Os riscos do império da lei nos Estados Unidos

Em passagem no final de fevereiro por São Paulo, onde fez palestras em cursos jurídicos e em importantes escritórios de advocacia, o jurista americano Brian Leiter, diretor do Centro de Direito, Filosofia e Valores Humanos da Universidade de Chicago, mostrou sua preocupação com o futuro do império da lei e do próprio regime democrático nos Estados Unidos, em decorrência da ascensão de Donald Trump ao poder.

Segundo Leiter, em menos de dois meses à frente da Casa Branca, Trump tomou uma série de medidas acintosamente ilegais, das quais pelo menos 15 poderão ser avaliadas pela Suprema Corte e derrubadas por vícios de absoluta inconstitucionalidade.

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A dúvida é saber se ele obedecerá às ordens dos tribunais e acatará as decisões da Suprema Corte ou se radicalizará suas relações com o Judiciário, desobedecendo suas decisões e deflagrando com isso o que Leiter chamou de uma “crise constitucional total”.

Indícios desse risco surgiram, por exemplo, quando o governo Trump travou as remessas do Instituto Nacional de Saúde, órgão que financia pesquisa científica. E, também, quando determinou um corte de US$ 420 milhões nas verbas de subsídio da Universidade Columbia, sob a alegação de que seus alunos deflagraram greve para protestar contra a violência dos bombardeios feitos pelo governo de Israel na faixa de Gaza.

Os indícios prosseguiram quando uma respeitada professora de medicina da Universidade Brown, Rasha Alawieh, descendente de libaneses, foi detida no aeroporto de Boston ao retornar de uma visita à sua família em Beirute. Apesar da universidade ter tomado providências legais na Justiça para assegurar seu ingresso nos Estados Unidos, a docente foi simplesmente deportada.

Essa ofensiva contra a liberdade de pensamento e contra a autonomia universitária ficou ainda mais grave quando Trump pediu a destituição de um magistrado que, aplicando a Constituição americana, indeferiu a deportação de um grupo de latino-americanos. Segundo o presidente, o juiz seria, além de “corrupto”, um “lunático radical de esquerda”. Ao justificar sua posição, ele afirmou que estava fazendo apenas “o que os eleitores americanos queriam que eu fizesse”.

Quando um réu normal – ou seja, um cidadão comum – descumpre uma ordem legal vigente desde o advento da Constituição americana promulgada em 17 de setembro de 1787, e que até hoje só tem emendas, afrontando os tribunais, estes simplesmente enviam a polícia federal para prendê-lo. A partir de agora, o que ocorrerá no caso de Trump?

Em entrevistas, artigos e palestras, a maioria esmagadora dos professores dos cursos de direito dos EUA confessa não ter resposta para esta pergunta. Também reconhece que, dependendo do modo como se comportar, Trump poderá corroer um dos pilares da democracia americana, que é o respeito ao princípio da segurança jurídica. O que esperar dele?

Pai do realismo americano, o jurista Oliver Wendell Holmes Jr., professor na Escola de Harvard e membro da Suprema Corte, advertia que a vida do direito não é marcada pela lógica, mas por experimentos – principalmente políticos e morais. “O direito incorpora a história do desenvolvimento de uma nação através dos séculos e não pode ser tratado como se compreendesse apenas axiomas e corolários de livros de matemática. De modo que, para sabermos o que ele é temos de saber o que ele foi e o que ele tem de tendência a ser no futuro”, ensinava ele.

Partindo dessas advertências e, portanto, da premissa de que juízes são naturalmente sensíveis aos contextos políticos, sociais e econômicos, os realistas americanos contemporâneos traçam dois cenários para o futuro da segurança jurídica em seu país.

O cenário mais otimista é aquele em que Trump tentará negociar algumas “vitórias” na Suprema Corte, como condição para aceitar várias derrotas. “Fui advogado em Nova York nos anos 1980 e Trump já agia assim, buscando tirar qualquer vantagem em tudo, inclusive fora da lei. Mas, antes, testava os limites”, afirma Leiter, que hoje é um dos expoentes do pensamento jurídico realista em seu país.

Já o cenário pessimista é aquele em que, ao sofrer uma derrota na Suprema Corte, Trump bata na tecla de que seus ministros estão errados e, a partir daí, mobilize suas massas, proponha o impeachment de magistrados sob o pretexto de que seriam corruptos e leve os parlamentares republicanos a agir como “bons nazistas”, fazendo tudo o que lhes for ordenado.

Esse é o ponto em que não haveria mais segurança jurídica e nem democracia nos Estados Unidos. É o ponto em que as decisões são assumidas pelo que Holmes chamaria de “homem mau” – aquele que, partindo de cálculos egoístas, não se importa com suas obrigações legais e morais. É o ponto, como adverte Leiter, em que quem tiver um mínimo de senso e de juízo irá para o aeroporto com o objetivo de deixar o país.

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