Flexibilidade no setor elétrico: necessária, mas com responsabilidade

O setor elétrico brasileiro atravessa um momento decisivo. Os debates sobre a contratação de flexibilidade por meio dos Leilões de Reserva de Capacidade estão no centro das atenções — e com razão. Garantir a confiabilidade do sistema elétrico é crucial, mas não se pode fazer isso a qualquer custo, sem o devido cuidado técnico, regulatório e jurídico. O recente cancelamento do segundo certame, previsto para junho, após judicializações, é um sinal claro de que precisamos rever os rumos.

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Apesar da urgência em expandir a flexibilidade do sistema, é essencial que o debate se aprofunde. Uma nova consulta pública, mais ampla e participativa, é o caminho para aperfeiçoar as regras do leilão e garantir que ele realmente atenda às necessidades do mercado — sem comprometer a modicidade tarifária para o consumidor.

Algumas inconsistências técnicas na modelagem do leilão precisam ser enfrentadas de forma transparente. Destacam-se o ajuste do Fator A (que favorece usinas mais flexíveis), a comprovação robusta da cadeia de suprimento dos combustíveis e os impactos da contratação do transporte de gás natural. Esses pontos são fundamentais para a eficiência e credibilidade do processo, mas foram tratados de maneira superficial até agora.

No caso do Fator A, o objetivo é claro: tornar mais competitivos os geradores que podem ser acionados com rapidez e por períodos curtos. No entanto, o Ministério de Minas e Energia (MME), ao divulgar os critérios, também impôs um limite para o custo variável unitário (CVU), favorecendo as térmicas a gás natural e buscando evitar contratos com usinas de custos elevados. Essa restrição foi judicializada e, após liminar, gerou um efeito inesperado: usinas movidas a biocombustíveis tornaram-se altamente competitivas, desequilibrando a matriz originalmente planejada.

Outro ponto sensível é a segurança no fornecimento de biocombustíveis. Caso sejam contratadas usinas totalizando, por exemplo, 5.000 MW de capacidade a biodiesel, surge a dúvida: a cadeia produtiva teria estrutura suficiente para atender, simultaneamente, à demanda elétrica e às exigências de mistura com o diesel fóssil no transporte? Um eventual desequilíbrio poderia afetar o custo logístico nacional — e, consequentemente, a inflação. É preciso antecipar esses riscos para que soluções pontuais do setor elétrico não criem problemas estruturais para o país.

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A história recente mostra que judicializações custam caro. O primeiro leilão de potência, realizado em 2021, foi judicializado e resultou na contratação desnecessária de quase 900 MW, ao custo de R$ 600 milhões anuais em receitas fixas. O novo leilão deve ter uma demanda três vezes maior. Não podemos errar novamente: os impactos financeiros poderão ser da ordem de bilhões de reais.

Ainda assim, há quem pregue o “apocalipse energético”, afirmando que, sem o leilão neste ano, o sistema corre risco de apagões, com o fim do período seco e o esgotamento dos contratos térmicos. Essa narrativa ignora a realidade do setor. O Brasil possui usinas há mais de uma década sem contratos firmes, mas que seguem operacionais, aguardando oportunidades que surgem ciclicamente.

Em 2023, o MME viabilizou um modelo alternativo de contratação que atraiu 39 propostas de seis empreendedores — uma mostra clara da capacidade de resposta do setor.

Além disso, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) pode, caso identifique riscos reais, antecipar a operação de térmicas já contratadas. Isso já ocorreu, com a UTE Termopernambuco, que ao longo desses últimos 185 dias foi despachada sete vezes.

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O Brasil tem um setor elétrico robusto, diversificado e com grande potencial de evolução. Mas, para garantir sua segurança e competitividade, as decisões precisam ser pautadas pela técnica, pela transparência e pela escuta ativa de todos os agentes.

O ministro Alexandre Silveira tem a chance de liderar esse processo com responsabilidade, garantindo que o próximo Leilão de Reserva de Capacidade seja um marco positivo — não apenas para o setor, mas para todos os consumidores de energia do país.

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