A recuperação judicial, regulamentada pela Lei 11.101/2005, tem como objetivo viabilizar a superação da crise de empresas em dificuldades financeiras, permitindo que estas continuem suas atividades enquanto negociam suas dívidas com credores, bem como viabilizando a manutenção da fonte produtora e dos empregos.
A lei estabelece que, ao ser deferido o processamento de recuperação judicial, haverá a determinação de suspensão das execuções contra a empresa devedora, incluindo aquelas referentes às dívidas trabalhistas.
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A suspensão das execuções visa dar à empresa em recuperação um prazo para que esta tenha fôlego financeiro para reorganizar suas atividades e negociar suas dívidas com seus os credores, mas esta proteção não impedirá que os credores busquem a satisfação de seus créditos por meio de coobrigados, fiadores ou obrigados de regresso.
A distribuição da recuperação judicial, além de acarretar a suspensão das execuções, como tratado, também proíbe que a recuperanda realize pagamentos de créditos concursais de modo desigual entre os credores, bem como que faça quaisquer pagamentos antes da aprovação do plano de reestruturação.
Em se tratando de crédito trabalhista, mesmo considerando a sua natureza de verba alimentar e proteção constitucional, no caso de salário, a Lei não diferencia sua forma de pagamento, mantendo a impossibilidade de que este seja realizado antes da aprovação do plano, apenas estabelecendo, com raras exceções de entendimentos jurisprudenciais, que o crédito deverá ser pago sem deságio e em até um ano.
A proibição de pagamento antecipado, contudo, não se aplica às verbas rescisórias. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) pacificou o entendimento de que o deferimento da recuperação judicial não desobriga a empresa do pagamento dessas verbas dentro do prazo legal, uma vez que, via de regra, a recuperanda não perde a gestão empresarial, sendo apenas fiscalizada.
Caso a recuperanda não cumpra o prazo para pagamento das verbas rescisórias, estará sujeita à aplicação das multas previstas nos artigos 467 e 477 da CLT, conforme entendimento jurisprudencial do TST e a previsão sumular do TRT da 1ª Região (Súmulas 33 e 40, respectivamente).
Para garantir a proteção dos trabalhadores e a efetividade dos direitos trabalhistas, nos casos em que há terceirização de serviços, a jurisprudência permite que a tomadora de serviços seja acionada para responder subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas não adimplidas pela empresa recuperanda.
A responsabilidade subsidiária ocorre justamente quando um terceiro, que atuou como tomador dos serviços, beneficiando-se da mão de obra do trabalhador, por meio de um contrato de prestação de serviços, é chamado a responder pelas obrigações trabalhistas não honradas pelo devedor principal.
Assim, quando a empregadora em recuperação judicial mantiver contrato de prestação de serviços com uma empresa tomadora, esta última poderá ser responsabilizada subsidiariamente caso a prestadora não cumpra suas obrigações trabalhistas.
A jurisprudência do TST estabelece que, em casos de insolvência da devedora principal devido à recuperação judicial ou falência, não se aplica o benefício de ordem. Isso significa que o credor trabalhista não precisa esgotar todos os meios de execução contra a devedora principal antes de redirecionar a execução ao devedor subsidiário.
Tal entendimento se fundamenta na necessidade de garantir a efetividade e celeridade na satisfação do crédito alimentar do trabalhador, evitando que este sofra prejuízos decorrentes da possível demora ocasionada pela necessidade de cumprimento do requisito de tratamento igualitário entre credores nos pagamentos na recuperação judicial.
Nesse contexto, a empresa contratante pode ser responsabilizada subsidiariamente pelas verbas trabalhistas devidas aos empregados da prestadora de serviços, conforme o entendimento consolidado na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que estabelece: “O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.”
A empresa tomadora de serviços que é responsabilizada subsidiariamente pode enfrentar consequências financeiras significativas, incluindo bloqueios judiciais de valores, penhoras e execuções diretas para satisfação dos créditos trabalhistas. Para minimizar tais riscos, é essencial que as tomadoras realizem um controle rigoroso sobre a regularidade da prestadora contratada, acompanhando de forma contínua o cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias.
Diante dos riscos associados à terceirização e à recuperação judicial da prestadora de serviços, as empresas contratantes podem adotar medidas preventivas para minimizar impactos. Entre essas medidas estão: exigência de comprovação de pagamentos de salários e encargos sociais, a inclusão de cláusulas contratuais de retenção de valores, que prevejam a retenção de pagamentos à prestadora em caso de descumprimento de obrigações trabalhistas; a adoção de ações de regresso, que permitam à contratante reaver valores pagos a título de responsabilidade subsidiária; e a sub-rogação, que possibilita à contratante habilitar seu crédito na recuperação judicial da prestadora, classificando-o na Classe I (trabalhista), conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Dessa forma, a adoção de boas práticas na gestão de contratos de terceirização é fundamental para garantir maior segurança jurídica e econômica às empresas tomadoras de serviço.
Portanto, a Justiça do Trabalho, diante da recuperação judicial da prestadora de serviços, permite a execução direta contra a empresa tomadora dos serviços para assegurar a proteção dos direitos dos trabalhadores e garantir o cumprimento das obrigações trabalhistas.
No entanto, ao agir da forma referida, a Justiça do Trabalho ao aplicar a Súmula 331 do TST sem considerar a Lei 11.101/2005, permite que o trabalhador execute diretamente a tomadora de serviços, sem respeitar o procedimento recuperacional da real devedora. Essa prática não apenas compromete a isonomia entre credores prevista na lei falimentar, mas também sobrecarrega empresas que sequer participaram da crise econômico-financeira da prestadora. A Justiça do Trabalho, na prática, “atropela” a legislação recuperacional, criando uma espécie de privilégio processual ao trabalhador, sem que haja previsão legal para tanto.
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Essa abordagem gera um efeito cascata que coloca as tomadoras de serviços em um cenário de grande insegurança jurídica, pois, ainda que adotem boas práticas de compliance e monitoramento dos contratos, não há garantia de que estarão imunes à responsabilização subsidiária.
Assim, a postura da Justiça do Trabalho incentiva um desvio de função da responsabilidade subsidiária, transformando-a, na prática, em uma obrigação primária, pois os trabalhadores sabem que podem executar diretamente a tomadora, sem precisar respeitar o curso do processo de recuperação judicial da prestadora.
Dessa forma, é essencial que o Judiciário adote uma interpretação mais equilibrada, considerando que a aplicação automática da Súmula 331 sem contraponto à Lei 11.101/2005 viola a lógica do procedimento recuperacional e impõe ônus desproporcionais à empresa tomadora. A responsabilidade subsidiária deve ser analisada dentro do contexto do processo de recuperação judicial, garantindo que a tomadora tenha meios eficazes para reaver os valores pagos e que o pagamento dos créditos trabalhistas respeite as diretrizes da lei falimentar.
Considerando a forma que a Justiça do Trabalho tem aplicado a Súmula referida sem considerar a lei de recuperação judicial, caso as tomadoras de serviços sejam responsabilizadas subsidiariamente, podem verificar a adoção de ações de regresso, possibilitando que seja reavido os valores pagos indevidamente e a sub-rogação do crédito na recuperação judicial da prestadora, garantindo que a tomadora possa habilitar seu crédito na Classe I (trabalhista) ou, alternativamente, questionar a forma de enquadramento perante a Justiça comum.
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No entanto, mesmo com essas precauções, a realidade é que, atualmente, as empresas tomadoras de serviços permanecem em uma posição de vulnerabilidade diante da postura da Justiça do Trabalho. A ausência de um tratamento uniforme sobre o destino dos créditos pagos pela tomadora faz com que, muitas vezes, a recuperação desses valores seja improvável ou extremamente reduzida.
Visando a solução da incompatibilidade de entendimentos, o STJ, no julgamento do Recurso Especial 1.924.529/SP, abordou a questão da classificação de créditos trabalhistas sub-rogados no processo de recuperação judicial, destacando que a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos e privilégios do credor original, conforme o artigo 349 do Código Civil.
Segundo o STJ, ao quitar o débito trabalhista, a empresa tomadora não apenas assume a condição de credora na recuperação judicial, mas também deve ser enquadrada na Classe I, com prioridade sobre os créditos quirografários e outras classes menos privilegiadas. Esse entendimento garante que a empresa que arcou com a obrigação possa ter acesso à recuperação de seu crédito de forma justa e coerente com o princípio da sub-rogação legal.
Portanto, mais do que apenas medidas de controle contratual e acompanhamento da relação tomadora-empregadora, é fundamental que a discussão sobre o tema avance para uma revisão crítica da forma como a Justiça do Trabalho trata a responsabilidade subsidiária, com a aplicação automática da Súmula 331, no contexto da recuperação judicial, sem questionar seus impactos no procedimento recuperacional e na segurança jurídica das empresas tomadoras.
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Ao se ignorar os efeitos da Lei 11.101/2005, distorções que comprometem a lógica do processo recuperacional são criadas e, com isso, um ônus desproporcional às tomadoras de serviço. É preciso que o Judiciário adote um olhar mais técnico e alinhado à legislação falimentar.
Nesta direção, o mencionado entendimento do STJ de equiparação da sub-rogação ao crédito trabalhista na Classe I traz uma luz de previsibilidade para as empresas tomadoras de serviço e sua aplicação contribuirá para uma distribuição mais equitativa dos riscos da terceirização e das obrigações trabalhistas no contexto da recuperação judicial.