Controle interno como facilitador de soluções

A Administração Pública moderna enfrenta um momento de transformação global, com pressões crescentes por eficiência, inclusão e sustentabilidade. A eficiência no setor público deve estar fundamentada na busca por melhores entregas e resultados que atendam às necessidades coletivas, promovendo inovação e efetividade.

Essa busca precisa contar com o apoio do Direito Público e do controle interno. Nesse contexto, a Controladoria-Geral da União (CGU) tem, nos últimos anos, reformulado seu papel, evoluindo de uma abordagem predominantemente fiscalizadora para se tornar uma parceira dos gestores públicos na busca por melhores entregas à sociedade.

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Essa transformação, alinhada às discussões sobre modernização administrativa e à revisão do Decreto-Lei 200/67, busca conciliar inovação, controle e eficiência para enfrentar os desafios contemporâneos de governança.

História do controle interno no Brasil

A evolução do controle interno no Brasil reflete uma transição significativa, que o levou de uma abordagem centrada em conformidades e fiscalização para um modelo orientado ao suporte à gestão e à agregação de valor. Essa trajetória foi influenciada por avanços normativos, crises institucionais e a adoção de práticas internacionais.

Sob o ponto de vista institucional, no século 19, o controle interno brasileiro surgiu com o Conselho da Fazenda e do Tesouro Nacional, criando um estrutura contábil para lidar com a instabilidade econômica. Posteriormente, modelos como a Contadoria-Geral da República (CGR) em 1921 e a Inspetoria-Geral de Finanças (IGF) em 1967 introduziram padronização e auditorias financeiras. Em 1994, a criação da Secretaria Federal de Controle Interno (SFC) consolidou um modelo voltado à auditoria de desempenho e governança pública.

A CGU foi criada em 2003 quando começou a criar os contornos que tem hoje, ou seja, responsável pela defesa do patrimônio público e pela promoção da transparência na gestão pública. Como órgão central, é responsável por coordenar e supervisionar tecnicamente toda a atuação do Poder Executivo federal sobre as áreas de auditoria interna, de correição, de ouvidoria, de integridade, de transparência e de acesso à informação. A integração de todas essas funções em um só órgão decorreu da modernização do processo de gestão na administração pública.

A partir de 2007, com a publicação das normas internacionais de auditoria interna do International Professional Practices Framework (IPPF), pelo The Institute of Internal Auditors (IIA), iniciou-se uma transformação na atividade de auditoria interna globalmente. Essa trajetória enfatizou o alinhamento às estratégias, objetivos e riscos das organizações, promovendo um foco no futuro e na melhoria organizacional.

Publicações de consultorias renomadas como PWC (2012 e 2014) e Deloitte Brasil (2018) reforçaram a percepção de que fiscalizações e avaliações de conformidade agregavam pouco valor e que, para se tornarem relevantes, as auditorias internas deveriam focar no apoio à gestão estratégica.

A discussão sobre a necessidade de o controle interno governamental assumir uma postura de maior agregação de valor não é recente. Em 2010, Ronald Balbe, publicou um estudo que destacava a persistência de uma percepção do controle interno como formal e policialesco, embora já houvesse sinais positivos de aprimoramento. Ele identificou que a imagem do controle vinha sendo aprimorada, com resultados positivos já perceptíveis à época, mas que superar esse estereótipo exigiria esforços adicionais.

Em 2014, durante um seminário com a União Europeia, a CGU vivenciou um “choque de realidade”. Foi evidenciado que as práticas de auditoria aplicadas até então estavam desalinhadas em relação às normas internacionais de auditoria, com grande dependência de avaliações de conformidade.

Um dos gestores da SFC comentou que “por anos a gente acreditou que a auditoria teve um papel de desincentivar inovação, desincentivar o gestor a tentar”. Esta percepção impulsionou a revisão estrutural nas práticas internas para alinhá-las às melhores práticas globais.

Em 2015, durante uma crise política e financeira, foi proposta uma reforma administrativa que previa a extinção de pastas ministeriais, incluindo a CGU, como parte de um esforço de ajuste fiscal. Essa proposta gerou significativa mobilização de diversos setores, levando à reversão da medida e à manutenção da CGU. Esse episódio destacou a necessidade de reforçar a atuação da auditoria interna governamental com um foco mais colaborativo e orientado à agregação de valor, alinhado às melhores práticas internacionais.

A partir de 2016 foi iniciada uma série de alterações nas diretrizes técnicas que regem a atuação do controle interno, como as instruções normativas como a IN MP/CGU 01/2016 e a IN SFC/CGU 03/2017, as quais introduziram conceitos como as três linhas (que clareia o papel de gestores e de auditores no contexto das organizações) e alinharam a auditoria interna governamental brasileira às citadas normas internacionais.

Esses avanços transformaram a conceituação da atuação da CGU, que passou a priorizar riscos e a agregar valor, substituindo as avaliações meramente de conformidade. No entanto, a mudança precisava ocorrer na cultura da instituição.

Conforme relatado por Oliveira e Menke, em 2020 já se percebeu uma evolução nas preferências dos auditores por atuações mais preventivas, com abordagem didática. Pela pesquisa 67% dos auditores da CGU preferiam realizar trabalhos de avaliação e de consultoria, enquanto 33% preferem a atuação mais repressiva com apurações.

Em 2024, por meio do programa Cátedras Brasil, em parceria com a Escola Brasileira de Administração Pública (ENAP), estudos foram iniciados para entender Dissonâncias e discrepâncias entre a CGU como órgão de controle e os gestores auditados: o que há por descobrir?, conduzido por Eduardo José Grin, e Os desafios da atuação da CGU no equilíbrio dos papéis de órgão de controle interno e de combate à corrupção, conduzido por Maria Rita Garcia Loureiro Durand. Ambos os estudos serão lançados no contexto do Programa Conexões Acadêmicas CGU no primeiro semestre de 2025.

Já no contexto desses estudos, durante o evento de comemoração dos 30 anos da SFC, os dois estudos guiaram discussões de duas mesas de debates. Além disso, gestores relevantes, incluindo Francisco Gaetani, antigo crítico das práticas do controle interno e atual secretário executivo para a Transformação do Estado, reconheceram a perceptível mudança de postura da CGU nos últimos anos, confirmando o impacto positivo de sua atuação mais estratégica e colaborativa.

Instrumentos consensuais

A CGU tem adotado práticas colaborativas que fomentam a cocriação de soluções junto aos órgãos públicos. Essa abordagem, que enfrenta o desafio de convergência entre inovação e controle, também promove maior confiança dos gestores nas tomadas de decisões e reforça a relevância do controle interno como parceiro estratégico. Como afirma Calixto (2024), é essencial unir forças para superar os obstáculos legais e gerenciais que inibem a transformação da administração pública​.

Em 9 de dezembro de 2024, no Dia Internacional Contra a Corrupção, foi instituído o Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) pela Portaria Normativa CGU 186. Este instrumento inovador formaliza o diálogo entre a CGU e os gestores públicos, permitindo a construção de soluções consensuais e dialogadas para o aprimoramento da gestão pública.

O TAG é aplicável a todos os sistemas estruturantes sob responsabilidade da CGU, fortalecendo a integração interna e promovendo maior coesão com os órgãos auditados. Além disso, sua implementação preenche uma lacuna normativa ao regulamentar um mecanismo negocial voltado à eficiência administrativa e à segurança jurídica na adoção de práticas inovadoras.

Além disso, a CGU estrutura parte de sua atuação em quatro diferentes modelos de maturidade relacionados às suas áreas de atuação: o Modelo de Capacidade de Auditoria Interna (IA-CM), o Modelo de Maturidade Correcional (CRG-MM), o Modelo de Maturidade em Ouvidoria Pública (MMOuP) e o Modelo de Maturidade em Integridade Pública (MMIP).

Os instrumentos são usados como guia para autoavaliações das unidades que compõem os sistemas, como forma de integração e troca de conhecimento entre as unidades e como critério de avaliação da CGU no exercício de sua função de órgão central dos sistemas estruturantes. Por meio desses instrumentos, a CGU assessora as instituições públicas federais a aumentarem suas capacidades, oferecendo critérios claros para diagnóstico e evolução, alinhados às melhores práticas internacionais.

Olhar no futuro

O Plano Estratégico da CGU para 2025 representa um novo marco nesse processo de transformação. Priorizando a interação com os ministérios e a participação ativa na definição de trabalhos consultivos, a CGU busca criar um modelo mais eficiente e alinhado às necessidades dos cidadãos. 

No contexto da auditoria interna exercida pela CGU, além das apurações de atos ilegais podem ser realizadas avaliações e consultorias. As consultorias são marcadas pela maior proximidade com os gestores e definição conjunta das características do projeto como escopo, cronograma e divulgação dos resultados. É um serviço que garante maior proximidade e diálogo ao longo do processo.

Apesar de Oliveira e Menke (2022) terem constatado que a realização de serviços de consultoria seria a preferência de 16% dos auditores da CGU à época, ao longo dos anos essa preferência não se materializou em um aumento substancial na quantidade de consultorias prestadas. Esse fortalecimento é colocado como um desafio a ser enfrentado no plano. 

Além disso, a CGU busca ampliar a integração de seus modelos de maturidade como ferramentas estratégicas para diagnosticar e aprimorar as capacidades institucionais dos órgãos públicos. Essa abordagem integrada contribui para que os gestores públicos enfrentem os desafios de implementação de políticas públicas com maior suporte técnico e operacional.

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Além do fortalecimento da atuação consultiva e de assessoramento, como um próximo passo nessa história de aperfeiçoamento de sua atuação, a CGU busca ampliar a tempestividade de seus resultados aos gestores públicos para alcançar os objetivos das políticas públicas e superar desafios.

A CGU enxerga o futuro como uma oportunidade para se consolidar como parceira estratégica dos gestores públicos, promovendo um impacto direto na melhoria das políticas públicas e na eficiência administrativa.

Conclusão

A trajetória da CGU reflete a evolução do controle interno no Brasil, marcada pela transição de um modelo voltado à conformidade para um papel mais estratégico, integrado e orientado à agregação de valor. Por meio de iniciativas como os modelos de maturidade, o Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) e o fortalecimento das consultorias, a CGU tem buscado atender às demandas contemporâneas de uma Administração Pública mais dialógica, eficiente, ética e transparente.

O compromisso com a inovação e a colaboração, expresso no Plano Estratégico para 2025, reafirma a CGU como uma instituição essencial na promoção da boa governança e no apoio aos gestores públicos. 

O futuro exige da CGU uma postura proativa, que integre inovação, diálogo e eficiência, alinhada às melhores práticas internacionais e ao compromisso de entregar valor público. Essa jornada não apenas transforma a própria instituição, mas contribui diretamente para a construção de um Estado mais responsivo às necessidades da sociedade brasileira.


Balbe, R. d. (2010). O resultado da atuação Controle Interno no contexto da Administração Pública Federal brasileira. Instituto Universitário de Lisboa.

Calixto, C. (2024). O direito público não pode atrapalhar: reformulando a gestão pública no Brasil. JOTA. Acesso em 20 de 01 de 2025, disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/advogadas-publicas-em-debate/o-direito-publico-nao-pode-atrapalhar-reformulando-a-gestao-publica-no-brasil

DELOITTE BRASIL. (2018). Auditoria Interna no Brasil: Rumo à consolidação do impacto e da influência. Instituto dos Auditores Internos do Brasil. Acesso em 21 de 01 de 2025, disponível em http://iiabrasil.org.br/korbilload/upl/editorHTML/uploadDireto/auditoriaintern-editorHTML-00000001-12122018135129.pdf

Gaetani, F. (2024). Eficiência e interesse público – Vilanizar Estados e seus funcionários como forma de desmontá-los é diferente de criticá-los visando melhor desempenho. JOTA. Acesso em 20 de 01 de 2025, disponível em https://www.jota.info/artigos/eficiencia-e-interesse-publico

Nascimento, L. F. (2015). Ferramentas de controle interno da controladoria geral da União: instrumentos de fiscalização da gestão, controle social e combate a corrupção. FGV EBAPE. Acesso em 21 de 01 de 2025, disponível em https://repositorio.fgv.br/items/8d55efad-9cbc-42c6-8383-010cfa9068ee

Oliveira, T. C. (2020). Auditoria interna governamental no Brasil: passado, presente e futuro. XXV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública. Lisboa, Portugal, 24 – 27 nov. 2020. Acesso em 21 de 01 de 2025, disponível em https://repositorio.cgu.gov.br/bitstream/1/64191/5/olivetia_publicado_CLAD.pdf

Oliveira, T. C., & Menke, W. B. (2022). Auditores Internos da Controladoria-Geral da União: como atuam e que informações utilizam. Em N. Koga, P. Palotti, J. Mello, & M. Pinheiro, Políticas públicas e usos de evidências no Brasil: conceitos, métodos, contextos e práticas (pp. 343-368). Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). doi:http://dx.doi.org/10.38116/978-65-5635-032-5

PWC. (2012). Internal Audit 2012: A study examining the future of internal auditing and the potential decline of a controls-centric approach. PriceWaterhouseCoopers. Acesso em 21 de 01 de 2025, disponível em https://www.pwc.com/sg/en/advisory/assets/publication-internal-audit-2012.pdf

PWC. (2014). Estudo sobre a situação da profissão de auditoria interna em 2014 – Planejando a melhoria de desempenho: Um modelo para a mudança. PriceWaterhouseCoopers. Acesso em 21 de 01 de 2025, disponível em https://www.pwc.com.br/pt/publicacoes/servicos/assets/auditoria/2014/pwc-estudo-situacao-profissao-auditoria-interna-14.pdf

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