Reforma tributária e equilíbrio contratual

Nos próximos meses, as empresas enfrentarão uma série de desafios decorrentes das alterações contratuais impostas pela reforma tributária, cuja implementação se avizinha. A unificação de tributos e a criação de mecanismos que visam evitar a bitributação, especialmente em relação aos tributos sobre serviços, são apenas algumas das mudanças que prometem impactar profundamente a estrutura de custos e, consequentemente, a dinâmica dos contratos em vigor.

Para empresas, a urgência reside em antecipar-se a desequilíbrios econômicos derivados dessas mudanças, garantindo que relações contratuais de longo prazo não se tornem inviáveis sob novas regras fiscais.

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Um dos efeitos esperados da reforma é o aumento da carga tributária sobre serviços, cuja alíquota deverá ser significativamente superior à atual. Tal mudança não apenas elevará os custos operacionais das empresas, mas também exigirá uma reavaliação dos contratos de prestação de serviços, que podem se tornar mais onerosos.

É importante ressaltar que, embora os prestadores de serviços busquem repassar esses custos incrementais ao tomador, a realidade do mercado pode forçar os primeiros a uma absorção parcial dessas novas cargas tributárias.

Dentre as diversas contratações que podem ser impactadas pela reforma, destaca-se uma modalidade que certamente representará um desafio tanto para as empresas quanto, eventualmente, para o próprio Judiciário. Referimo-nos aos chamados LTAs (Long Term Agreements), estruturados para ter uma duração de três a cinco anos, podendo se estender por décadas.

Esses instrumentos, essenciais para setores como logística, tecnologia e indústria, são particularmente suscetíveis a grandes alterações, uma vez que foram negociados sob um regime tributário que será alterado a partir de 2026.

O IBS, por exemplo, cuja implementação completa ocorrerá apenas em 2033, representa um risco latente: embora sua existência seja previsível, seus efeitos específicos sobre custos operacionais permanecem nebulosos. Essa dualidade — entre a certeza da mudança e a incerteza de seus reflexos — exige mecanismos contratuais que permitam revisões ágeis, evitando litígios e preservando o equilíbrio inicial do negócio.

O Direito brasileiro disponibiliza instrumentos para mitigar desequilíbrios, como os artigos 478 a 480 do Código Civil, que abordam a teoria da onerosidade excessiva. De acordo com essa teoria, é permitida a revisão ou rescisão de contratos quando eventos extraordinários e imprevisíveis tornam as obrigações economicamente insustentáveis.

No entanto, a reforma tributária, por ser uma alteração legislativa programada, pode ser interpretada como previsível, esvaziando a aplicação desse instituto. A Lei da Liberdade Econômica (13.874/2019) reforça essa limitação, ao priorizar a autonomia das partes e restringir intervenções judiciais em relações contratuais. Diante desse cenário, a segurança jurídica migra para o campo da negociação prévia: cláusulas específicas, inseridas nos contratos, são a ferramenta mais eficaz para redistribuir ônus tributários e evitar a judicialização.

Importante destacar que, embora a reforma vá atingir todos os setores da economia, cada um deles merecerá uma abordagem específica. Por exemplo, na prestação de serviços — cujas margens são tradicionalmente mais flexíveis —, espera-se que as partes absorvam parte dos novos custos, ainda que a tendência seja de repasse gradual.

Já em contratos de fornecimento industrial, como nos setores farmacêutico e automotivo, caracterizados por margens enxutas e preços ajustados por ganhos de escala, a capacidade de absorção é mínima. Nesses cenários, constata-se que cláusulas mal redigidas ou a ausência de previsões podem inviabilizar operações, especialmente em contratos com previsão de redução de preço ao longo do tempo.

Uma possível solução para mitigar os efeitos da reforma é a antecipação, no texto contratual, de gatilhos objetivos para renegociação, como variações percentuais em alíquotas ou custos diretos associados à reforma. A inserção de cláusulas de atualização e a previsão de revisão contratual são fundamentais para que as partes possam reencontrar um equilíbrio diante de mudanças legislativas inesperadas.

A cláusula de revisão por alteração das circunstâncias, que permite a revisão do contrato em face de eventos supervenientes imprevistos que alterem seu equilíbrio econômico-financeiro, é uma ferramenta essencial nesse contexto.

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A experiência recente mostra que empresas que revisitaram contratos durante a pandemia, inserindo cláusulas de hardship (ou de “dificuldade econômica”), obtiveram vantagens competitivas ou evitaram prejuízos consideráveis.

Agora, a corrida é pela governança proativa: quem propõe primeiro as alterações tende a influenciar mais significativamente os termos da renegociação. Setores com cadeias globais, por exemplo, já adaptam modelos de price adjustments vinculados a indicadores tributários, garantindo transparência na repartição de custos.

O desafio, portanto, transcende a esfera jurídica. Trata-se de uma questão estratégica: como equilibrar a imprevisibilidade dos efeitos da reforma com a necessidade de estabilidade contratual? A resposta está na combinação de precisão técnica e senso de oportunidade.

Empresas que postergarem essa discussão enfrentarão uma cascata de desvantagens: custos operacionais imprevistos, erosão do poder de barganha e perda competitiva ante concorrentes que se anteciparam.

Em um ambiente em que a reforma tributária redefine as regras do jogo, a diferença entre conduzir e ser conduzido pode ser o fator chave para preservar a resiliência necessária para garantir sustentabilidade em um cenário de incertezas.

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