Empregador deve responder por acidente ocorrido com empregado em trabalho remoto?

Recentemente, uma sentença proferida pela 4ª Vara do Trabalho de João Pessoa (PB)[1] deferiu indenização de R$ 30 mil por danos morais a um empregado de call center que se acidentou ao cair da cadeira onde trabalhava em sua residência, fraturando a mão.

Em suas razões de decidir, a juíza concluiu pela responsabilização da empresa por não ter comprovado nos autos a realização de avaliação do ambiente de trabalho do empregado, tampouco ter fornecido equipamentos ergonômicos, tais como a cadeira adequada para o trabalho, configurando assim, no seu entender, conduta negligente a ponto de ensejar a obrigação de ressarcir os danos extrapatrimoniais sofridos pelo empregado com o acidente.

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A visibilidade dada pelos veículos de imprensa esta decisão jogou luz sobre o tema e causou preocupação entre as empresas que adotam políticas de trabalho remoto, através das quais seus empregados trabalham diretamente de suas próprias casas (home office) ou mesmo de onde desejarem (anywhere office), utilizando meios telemáticos para a conexão com os sistemas da empresa.

Afinal, é cabível se responsabilizar o empregador por acidentes ocorridos fora de suas dependências, em ambientes que não foram diretamente desenvolvidos pela empresa e sobre os quais tem pouca (ou quase nenhuma) ingerência?

Inicialmente, é preciso entender que o fato de a decisão causadora da polêmica dizer respeito a um empregado de call center certamente interfere no resultado do julgamento, considerando que essa atividade possui uma regulamentação específica, especialmente de ergonomia, já bem restrita e que precisa ser seguida na própria sede da empresa.

Assim, além de esta sentença não retratar necessariamente a posição majoritária da jurisprudência sobre o tema, é natural que, neste cenário, o Judiciário se mostre mais rígido e cobre uma postura fiscalizadora maior do empregador quando este relega o gerenciamento do ambiente de trabalho ao próprio empregado.

Ainda assim, a discussão sobre o tema é relativamente nova na Justiça do Trabalho, especialmente porque, embora a legislação que regulamentou o teletrabalho tenha vindo no bojo da reforma trabalhista em novembro de 2017, foi apenas a partir da pandemia de Covid-19, nos anos de 2020 e 2021, que esta modalidade de trabalho passou a ser utilizada de forma mais ampla pelas empresas.

O ponto de partida para melhor entendermos os limites da responsabilidade de cada uma das partes no teletrabalho é o art. 75-E da CLT e seu parágrafo único, que determinam que o empregador “deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”, ao passo em que o empregado “deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador”. A este artigo, somam-se as disposições dos arts. 186 e 927 do Código Civil, que dispõem sobre a responsabilidade civil do agente que causar danos a outrem.

Baseada nesses pilares legais, a jurisprudência dos tribunais trabalhistas tem caminhado no sentido de que a responsabilidade do empregador por acidentes e doenças desenvolvidas em teletrabalho existirá tão somente e apenas se demonstrada conduta ou omissão da empresa que contribua para este desfecho. Em tais casos, a tendência é ser considerada como subjetiva a responsabilidade do empregador – isto é, depende sempre da confirmação de que houve culpa (negligência, omissão ou imprudência) ou dolo do empregador no evento.

Na visão atual da Justiça do Trabalho[2], a responsabilização do empregador pode se dar tanto pela ausência de instrução acerca das precauções para evitar doenças e acidente de trabalho, como também pela omissão em providenciar uma estrutura de trabalho que proporcione um ambiente ergonômico e adequado à postura do empregado, capaz de evitar acidente e/ou o desenvolvimento de doenças, pois que o empregador deve zelar pelo ambiente de trabalho sadio, conforme estabelece a Norma Regulamentadora 17 do Ministério do Trabalho.

Importante destacar que, no caso do anywhere office, o conhecimento das condições de trabalho pelo empregador é ainda mais restrito, já que não há sequer uma definição acerca de onde exatamente o trabalho será desenvolvido, podendo o local variar diariamente, de acordo com a vontade do empregado.

Desta forma, os riscos de responsabilização do empregador por acidentes havidos nesse formato parecem ser ainda mais mitigados, na medida em que as condições do trabalho fogem completamente do seu controle, tornando mais difícil ou, até mesmo impossível, conhecer o ambiente de onde o trabalho está sendo realizado, de forma a possibilitar algum tipo de ação mais concreta para torná-lo mais adequado às regras de ergonomia.

Assim, diante de um cenário jurisprudencial amparado firmemente na análise das provas, avaliando sempre se o empregador adotou ou não as condutas legalmente exigidas, a atuação preventiva pode ser o fator decisivo que definirá o resultado de um eventual questionamento judicial.

Quanto melhor preparada a empresa estiver para o desafio que se apresenta – seja no modelo de trabalho de home ou de anywhere office, e observadas as limitações de cada formato –, instruindo seus empregados para a prevenção de acidentes e cuidando sempre de manter evidências da adoção de cada procedimento, menor o risco de acidentes e de vir a ser responsabilizada se, ainda assim, eles ocorrerem.

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Neste sentido, medidas de extrema valia a ser adotadas pelas empresas, além das legalmente exigidas, podem ser:

  • fornecimento de equipamentos que atendam às regras gerais de ergonomia, sempre que necessário;
  • implementação de inspeções periódicas ao ambiente de trabalho remoto (ainda que virtuais) feitas por especialistas em segurança do trabalho, a fim de analisar as condições e, se necessário, sugerir ajustes que assegurem o cumprimento das normas de ergonomia – sempre que viável e com a anuência dos empregados;
  • condução de treinamentos periódicos sobre o tema, com registro formal de presença dos empregados, atestando o comparecimento e as respectivas orientações;
  • elaboração de termos de responsabilidade dos empregados pela execução das atividades em trabalho remoto, descrevendo as regras que deverão ser observadas, com a respectiva assinatura no documento;
  • promoção de campanhas internas de conscientização dos empregados acerca das precauções necessárias para evitar acidentes em âmbito doméstico, com cartilhas orientadoras;
  • disponibilização de manuais de postura e ergonomia, em harmonia com as disposições da NR-17 do Ministério do Trabalho.

Tais iniciativas podem representar um divisor de águas, não apenas para evitar acidentes dos seus empregados no teletrabalho, trazendo a consciência para o papel que eles próprios representam no cuidado com sua saúde e segurança em tais ambientes, mas para que a empresa consiga demonstrar que cumpriu de forma satisfatória com a determinação do art. 75-E da CLT, mitigando assim o risco de responsabilização judicial por acidentes ou doenças desenvolvidas em ambiente de trabalho remoto.


[1] Processo 0000917-82.2024.5.13.0004

[2] Neste sentido, citam-se a título ilustrativo as decisões proferidas nos processos RT 1001202-84.2023.5.02.0720, RT 1000712-60.2023.5.02.0074, RT 1001580-13.2021.5.02.0202 e RT 0001107-11.2022.5.17.0002

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