Dogmatismo sobre os ciclos do ESG

É difícil entender a ciclicidade do ESG (melhores práticas ambientais, sociais e de governança) diante de inúmeras mudanças que vêm ocorrendo na temática da sustentabilidade, especialmente sob influência da atual administração dos Estados Unidos. Nesse sentido, temos de levar em conta o pragmatismo dos americanos, fator arraigado em sua cultura e como isso pode influenciar o futuro imediato do ESG, tanto do ponto de vista das empresas, quanto dos investidores.

Se no comércio internacional, as idas e vindas das taxações norte-americanas sobre determinados produtos/países têm mexido com o mercado global, no ESG algumas mudanças ainda são inconclusivas para que seja possível mensurar seu possível crescimento ou queda, e como esse ritmo irá evoluir.

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Atualmente, o ESG pode ficar exposto a dogmatismos, verdades absolutas, mas em nenhum momento é possível sustentar que a tendência voltada à Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) desapareça como um passe de mágica das metas e estratégias das empresas.

Com muita propriedade, os consultores fiduciários já compararam a situação atual do ESG à expressão francesa “O rei está morto. Viva o rei”, surgida no século 15, para significar que embora um rei estivesse descendo à tumba eterna, o seu sucessor já estava pronto para assumir o trono, dando continuidade ao reinado. É o simbolismo da estabilidade e continuidade, que já faz parte do ESG dentro das corporações.

Neste diapasão, pode-se inserir a decisão dos acionistas da Apple que rejeitaram a proposta para abolir as iniciativas DEI da empresa, medida acatada por uma série de big techs, bancos e outras grandes empresas norte-americanas por sugestão presidencial.

Para a cúpula da Apple, excluir os programas DEI é desnecessário porque “a Apple já possui um programa de conformidade bem estabelecido, e a proposta tenta, de maneira inadequada, restringir a capacidade da Apple de gerenciar suas operações empresariais ordinárias, equipes e estratégias de negócio”.[1] Em contraposição, inúmeras corporações que encerraram suas atividades DEI nos Estados Unidos as mantiveram na União Europeia.

O atual ciclo do ESG não pode ser simplesmente nomeado de ciclo de desaceleração porque ganha proeminência o debate quase dogmático sobre equidade (um dos fatores DEI) e meritocracia. Há dois pontos bem claudicantes nessa discussão: se há incompatibilidade entre esses dois conceitos ou se é possível haver uma interseccionalidade que leve a uma interação entre esses dois aspectos.

Enquanto a diversidade permite que grupos sub-representados possam se sentar à mesa do mundo corporativo, com sua pluralidade de gênero, etnia-raça, origem, formação educacional, orientação sexual, etarismo, religião etc., a inclusão possibilita que todos tenham oportunidade de se servir dos pratos dispostos à mesa, tendo acesso igualdade às oportunidades. Já a equidade vai além, viabiliza que todos tenham um assento à mesa, ajudando a superar as limitações que impediriam um ou outro de ocupar uma das cadeiras.

Inúmeras corporações ficam no patamar da diversidade e inclusão, o que é altamente positivo, mas outras avançam e incorporam a equidade em suas práticas, que não pode ser confundida com igualdade, uma vez que esta última proporciona que todos sejam atendidos em suas demandas, fato que funciona quando todos têm necessidades iguais. Porém, na equidade haverá a busca pelo equilíbrio dos desiguais, para que pessoas de todas as origens tenham acesso igualitário.

As narrativas entre os defensores de iniciativas DEI e a meritocracia vêm tomando corpo, principalmente nos EUA, com argumentos de parte a parte. Os últimos alegam que as empresas vêm priorizando a contratação de profissionais que são oriundos de grupos minorizados, muitas vezes, em detrimento de candidatos qualificados porque são homens e brancos.

Uma pesquisa realizada em dezembro do ano passado da The Conference Board[2], uma organização que fornece insights sobre cenários futuros para auxiliar lideranças corporativas diante de problemas que afetam seus negócios, apontou que 2/3 dos respondentes disseram que continuariam a investir em DEI, uma tendência que pode ter seu espectro reduzido, mas não eliminado nos próximos anos.

A meritocracia vem do latim (mereocracia), unificando o significado de mereo (merecer) e cracia (sistema). As métricas de mérito mais usuais são as credenciais educacionais, pontuações profissionais e atividades extracurriculares, que variam muito dependendo das marcações sociais dos indivíduos. Leva em conta a contratação do profissional que esteja mais bem preparado, tenha mais habilidades e talento para determinado cargo, sendo recompensado pela qualidade do trabalho executado. Em suma, o sucesso está estritamente ligado ao esforço individual.

Em contraposição, o DEI é um esforço coletivo. Geralmente, se compara a equidade à qualidade, mas são conceitos diferentes: “A igualdade fornece os mesmos recursos, oportunidades e tratamento para todas as pessoas sem acomodar suas origens ou recursos. A equidade, por outro lado, fornece a todos os recursos e oportunidades exclusivos de que precisam para atingir um resultado igual. Enquanto igualdade significa fornecer acesso igual a todos, independentemente das diferenças de necessidade, equidade significa reconhecer que nem todos começam do mesmo lugar e, portanto, ajustes são feitos para lidar com esse desequilíbrio”.[3]

Essa performance da política do DEI nas empresas foi medida em números. Pesquisa de raça e gênero em 84 principais empresas norte-americanas da S&P100 apontou o incremento de cargos para profissionais pretos, atendendo à pressão social nos anos 2020/2022.

Contudo, o cenário se inverteu e um dos fatores está ligado ao fato de que as companhias estão sendo acusadas de estarem discriminando candidatos mais qualificados e merecedores para favorecer proponentes negros. Um exemplo foi a empresa American Alliance for Equal Rights, que apoia startups de mulheres negras e foi processada judicialmente por discriminar, com base em raça, a Lei dos Direitos Civis de 1866, sofrendo graves prejuízos financeiros.[4]

Dois comentários trazem à tona os limites da polêmica entre DEI (Diversidade Equidade e Inclusão) e meritocracia. Um é de Ken Frazier, primeiro presidente negro da Merck: “DEI tem a ver com desenvolver talentos, medi-los de forma justa e encontrar talentos ocultos e talentos desfavorecidos em um mundo onde nem todos têm a mesma chance de exibir suas habilidades”.[5]

A outra observação é de Jonathan Butcher, pesquisador da Heritage Foundation, organização conservadora. Para ele, DEI consiste em “estabelecer alguma ortodoxia ideológica em relação às preferências raciais que não tornou [as empresas] mais eficazes e não o fará no futuro”.[6]

Na verdade, temos pontos convergentes e divergentes entre DEI e meritocracia. Ambos atuam para valorizar as competências dos indivíduos, a despeito de seguirem caminhos diferentes, e incentivam o crescimento de talentos, passando pela abertura de novas oportunidades. Há, certamente, pontos divergentes, caso dos critérios de avaliação. Enquanto o DEI busca nivelar as condições dos profissionais, sujeitos a desigualdades históricas e estruturais, a meritocracia valoriza o desempenho individual.

Em suma, tudo pode ser entendido do ponto de vista em que se olha. Mesmo uma tendência que pareça consolidada ganha outra perspectiva, por mais improvável que seja. É o caso do presidente Donald Trump. Embora ele tenha retirado os Estados Unidos do Acordo de Paris e do esforço voltado ao combate às mudanças climáticas, reduzido os territórios de monumentos nacionais (ambientais), incentivado a energia fóssil, limitado as ações da SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) e esvaziado a Agência de Meio Ambiente, tem como braço direito o bilionário Elon Musk, que tem contribuído para a sustentabilidade do planeta com a produção intensiva de carros elétricos, registrando um marco de mais de 7 milhões de veículos fabricados. Um fato que não pode ser negado por apoiadores ou críticos ambientais.

Independente do acirramento sobre a manutenção ou abandono de práticas DEI e incremento da meritocracia, o ESG continua a perseguir pontos de reflexão porque não há um modelo sustentável universal perfeito e aplicável a todas as corporações. O mundo ainda carece de uma abordagem transformadora que leve as propostas da Diversidade, Equidade e Inclusão a dialogar com a meritocracia, corrigindo desigualdades sistêmicas e permitindo acesso mais fácil a recursos e oportunidades não só na esfera do trabalho.


[1] Disponível em https://www.estadao.com.br/link/empresas/apple-rejeita-proposta-para-encerrar-iniciativas-de-diversidade-e-inclusao-na-empresa-nprei/?srsltid=AfmBOorxocH32OvgRrHITQMwPy0MrXg9JuonWbBQFNEjVwyqp1ZXcOXV

[2] Disponível em https://www.conference-board.org/publications/charts

[3] Disponível em https://psychology.as.virginia.edu/what-are-diversity-equity-and-inclusion-dei

[4] Disponível em https://www.streetinsider.com/PRNewswire/American+Alliance+for+Equal+Rights+Files+Lawsuit+Challenging+Race-Based+Supplier+Program+at+American+Airlines,+Inc.+and+Qurium+Solutions,+Inc.+DBA+Supplier.IO/24329457.html

[5] Disponível em https://edition.cnn.com/2024/10/15/business/ken-frazier-ken-chenault-dei/index.html

[6] Disponível em https://www.usatoday.com/story/money/2025/01/20/trump-dei-rollback-executive-order/77749870007/

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