Reforma tributária e reequilíbrio contratual

Recentemente foi publicada a lei da reforma tributária (Lei Complementar 214/2025). Ela institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (IBS) e o Imposto Seletivo (IS), além de promover outras alterações.

Uma das questões decorrentes dessa nova legislação diz respeito ao reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos. Em princípio, alterações tributárias levam à necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro quando seu impacto é comprovado. Há regra expressa sobre isso no âmbito das concessões (Lei 8.987/1995, art. 9º, § 3º) e para os contratos regidos pela Lei 14.133/2021 (arts. 103, § 5º, II, e 134).

Partindo disso, a LC 214/25 possui um capítulo inteiro dedicado ao reequilíbrio dos contratos administrativos (Capítulo IV da Seção V).

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A premissa geral é que as alterações promovidas pela LC 214/25 de fato podem atingir a equação econômico-financeira de contratos administrativos cujas bases foram estabelecidas antes da nova lei. O art. 374 estabelece que os contratos vigentes, celebrados pela Administração Pública direta ou indireta de todos os entes de federação, inclusive de concessão, “serão ajustados para assegurar o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro” em razão da alteração da carga tributária, nos casos em que o desequilíbrio for comprovado.

Sendo assim, em tese, o reequilíbrio econômico-financeiro é cabível, embora a sua necessidade deva, evidentemente, ser examinada em cada caso concreto. Deverão ser considerados fatores como

  1. os efeitos da não cumulatividade nas aquisições e custos incorridos pela contratada,
  2. a possibilidade de repasse do encargo financeiro dos tributos a terceiros,
  3. os impactos decorrentes da alteração dos tributos no período de transição previsto nos arts. 125 a 133 do ADCT, e
  4. os benefícios ou incentivos da contratada relacionados aos tributos extintos pela EC 132/2023.

Quando constatada a redução da carga tributária efetiva suportada pela contratada, a Administração procederá à revisão de ofício para restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro (artigo 375). Entretanto, é essencial que essa decisão se dê em processo administrativo com contraditório, de modo que a contratada efetivamente possa apresentar suas razões, inclusive quanto aos fatores relacionados acima.

Evidentemente, todos os fatores deverão ser considerados, tanto os que reduzem quanto os que ampliam a carga tributária suportada pela contratada. O artigo 375 é muito claro ao mencionar a “carga tributária” como um todo.

A contratada também poderá pleitear o reequilíbrio verificado no período de transição de que tratam os artigos 125 a 133 do ADCT. Seu pedido poderá ser apresentado a cada nova alteração tributária que ocasione o desequilíbrio ou de forma a já abranger todas as alterações previstas para o período de que tratam os artigos 342 a 347 da LC 214/25.

O inciso II do artigo 376 estabelece que o pedido da contratada deverá ser formulado durante a vigência do contrato e antes de eventual prorrogação. O sentido da regra parece ser o de que eventual impacto deverá ser considerado na decisão por prorrogar ou não o contrato. De todo modo, essa regra não deve ser interpretada de forma absoluta.

Muitas vezes, a própria identificação do impacto concreto demanda certo tempo, e a decisão sobre prorrogação tem um limite temporal a ser adotada. Além disso, o impacto do desequilíbrio pode ser irrelevante para a decisão sobre prorrogar ou não um contrato.

Em relação à adoção concreta das medidas de reequilíbrio, a LC 214/25 estabeleceu regras muito positivas. 

A primeira delas é o reconhecimento de que há uma variedade de possíveis formas de reequilíbrio. Ele pode acontecer por meio de

  1. revisão dos valores contratados;
  2. compensações financeiras, ajustes tarifários ou outros valores devidos à contratada, inclusive a título de aporte de recursos ou contraprestação pecuniária;
  3. renegociação de prazos e condições de entrega ou fornecimento de serviços;
  4. elevação ou redução de valores devidos à Administração Pública, inclusive direitos de outorga;
  5. transferência de custos ou encargos de uma parte à outra; e
  6. qualquer outro método considerado aceitável pelas partes, observada, claro, a legislação. A lei, portanto, deu ampla liberdade para que se definam os mecanismos aplicáveis, que podem ser adotados de forma conjunta.

A segunda regra é a busca pelo consenso entre as partes. As medidas que não sejam de alteração na remuneração ou de ajuste tarifário só poderão ser tomadas com a concordância da contratada (artigo 376, § 2º). De todo modo, mesmo em relação às duas primeiras, o ideal é que haja um consenso, dado que suas externalidades devem ser consideradas. Pense-se por exemplo, em um serviço prestado em regime de concorrência, no qual um ajuste tarifário para cima pode ter um impacto sobre a demanda.

Há ainda um terceiro conjunto de medidas, que diz respeito ao tempo para o reequilíbrio. Além de estabelecer um prazo máximo de 90 dias para decisão (prorrogável apenas uma vez quando necessária instrução probatória suplementar), previu-se a possibilidade de o reequilíbrio ser implementado de forma provisória nos casos em que a contratada demonstrar relevante impacto financeiro na execução contratual – devendo a compensação ser ajustada por ocasião da decisão definitiva (artigo 376, § 4º). 

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Este ponto é muito importante. Nos últimos tempos, a possibilidade de adoção de medidas de mitigação de desequilíbrios graves por meio de reequilíbrios cautelares e baseados em evidência tem ganho maior relevância.

Há regras específicas sobre isso na Resolução 19/2023 da Secretaria de Parcerias de Investimentos do Estado de São Paulo e na Instrução Normativa 33/2024 da ANTT. A avaliação dos reequilíbrios cautelares no setor portuário inclusive está na agenda regulatória da Antaq para o período de 2025 a 2028.

Em suma, a LC 214/25 é muito positiva ao ter o cuidado de estabelecer regras bastante claras sobre o reequilíbrio econômico-financeiro em decorrência das alterações introduzidas pela reforma tributária. Vários mecanismos inclusive devem (ou deveriam) ser observados em reequilíbrios decorrentes de outros fatores, como a questão do reequilíbrio provisório.

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