Reforma tributária traz novos paradigmas sobre procedimentos de fiscalização tributária

A Reforma Tributária, materializada pela Lei Complementar 214/2025, introduz novos paradigmas sobre os procedimentos de fiscalização tributária, alinhando-se a uma tendência crescente de valorização do diálogo entre Fisco e contribuinte. Essa abordagem, inspirada na atuação da Receita Federal do Brasil, busca incentivar a conformidade espontânea, criando espaço para regularização antes da instauração formal de uma ação fiscal. Esse modelo já é realidade em Minas Gerais, por meio do Regulamento do Processo e dos Procedimentos Tributários Administrativos (RPTA/MG)[1], e ganha expressividade no novo sistema tributário nacional.

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A denúncia espontânea, prevista no art. 138 do CTN[2], é um instrumento fundamental para a conformidade tributária, permitindo que o contribuinte regularize infrações sem a incidência de penalidades, desde que o faça antes do início de um procedimento administrativo ou fiscalizatório. Desse modo, o artigo 328 da LC 214/2025 traz segurança ao contribuinte ao enumerar as hipóteses que dão início ao procedimento fiscal[3].

Esse mecanismo incentiva a autorregularização, reduzindo a litigiosidade e promovendo um ambiente de maior cooperação entre o Fisco e os contribuintes. No contexto da Reforma Tributária, garantir a efetividade desse instituto é essencial para que os procedimentos fiscais preliminares cumpram seu papel de estimular a conformidade, em vez de apenas servirem como etapa preparatória para autuações.

Inicialmente, o PLP 68/2024, aprovado na Câmara dos Deputados, estabelecera que certas ações preliminares não caracterizariam o início do procedimento fiscal como a análise do comportamento fiscal do contribuinte, a coleta de dados econômico-fiscais e a visitação in loco como práticas essenciais para identificar irregularidades. 

Em Minas Gerais, por exemplo, o monitoramento das obrigações tributárias inicia-se com a observação de eventuais indícios de infração à legislação fiscal. Caso haja alguma irregularidade detectada durante esse monitoramento, a autoridade fiscal pode encerrar o procedimento e incluir o contribuinte em um cronograma de apuração de possíveis falhas, com a possibilidade de o sujeito passivo regularizar a situação por meio de uma denúncia espontânea. Isso oferece ao contribuinte uma oportunidade de se ajustar antes da formalização de uma ação fiscal mais intensa.

Além disso, o cruzamento eletrônico de dados tornou-se uma ferramenta essencial para detectar inconsistências nas obrigações tributárias dos contribuintes. Quando são encontradas divergências, o contribuinte pode ser intimado a justificar ou corrigir os dados. Nesse contexto, o sistema de autodenúncia eletrônica permite que o contribuinte resolva as pendências de forma voluntária, pagando o crédito tributário ou solicitando parcelamento, antes que o procedimento fiscal avance para uma fiscalização formal.

O texto aprovado na Câmara dos Deputados além de conter as três práticas já adotadas em Minas Gerais – (i) monitoramento, (ii) cruzamento eletrônico de dados e (iii) procedimento exploratório -, permitia ainda que o Comitê Gestor do IBS e a Receita Federal regulamentassem outras medidas similares. No entanto, no Senado, essa previsão foi alterada resultando na supressão do procedimento exploratório e do parágrafo único do então artigo 328, que, na versão final da LC 214/2025, corresponde ao artigo 329.

A justificativa para essa mudança, dada pelo Senador autor da emenda[4], foi a preservação do princípio da legalidade tributária e a restrição das hipóteses em que o contribuinte perderia sua espontaneidade. A argumentação do Senado baseou-se na necessidade de evitar delegação excessiva de poderes normativos ao Comitê Gestor do IBS e à Receita Federal, o que poderia ampliar indevidamente as possibilidades de intervenção do Fisco sem previsão legal expressa.

No entanto, essa alteração pode gerar impactos significativos na segurança jurídica e na flexibilidade dos órgãos fiscalizatórios para definir novas práticas fiscais. Ao restringir a possibilidade de regulamentação futura dessas ações preliminares, a LC 214/2025 pode dificultar a adaptação da fiscalização tributária a novos cenários e a implementação de mecanismos inovadores que incentivem a conformidade tributária. Além disso, a supressão do procedimento exploratório limita a capacidade do Fisco de compreender melhor as operações dos contribuintes antes de iniciar uma ação fiscal formal, reduzindo o espaço para o diálogo prévio e a regularização voluntária.

Se a premissa da reforma é fortalecer a cooperação entre Fisco e contribuinte, espera-se que a atuação conjunta dos entes federativos também siga esse princípio, evitando que os procedimentos preliminares sejam utilizados como meros instrumentos arrecadatórios. A fase de transição e adaptação do novo sistema deverá consolidar a simplicidade e a cooperação como valores centrais da administração tributária brasileira.

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Entretanto, a alteração promovida no Senado levanta questionamentos sobre o equilíbrio entre previsibilidade jurídica e flexibilidade regulatória. Se, por um lado, a supressão do parágrafo único do antigo artigo 328 (atual artigo 329 da LC 214/2025) evita delegações excessivas, por outro, também pode restringir mecanismos inovadores que favorecem a conformidade tributária e o diálogo entre fisco e contribuinte. O desafio, portanto, será garantir que as mudanças introduzidas pela LC 214/2025 promovam, de fato, um ambiente mais colaborativo e eficiente entre Fisco e contribuintes.


[1] Art. 66. (RPTA/MG) A realização dos procedimentos fiscais auxiliares abaixo mencionados não caracteriza o início da ação fiscal: 

I – monitoramento, assim considerada a avaliação do comportamento fiscal-tributário de sujeito passivo, de carteira de contribuintes ou de setor econômico, mediante o controle corrente do cumprimento de obrigações e análise de dados econômico fiscais, apresentados ao Fisco ou obtidas mediante visitação in loco; e 

II – exploratório, assim considerada a atividade destinada a aumentar o grau de conhecimento sobre as atividades econômicas ou o comportamento fiscal-tributário de sujeito passivo, de carteira de contribuintes ou de setor econômico, mediante visitação in loco, verificação de documentos e registros, identificação de indícios sobre irregularidades tributárias ou análise de dados e indicadores; 

III – cruzamento eletrônico de dados, assim considerado o confronto entre as informações existentes na base de dados da Secretaria de Estado de Fazenda, ou entre elas e outras fornecidas pelo sujeito passivo ou terceiros. 

[2] Art. 138. (CTN) A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se fôr o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração. 

Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.

[3] Art. 328. (LC 214/2025) O procedimento fiscal tem início com:

I – a ciência do sujeito passivo, seu representante ou preposto, do primeiro ato de ofício, praticado por autoridade fiscal integrante das administrações tributárias da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, tendente à apuração de obrigação tributária ou infração; 

II – a apreensão de bens;

III – apreensão de documentos ou livros, inclusive em meio digital; 

IV – o começo do despacho aduaneiro de mercadoria importada.

1º O início do procedimento fiscal exclui a espontaneidade do sujeito passivo em relação aos atos anteriores e, independentemente de intimação, a dos demais envolvidos nas infrações verificadas.

[4] Emenda nº 1943 proposta pelo Senador Mecias de Jesus à Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal em 03/12/2024.

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