Transação tributária: por que um prazo de 2 anos para novo acordo por contribuintes inadimplentes?

Recentemente, houve um aumento significativo de litigiosidade judicial envolvendo contribuintes que tiveram suas transações tributárias rescindidas, na contramão da sua finalidade, que é o de reduzir litígios. A razão para a busca da tutela jurisdicional reside no disposto no parágrafo 4º do artigo 4º da Lei 13.988/2020 que aduz que “aos contribuintes com transação rescindida é vedada, pelo prazo de 2 (dois) anos, contado da data de rescisão, a formalização de nova transação, ainda que relativa a débitos distintos”.

É uma espécie de trava, cujo objetivo é garantir que os acordos de transação sejam cumpridos dentro das condições estabelecidas entre os sujeitos da relação jurídica tributária, atendendo a um dos objetivos a que se presta o instituto: garantir a regularidade fiscal daqueles que dele se utilizam.

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Conforme o artigo 171 do CTN, a transação é um ajuste de vontades que exige concessões recíprocas e que, obrigatoriamente, precisa extinguir um litígio. Da forma como desenhada pela legislação federal, a adesão à transação é um ato volitivo das partes, estando previstos em lei todos os seus requisitos, da mesma maneira que dispostas as condições para eventual rescisão.

Desde a referida lei, a transação de créditos tributários federais se tornou uma das políticas públicas mais relevantes da União Federal. Seja porque permitiu que muitos contribuintes regularizassem sua situação perante o Fisco federal, seja porque foi fomentada uma relação dialógica entre os sujeitos da relação jurídica tributária.

Assim, constituiu-se como marco para uma mudança de postura da Administração Tributária, que passou de um comportamento sempre autoritário e repressivo diante do não cumprimento das obrigações tributárias pelos contribuintes para uma atuação fundamentada na confiança e na cooperação mútua, buscando-se uma maior horizontalidade da relação.

Para além disso, foi ultrapassada a política dos parcelamentos especiais infindáveis, que beneficiavam contribuintes sem o estabelecimento de critérios mínimos que o diferenciassem. Esta política tão conhecida de todos (Refis), comprovadamente, propiciava uma arrecadação inicial, mas a longo prazo se percebeu que não se atingia o objetivo de qualquer programa que estabeleça benefícios fiscais, que é garantir a extinção do crédito tributário pelo pagamento.

Nesse cenário, tinha-se uma política de ingresso de receitas momentânea, que, ao contrário de gerar um incremento perene na arrecadação, passou a influenciar negativamente o comportamento dos contribuintes, muitos dos quais optavam por não cumprir as obrigações tributárias ao tempo do vencimento e utilizavam os recursos para outros fins, como aplicações financeiras e reinvestimentos na atividade empresarial, numa espécie de financiamento estatal indevido, certos de que dali a pouco surgiria um novo Refis com concessões unilaterais e irrestritas pelo Estado. Não raro, inclusive, tínhamos parcelas com valores irrisórios, que nem sequer serviam para pagar os juros mensais da dívida.

Como dito acima, a transação tributária, ao revés, consiste em política pública, que promove o incremento na arrecadação tributária e, principalmente, a conformidade fiscal dos contribuintes. Exigem-se concessões mútuas e, especialmente no modelo legal formatado para aplicação na cobrança de créditos, leva-se em consideração a capacidade de pagamento do contribuinte, que se trata de aplicação do princípio da isonomia.

Esse panorama deixa claro que o objetivo da transação passa pela regularização de créditos tributários que não seriam pagos sem o oferecimento de um desconto em um prazo de 60 meses. Por isso, as deduções destinam-se somente aos créditos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, isto é, cujos valores provavelmente não ingressariam nos cofres públicos de outra maneira.

É fato, ainda, que a transação só é concretizada se trouxer benefícios a ambas as partes, constituindo-se em via de mão dupla. Dessa forma, ao contribuinte que se encaixe nos requisitos legais são oferecidos descontos, mas este se compromete, entre outras condições, a adimplir por completo o ajuste firmado, cumprindo a finalidade conformativa.

Caso contrário, na hipótese de rescisão da transação, que ocorre, entre outras situações, com o descumprimento das condições, das cláusulas ou dos compromissos assumidos, de que é exemplo o não pagamento das parcelas, veda-se a realização de nova avença no prazo de 2 anos, conforme expressa previsão do já citado artigo 4º, §4º, da Lei 13.988/2020.

Trata-se, assim, de requisito negativo à celebração de transação, no sentido de que se exige que o contribuinte não tenha participado de transação anterior com rescisão ocorrida nos últimos dois anos, o que está em plena consonância com o escopo do instituto. Caso esteja nessa situação, o contribuinte deverá aguardar o transcurso do lapso bienal para que esteja apto (leia-se: cumpra todos os requisitos legais) para nova avença.

É necessário esclarecer, ainda, que a legislação estabelece um rito próprio para o procedimento de rescisão, garantindo-se o contraditório ao prever a possibilidade de impugnação do ato de rescisão no prazo de 30 dias ou, quando sanável, de regularização do vício no mesmo prazo, hipótese em que são preservados os termos originais do acordo (artigo 4º, §§ 1º e 2º). Franqueiam-se, assim, ao contribuinte, diferentes alternativas, mantendo-se o caráter cooperativo.

Portanto, diversamente do que acontecia nos programas de parcelamentos especiais, em que a rescisão consistia em ato unilateral da Administração Tributária, operada diretamente após a inadimplência de determinado número de parcelas (geralmente, três), no novel formato legal da transação passa a ser previsto um procedimento rescisório, com participação do contribuinte.

Outrossim, importa registrar que todas as disposições até aqui aludidas possuem assento direto na lei da transação federal, fazendo, pois, parte da estrutura aprovada pelo Congresso Nacional. Porém, como a própria norma determina em seu artigo 14, compete ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional a disciplina, por ato próprio, dos procedimentos necessários à rescisão da transação, entre outros casos.

Nessa conjuntura, a Portaria PGFN 6.757/2022, em cumprimento ao poder regulamentar, detalha tal procedimento nos artigos 69 e seguintes, em nada inovando na ordem jurídica e, algumas vezes, apenas repetindo disposições da lei, como é o caso do referido prazo bienal (artigos 18 e 77, inciso III, da citada portaria).

Ademais, com a reforma tributária posta e a correspondente criação da CBS e do IBS, que possuem, em geral, igual regramento, urge estabelecer um modelo de transação tributária unificado, aplicável a todos os entes federativos, sob pena de se tornar inviável a sua utilização nesse novo contexto.

Assim, um caminho adequado seria utilizar a transação do âmbito federal como modelo, tendo em vista o seu evidente êxito, que, aliás, já vem sendo replicado por muitos estados e municípios, sendo mais proveitoso discutir-se, então, a ampliação aos demais entes dos requisitos e condições previstos na Lei 13.988/2020, entre eles a essencial restrição temporal de 2 anos, e não a sua abolição.

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Nesse sentido, tal vedação faz parte do arcabouço legislativo de um programa de conformidade fiscal que é a transação tributária e deve ser visualizada em conjunto com as demais condições legais do instituto, a exemplo da observância da capacidade de pagamento, da concessão de descontos apenas aos créditos irrecuperáveis e de difícil recuperação, da obrigatoriedade de extinção de litígios, da necessidade de, em regra, inclusão de todas as inscrições exigíveis no acordo e de pagamento dos tributos correntes.

A sobrevivência, a longo prazo, da política pública de transação tributária depende da estrita observância desses requisitos, sob pena de, retirados alguns desses pilares, o modelo vir a ruir, o que não é interessante nem à Administração Tributária, nem aos contribuintes, já que ambos os lados são favorecidos nessa relação.

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