A importância do protocolo do CNJ para julgamento com perspectiva de gênero na Justiça do Trabalho

No dia 8 de março, celebramos o Dia Internacional da Mulher, uma data que nos convida a refletir sobre as lutas, as conquistas e os desafios enfrentados pelas mulheres ao longo da história e atualmente. Nesta data, é importante celebrar as conquistas decorrentes das lutas históricas das mulheres, fundamentais para o avanço da igualdade de gênero.

No entanto, é essencial destacar que ainda existem barreiras significativas enfrentadas diariamente pelas mulheres para o alcance da igualdade, a qual, apesar de ser um direito garantido pela Constituição Federal, ainda não é realidade na sociedade brasileira.

Nesse contexto, surge o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[1], uma ferramenta fundamental para promover uma Justiça mais equitativa e não discriminatória quanto às questões de gênero.

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O protocolo

O protocolo foi elaborado no ano de 2021 pelo Grupo de Trabalho instituído pela Portaria CNJ 27, de 27 de fevereiro de 2021. O documento objetiva promover o alcance da igualdade de gênero no Brasil, Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 da Agenda 2030 da ONU, com a qual se comprometeram o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça.

É de conhecimento de todos que o Poder Judiciário deve sempre se pautar na neutralidade e na imparcialidade, com a adoção de uma postura neutra e equidistante sobre as partes que formam a relação processual, a fim de proferir decisões justas e garantir os direitos fundamentais.

No entanto, é necessário lembrar que os magistrados vivem no contexto da sociedade brasileira, marcada por profundas desigualdades estruturais socioeconômicas, de modo que, mesmo de forma involuntária e inconscientemente, podem reproduzir os efeitos da desigualdade de gênero em suas decisões.

Além disso, a neutralidade e a imparcialidade não são suficientes para afastar desigualdades se aplicadas de forma abstrata, sem reconhecer as especificidades presentes no contexto de cada litígio. As diferenças de gênero devem ser levadas em consideração pelos magistrados durante a análise processual, não devendo a imparcialidade e a neutralidade significarem a idêntica aplicação da lei em todos os casos, pois isso pode intensificar as desigualdades já existentes.

O protocolo, então, traz considerações e reflexões teóricas sobre a igualdade de gênero e apresenta orientações que servem como guia aos magistrados na condução dos processos e dos julgamentos nos diversos âmbitos da Justiça, voltadas, a partir do reconhecimento da existência das diferenças de gênero, a garantir a concretização dos direitos à igualdade e à não discriminação.

Em razão de sua importância, tornou-se objeto da Recomendação CNJ 128, de 15 de fevereiro de 2022. Posteriormente, com a edição da Resolução CNJ 492, de 17/3/2023, sob presidência da ministra Rosa Weber, as diretrizes constantes no documento passaram a ser de observância obrigatória por todos os órgãos do Poder Judiciário.

O protocolo e a Justiça do Trabalho

A desigualdade de gênero é uma realidade marcante no mercado de trabalho, no qual as mulheres diariamente sofrem discriminações, são estereotipadas e enfrentam barreiras quanto a oportunidades, poder de decisão, percepção de salários e desenvolvimento profissional. Consequentemente, há inúmeros processos em trâmite na Justiça do Trabalho que demandam análises sob a ótica da perspectiva de gênero, uma vez que a hipossuficiência de poder inerente às relações trabalhistas é ainda mais intensificada para a empregada mulher.

Exatamente por isso, o protocolo possui capítulo próprio para tratar sobre a Justiça do Trabalho, identificando de que forma a desigualdade de gênero impacta todas as fases do contrato trabalhista, incluindo a que antecede o vínculo. E é necessário esclarecer que isso não significa sempre julgar favoravelmente às mulheres, como algumas interpretações podem equivocadamente sugerir.

O objetivo é que os magistrados apreciem os casos reconhecendo a existência das assimetrias, evitando a aplicação legal e jurisprudencial de forma abstrata em situações que demandem um olhar diferenciado.

Como uma espécie de guia, o documento apresenta diversas orientações aos magistrados, nas diferentes fases processuais, a fim de se considerar todas as assimetrias presentes no caso concreto, inclusive em atos processuais, que possam alterar substancialmente a interpretação dos fatos e a prolação da decisão.

Aplicação do protocolo pelos Tribunais Regionais Trabalhistas

A Resolução CNJ 492, além de tornar obrigatória a aplicação do protocolo, estabelece, em seu artigo 2º, §1º, que a capacitação de magistrados nas temáticas relacionadas a direitos humanos, gênero, raça e etnia, terá periodicidade mínima anual e constará nos regulamentos para concessão do Prêmio CNJ de Qualidade.

Segundo o Painel de Resultados de 2024[2], a maioria dos tribunais realizou a capacitação de todos os seus magistrados. Os cinco com maiores percentuais de capacitação dos magistrados foram o TRT2 (88,05%), TRT21 (86,52%), TRT6 (78,29%), TRT8 (76,72%), TRT24 (65,00%). Os cinco menores foram TRT1 (24,37%), TRT12 (19,70%), TRT17 (8,82%), TRT9 (4,13%) e TRT15 (1,32%).

Com o objetivo de auxiliar a implementação da resolução, em 2023 o CNJ criou o Banco de Sentenças e Decisões com aplicação do protocolo. De acordo com o CNJ, em dois anos, a resolução impulsionou mais de 8 mil decisões[3]. Em 2023, foram registrados 23 processos; no ano seguinte houve um crescimento relevante, com a inclusão de 6,1 mil sentenças; e, neste ano, somente nos primeiros meses, foram cadastradas quase 2 mil decisões, composto, atualmente, por 8.301 decisões.

Essas análises revelam que os magistrados trabalhistas têm progressivamente aderido e aplicado as diretrizes constantes no protocolo. A despeito disso, nota-se que ainda há tribunais com baixo percentual de capacitação dos magistrados e com poucas, ou nenhuma, decisões inseridas no repositório.

Análise de decisões do TRT da 2ª Região

Especificamente o Tribunal Regional da 2ª Região (TRT2), apesar de ser o tribunal que mais capacitou seus magistrados (88,05%), do total de 611, é responsável por apenas 46 das 556 decisões trabalhistas proferidas pelos Tribunais Regionais inseridas no repositório, sendo a maioria dos acórdãos de relatoria da desembargadora Catarina Von Zuben, da 17ª Turma.

No Banco de Sentenças e Decisões, os julgados são agrupados por “assunto principal do processo”, sendo a maioria relacionada a assédio moral (12) e assédio sexual (9). Há também decisões em que, apesar de ser evidente a aplicação das diretrizes do protocolo, ele não é citado, além de outras em que é utilizado para analisar ofensa racial e, inclusive, para descaracterizar a existência de assédio moral e sexual reconhecidos em primeira instância.

Da análise ao repertório, os dados que mais se destacam dizem respeito à quantidade de decisões inseridas e ao gênero dos magistrados: apenas foram incluídas 46 decisões e dessas 36 foram proferidas por mulheres. Esses dados não refletem a participação feminina do tribunal (58,7%)[4], tampouco o percentual total de magistrados que receberam a capacitação (88,05%), estando o protocolo sendo pouco aplicado.

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Conclusão

Em suma, conclui-se que o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é uma ferramenta essencial para a luta contra a desigualdade de gênero no mercado de trabalho, sendo de extrema relevância sua aplicação na Justiça de Trabalho.

No entanto, conforme demonstraram as análises expostas, a observância das diretrizes ainda se mostra prematura nos tribunais, sendo a atuação do Comitê de Acompanhamento e Capacitação essencial para monitorar e promover a aplicação do protocolo, assegurando que a Justiça do Trabalho avance na direção de uma Justiça mais justa e equitativa para as mulheres.


[1] protocolo-para-julgamento-com-perspectiva-de-genero-cnj-24-03-2022.pdf

[2] Microsoft Power BI

[3] Julgamento com perspectiva de gênero: em dois anos, resolução impulsionou mais de 8 mil decisões – Portal CNJ

[4] Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Justiça em números 2024 / Conselho Nacional de Justiça. – Brasília: CNJ, 2024. justica-em-numeros-2024.pdf p. 107

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