O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou nesta terça-feira (18/3) o projeto de lei que eleva a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para R$ 5 mil mensais. A proposta, assinada pelo presidente, também cria uma tributação mínima sobre a alta renda e institui a taxação de dividendos como medidas centrais para tentar garantir o equilíbrio fiscal e financiar a ampliação da isenção. O texto segue para análise nas casas legislativas. Caso aprovado, passa a valer a partir de 2026.
A nova política de isenção não altera as alíquotas da tabela progressiva, mas aplica redutores para preservar o benefício da isenção diante de possíveis reajustes salariais. Ficarão isentos os contribuintes que recebem até R$ 5 mil por mês, enquanto aqueles com rendas entre R$ 5 mil e R$ 7 mil poderão ter reduções parciais do imposto, de 75% a 25%. Acima desse valor, aplicam-se as alíquotas normais da tabela, segundo explicou Robinson Barreirinhas, secretário especial da Receita Federal.
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O governo calcula que essa medida terá um impacto fiscal de R$ 25,84 bilhões em 2026, valor inferior à estimativa inicial divulgada em novembro, de R$ 35 bilhões. De acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a revisão “para baixo” se deve à atualização dos cálculos, que passaram a considerar o aumento do salário mínimo previsto para ser votado em abril.
A equipe econômica garante que a premissa de neutralidade fiscal está assegurada no texto do projeto, mas não descarta a possibilidade de rediscutir as medidas compensatórias caso o Congresso altere o conteúdo a ponto de comprometer esse equilíbrio.
“A gente sabe que no Congresso pode ter alteração e ainda assim temos o compromisso colocado no texto e nas falas de que, havendo crédito a ser devolvido, se você tem algum investidor no exterior, tem que ter o compromisso de devolver. Nosso compromisso é esse, nosso ponto está posto de maneira transparente, mas o nosso compromisso é atingir a neutralidade”, declarou o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan.
Cobrança de dividendos
Uma das medidas pensadas para compensar a ampliação da isenção é a retenção de 10% na fonte sobre dividendos, tanto para residentes quanto para não residentes. No caso de pessoas físicas domiciliadas no Brasil, a retenção ocorrerá apenas quando o valor recebido de uma mesma empresa ultrapassar R$ 50 mil por mês. Se o montante for resultado de pagamentos de diversas empresas e, somado, atingir esse valor, não haverá retenção. Já para pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no exterior, a alíquota de 10% será aplicada sobre qualquer valor enviado.
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Segundo o governo, essa cobrança inclui as remessas de dividendos feitas por empresas brasileiras ao exterior, de forma a fechar uma brecha de planejamento tributário que poderia ocorrer caso dividendos ao exterior ficassem de fora da retenção na fonte.
Para evitar a bitributação, o PL estabelece que a soma da carga tributária paga pela empresa e pela pessoa física não poderá ultrapassar 34%, ou 45% no caso de instituições financeiras. Se a empresa já tiver recolhido esse percentual sobre o lucro, o dividendo distribuído estará isento de nova tributação, seja no Brasil ou no exterior. Caso a retenção de 10% na fonte ocorra mesmo assim, o valor poderá ser devolvido ao investidor ou compensado no ajuste anual da pessoa física.
Marcos Pinto, secretário de reformas econômicas da Fazenda, afirmou que nas companhias abertas, a maior parte da distribuição de lucros já ocorre por meio de Juros sobre Capital Próprio (JCP) — mecanismo que possui regras próprias e não será alterado pela proposta. Com isso, ele entende que o impacto da tributação sobre dividendos não deve recair significativamente sobre essas empresas, uma vez que o JCP segue como instrumento principal de remuneração dos acionistas e permanece isento da nova retenção.
Problema no contencioso
Um dos principais pontos de preocupação para Lina Santina, tributarista sócia do Heleno Torres Advogados Associados, é a conceituação do que o projeto chama de alíquota efetiva da pessoa jurídica para aplicação do limite da alíquota nominal e cálculo de eventual restituição de valores pagos a maior, ou seja, daquilo que ultrapassar a alíquota na tributação dos dividendos. A advogada destaca que o texto não esclarece como será feita essa apuração e cita o exemplo das empresas do lucro presumido.
Segundo ela, isso deixa uma lacuna sobre qual conceito será utilizado pela Receita Federal para calcular as restituições devidas. A forma incerta do cálculo, conforme o também tributarista, sócio do escritório Finocchio & Ustra, Bruno Marques Santo, pode levar a um aumento da carga tributária para essas empresas.
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A preocupação agora é de que o fisco, ao buscar atingir o limite de 34%, acabe considerando o faturamento total da empresa como base. Na prática, isso pode dificultar a restituição de valores retidos, criando insegurança jurídica e abrindo espaço para contencioso.
“Se o projeto chama de alíquota efetiva o que em realidade é carga tributária efetiva estaríamos então falando em um limite de alíquota nominal aplicada sobre o faturamento total das empresas que estão no lucro presumido, ignorando a base presumida estabelecida em lei”, disse Lina.
Compensação no IR sobre alta renda
Para balizar essa renúncia fiscal, o governo também manteve a proposta de um imposto mínimo sobre a alta renda, que será aplicado de forma escalonada até o limite de 10% para rendas acima de R$ 1,2 milhão ao ano.
A base de cálculo para isso, explicou Barreirinhas, exclui dos rendimentos recebidos os ganhos de capital na venda de imóveis, herança ou doação em adiantamento de legítima (que são transferências de patrimônio feitas em vida pelo titular aos herdeiros, antecipando parte da herança), e rendimentos recebidos acumuladamente.
Também ficam fora dessa conta os rendimentos isentos como poupança, títulos incentivados, aposentadoria por moléstia grave e indenizações por danos morais ou acidente de trabalho. Esses rendimentos continuam isentos. Segundo o secretário da Receita, caso essa porcentagem não seja atingida no período de um ano, o contribuinte deverá complementar essa diferença.
O escalonamento da alíquota funcionará da seguinte forma: não há cobrança adicional para quem recebe até R$ 600 mil anuais. A partir desse valor, aplica-se uma alíquota crescente conforme a renda: 2,5% para quem recebe R$ 750 mil, 5% para rendas de R$ 900 mil, 7,5% para R$ 1,05 milhão e, por fim, 10% para quem ultrapassa R$ 1,2 milhão por ano. Essa medida atingirá pouco mais de 141 mil pessoas, segundo o ministro da Fazenda.
Se, ao final do ano, a tributação paga superar o percentual mínimo, o contribuinte não precisará complementar. “O que se quer é que as pessoas que tenham altíssima renda e não colaboram com o mínimo, passem a pagar”, disse o ministro durante apresentação do projeto.
Pela frente no Congresso Nacional
Para parlamentares ligados ao PT e ao governo, desde que os princípios da neutralidade e da justiça sejam preservados, não há problemas em fazer mudanças. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, sinalizou que mudanças para, nas palavras dele, “piorar” o projeto não serão bem-vindas. O discurso dos petistas é o de que quem não defender a tributação das altas rendas vai contra a justiça social e que a forma como veio na proposta, é justa.
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O perfil do relator, segundo líderes governistas ouvidos pelo JOTA, deve ser de um parlamentar do centro. Líderes do Centrão avaliam que a discussão será longa e precisará de “no mínimo um semestre”. Questionados pelo JOTA, os líderes não quiseram antecipar alternativas de compensação que estejam à mesa. Mas, com as sinalizações do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) em seu discurso, o foco da discussão do PL no Legislativo agora se concentrará em encontrar uma alternativa.
“Eu pedi uma análise técnica, mas qualquer elevação de tributos enfrentará grandes resistências na Câmara. A FPE deve fazer sugestões [para a compensação]. Na semana que vem teremos uma reunião para discutir isso”, afirmou o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE).
O presidente da Câmara deu pistas de que a discussão da revisão de gastos e atuais isenções pode estar no horizonte como medidas compensatórias. Ambos os temas, porém, encontram resistência tanto no governo como no Congresso.