Análise de dados governamentais: uma imprescindível capacidade estatal

A análise de dados governamentais é uma capacidade fundamental do Estado para reforçar sua legitimidade e conquistar a confiança da população. Essa relação, à primeira vista distante, é profundamente interligada: o uso inteligente de dados permite ao governo tomar decisões mais transparentes, eficazes e informada por evidências, atendendo melhor às demandas sociais e fortalecendo a confiança pública.

Quando as decisões são pautadas por informações de qualidade, há maior previsibilidade, coerência e eficácia na ação governamental, fatores essenciais para fortalecer a legitimidade do setor público.

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Relatórios do Banco Mundial, em particular o Government Analytics Handbook, demonstram como governos podem utilizar seus dados para aprimorar a gestão pública e promover políticas mais eficazes. Segundo o relatório, dados não devem ser tratados de forma isolada, mas sim como parte de um ecossistema analítico mais amplo, que inclui a gestão estratégica e a construção de capacidades analíticas de pessoas e organizações públicas.

O campo da análise de dados no setor público é amplo, abrangendo desde aspectos tecnológicos, como a interoperabilidade de sistemas, até funções mais estratégicas, como a aplicação de inteligência artificial para prever demandas e identificar tendências.

No entanto, para que essas tecnologias sejam eficazes, é imprescindível que os dados utilizados sejam confiáveis, padronizados e bem governados. A governança de dados desempenha um papel central nesse processo, garantindo que as informações sejam consistentes, íntegras e de qualidade, maximizando seu potencial de uso nas diversas áreas da administração pública.

Por que a análise de dados é crucial para o governo? A resposta está na capacidade de lidar com o volume, a variedade e a velocidade dos dados gerados atualmente. Nunca houve tantos dados disponíveis. No entanto, o grande desafio é transformar esse recurso em informação e insights práticos que orientem ações e políticas públicas. Dados são como matéria-prima, possuem mais valor caso sejam transformados em produtos; eles precisam ser analisados e alinhados aos objetivos estratégicos do governo e das instituições. Políticas públicas informadas por dados podem ser mais precisas, otimizar recursos, reduzir desperdícios e gerar maior impacto positivo na vida das pessoas.

A análise de dados tem se consolidado como uma prioridade em diversas organizações públicas. Mas, em diversos casos, ela é tratada como uma função secundária ou complementar, ao invés de ser integrada de forma estratégica. Esse descompasso compromete a capacidade do Estado de tomar decisões fundamentadas e de responder com agilidade às demandas sociais. É necessário investir não apenas em infraestrutura tecnológica, mas também em pessoas, orçamento e tempo, elementos indispensáveis para criar uma verdadeira cultura de dados e evidências no setor público.

Governos que investiram estrategicamente em análise de dados, tanto no Brasil quanto no exterior, estabeleceram padrões de excelência em inovação e eficiência. No contexto brasileiro, instituições como Receita Federal, IBGE, Tesouro Nacional, CGU, TCU e IPEA são exemplos de órgãos que alcançaram reconhecimento interno e externo devido ao uso inteligente de dados.

A declaração de imposto de renda autopreenchida, implementada pela Receita Federal, é um caso emblemático. Essa inovação só foi possível graças à capacidade instalada de gestão e análise de dados, permitindo um salto qualitativo na prestação de serviços e no atendimento ao cidadão.

Um dos principais desafios é capacitar servidores públicos para lidar com análise de dados. Muitos ingressaram no serviço público antes de a gestão orientada por dados se tornar relevante, e suas funções originais não exigiam essas competências. Assim, requalificar esses servidores é crucial para alinhar suas habilidades às demandas atuais. É igualmente importante recrutar profissionais especializados em análise de dados. Esses especialistas não apenas ampliam a capacidade do Estado, mas também transferem conhecimentos para as equipes já estabelecidas, promovendo integração e fortalecimento institucional.

O tempo é um fator determinante para o desenvolvimento da maturidade necessária ao uso estratégico de dados. Servidores precisam de treinamento e experiência prática para interpretar corretamente dados administrativos e de políticas públicas, que possuem características específicas e complexas. Apenas com essa base é possível extrair informações úteis que subsidiam decisões estratégicas e elevam a efetividade da gestão pública.

Muitas organizações públicas têm avançado na construção de capacidades em análise de dados, e a Enap é um dos principais exemplos. Como referência na capacitação de servidores, a escola tem investido no desenvolvimento de competências analíticas. Um caso recente foi sua participação na avaliação da Lei 12.990/2014, que previa a reserva de 20% das vagas em concursos públicos para candidatos negros.

Antes da expiração da lei em 2024, a Enap estruturou um banco de dados que revelou uma participação real abaixo do esperado, fornecendo informações essenciais para a renovação da legislação. Além disso, outras iniciativas demonstram o impacto do uso de dados na gestão pública. A realização de Datathons, voltados à solução de desafios governamentais com base em dados, a criação do Ambiente Remoto de Pesquisa e o desenvolvimento da plataforma InfoGOV exemplificam como a análise de dados pode aprimorar a formulação e execução de políticas públicas.

No entanto, desafios persistem para o setor público. A retenção de talentos na área de dados é uma questão crítica, visto que o setor privado oferece condições mais atrativas. Estratégias como gratificações por desempenho, capacitação permanente e alocação de servidores em projetos analíticos podem contribuir para mitigar esse problema. Também é fundamental que o Estado desenvolva autonomia na análise de dados, evitando dependência excessiva de consultorias privadas.

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A evolução da inteligência artificial e da análise preditiva ampliará as possibilidades de antecipação de problemas e de alocação eficiente de recursos, tornando a capacidade analítica um diferencial crítico para a administração pública. Para isso, é necessário que governos continuem estruturando bases de dados robustas e promovam a qualificação dos servidores.

Portanto, a análise de dados não é apenas uma ferramenta operacional, mas um elemento essencial para o aprimoramento das políticas públicas. Instituições como a Enap desempenham um papel central nesse processo, promovendo a capacitação de servidores e a difusão de boas práticas na gestão de dados. O fortalecimento dessa capacidade permitirá um Estado mais preparado para responder às demandas sociais com eficácia, agilidade e transparência, reforçando sua legitimidade e conquistando a confiança da população.

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