STF e a possibilidade do INSS arcar com salários de mulheres vítimas de violência

A Suprema Corte brasileira está prestes a julgar um tema de grande impacto social: a responsabilidade do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pelo pagamento dos salários de mulheres afastadas do trabalho em razão de violência doméstica. Essa discussão pode trazer uma nova perspectiva para a proteção dos direitos das mulheres, garantindo-lhes não apenas segurança física, mas também estabilidade financeira.

O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio do Recurso Extraordinário 1520468, interposto pelo INSS. A questão central do julgamento é definir se o órgão deve ser responsável pelo pagamento dos salários das mulheres afastadas do trabalho devido à violência doméstica. A decisão do STF pode ter repercussão nacional, influenciando a forma como o Estado protege financeiramente essas vítimas.

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A relevância do tema fez com que o ministro relator, Flavio Dino, submetesse a questão ao rito da Repercussão Geral, tornando a decisão obrigatória para todos os casos semelhantes no país. Essa medida reforça o impacto nacional do julgamento e pode definir um novo modelo de assistência para mulheres em situação de vulnerabilidade.

A violência doméstica e o impacto na vida profissional das mulheres

A violência doméstica no Brasil atinge proporções alarmantes. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública indicam que milhões de mulheres sofrem agressões físicas e psicológicas todos os anos. Muitas dessas vítimas, ao denunciarem seus agressores, precisam se afastar do trabalho para garantir sua segurança, seja por medidas protetivas ou por traumas físicos e emocionais.

Atualmente, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) prevê que a mulher vítima de violência doméstica pode ser afastada do trabalho sem prejuízo do vínculo empregatício. No entanto, a legislação não especifica quem deve arcar com a remuneração durante esse período, deixando uma lacuna que prejudica muitas vítimas. A decisão do STF pode resolver essa questão, criando um novo amparo para essas mulheres.

A violência contra a mulher é compreendida pela OMS como uma crise de saúde pública com proporções pandêmicas. No Brasil, uma em cada quatro mulheres já foi vítima de algum tipo de agressão (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019), e 43,1% dessas violências ocorreram no ambiente familiar (Cerqueira, Moura, & Pasinato, 2019). O Brasil ocupa a quinta posição no ranking mundial de feminicídios (Waiselfisz, 2015).

Estudo do Ipea demonstrou que, entre as mulheres que relataram ter sofrido violência doméstica, 52,2% fazem parte da População Economicamente Ativa, enquanto 24,9% pertencem à População Não Economicamente Ativa.

A Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, realizada por pesquisadores da Universidade do Ceará, identificou que mulheres que sofrem violência doméstica enfrentam diversos desafios que impactam sua performance no trabalho, como perda de autonomia, aumento de estresse, maior absenteísmo, frequentes afastamentos, redução de salário-hora e insegurança no emprego (Carvalho & V. H. Oliveira, 2017).

Em contraste, a pesquisa sobre Violência e Assédio contra a Mulher no Ambiente Corporativo apontou que mais da metade das empresas (55,31%) não monitoram nem tomam medidas em relação aos casos de violência contra mulheres, e 19,29% dos entrevistados afirmaram não saber se existem ações desse tipo implementadas pelas empresas (Américo & Meirelles, 2019).

Argumentos favoráveis ao pagamento pelo INSS

A principal justificativa para que o INSS assuma essa responsabilidade é a natureza previdenciária do afastamento. O seguro social já cobre diversas situações em que o trabalhador se encontra incapaz de exercer suas funções temporariamente, como nos casos de auxílio-doença e auxílio-acidente. Dessa forma, incluir o afastamento por violência doméstica no rol de benefícios previdenciários seria uma medida justa e coerente.

Além disso, essa solução evitaria a sobrecarga dos empregadores, garantindo um suporte contínuo para as vítimas. A estabilidade financeira durante o afastamento pode ser determinante para que a mulher consiga romper definitivamente com o ciclo de violência, sem o medo de perder seu sustento.

Outro ponto relevante é que a medida poderia incentivar mais mulheres a denunciarem seus agressores, uma vez que o temor de perder a renda é um dos fatores que impedem a busca por ajuda. Assim, o reconhecimento desse direito pelo STF representaria um avanço significativo na luta contra a violência de gênero.

Possíveis desafios e oposição à medida

Entre os desafios para a implementação dessa política, destaca-se a questão orçamentária. O INSS enfrenta um novo gasto previdenciário, e a inclusão desse novo benefício demandaria fontes de financiamento específicas. Além disso, opositores da medida argumentam que a responsabilidade pelo pagamento dos salários deveria permanecer com os empregadores, e não com o sistema previdenciário.

Outro ponto de debate é a definição de critérios para a concessão do benefício. Seria necessário estabelecer mecanismos rigorosos de comprovação para evitar fraudes e garantir que apenas mulheres realmente afetadas pela violência doméstica tenham acesso ao auxílio.

O impacto de uma decisão favorável

Caso o STF decida que o INSS deve arcar com os salários das mulheres afastadas por violência doméstica, o Brasil dará um passo importante na proteção às vítimas. Essa decisão pode fortalecer a rede de apoio social e incentivar a criação de novas políticas públicas voltadas para a segurança e autonomia financeira das mulheres em situação de risco.

Mais do que um avanço jurídico, essa possível mudança representa um reconhecimento da necessidade de proteger as mulheres em todas as esferas – não apenas garantindo sua integridade física, mas também sua dignidade e independência financeira.

O julgamento do STF será crucial para definir os rumos dessa política e pode estabelecer um novo paradigma na luta contra a violência doméstica no Brasil. Independentemente do desfecho, a simples inclusão desse tema na pauta do Supremo já demonstra a importância crescente da proteção social como ferramenta de combate à desigualdade de gênero e à violência estrutural.

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