ser questionada sobre a criação de petições, automatização da plataforma responde que: “Para criar uma petição no Resolve Juizado, você precisa acessar a nossa plataforma e fazer a sua reclamação, explicando o problema de forma clara. A inteligência artificial analisará sua reclamação e gerará automaticamente uma petição inicial completa, incluindo a legislação necessária para o seu caso. Depois disso, será orientado sobre onde protocolar a petição e quais documentos juntar. É um processo simples e rápido. Se precisar de mais detalhes, é só me avisar!”.

A ação civil públicada tramita com o número 5038042-87.2025.4.02.5101 no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2).

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