Dez contribuições do ministro Fachin ao Direito Tributário em dez anos de STF

O ministro Edson Fachin completa nesta segunda-feira, 16 de junho, dez anos de Supremo Tribunal Federal. Tal marco temporal, por si só, seria digno de lembrança, uma vez que todos nós acompanhamos o papel que o STF desempenhou no cenário jus-político nacional nesse período. No entanto, o ministro assumiu protagonismo em diversas dessas decisões, o que merece espaço e atenção especiais.

Não obstante sua brilhante trajetória acadêmica e profissional pregressa ser marcada pelas significativas contribuições para o direito privado – com destaque à docência exercida como professor titular de Direito Civil da UFPR –, nos últimos dez anos, o ministro contribuiu para toda a jurisdição constitucional, sendo notórios seus aportes para o Direito Tributário.

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Nessa linha, em homenagem à sua primeira década na corte, neste breve artigo destacamos suas contribuições em matéria tributária. Para isso, fizemos um levantamento das repercussões gerais e ações abstratas de sua relatoria, nas quais o ministro, mesmo vencido, teceu impactantes manifestações.

Em função do espaço, o objetivo é jogar luzes sobre a quantidade de assuntos tributários nos quais o ministro – que será o próximo presidente do STF – deixou sua marca.

A partir desse recorte, separamos alguns de seus votos em dez temas, sobre os quais apresentamos resumidos comentários: 

1) Modulação de efeitos em caso de superação de precedente

Em decisão pioneira, no julgamento do RE 593.849 (Tema 201), o ministro sustentou, com base no art. 927, §3º, do CPC, que a alteração de entendimento da corte é fundamento suficiente para a modulação de efeitos, tendo atribuído efeitos ex nunc à tese de que é devida a restituição da diferença do ICMS pago a maior no regime de substituição tributária progressiva.

Tal conclusão foi reiterada no RE 949.297 (Tema 881), em que, mesmo vencido, o ministro sustentou a necessidade de modulação da tese da interrupção dos efeitos da coisa julgada em obrigação tributária de trato sucessivo, considerando a existência de precedente vinculante do STJ em sentido contrário.

2) Federalismo fiscal e autonomia dos entes

O ministro Fachin apresentou também relevantes contribuições para o aprimoramento do federalismo fiscal, para a relação entre os entes e a delimitação da sua autonomia. No julgamento do RE 705.423 (Tema 653), conduziu o entendimento pela constitucionalidade da dedução de benefícios fiscais, de IR e de IPI, do cálculo no valor a ser repassado aos municípios por meio do Fundo de Participação dos Municípios.

Ao analisar o ARE 665.134 (Tema 520), fixou a tese de que o sujeito ativo do ICMS-Importação é o estado do destinatário que deu causa à circulação da mercadoria. Foi, ainda, relator do RE 628.075 (Tema 490), no qual, embora vencido, sustentou a impossibilidade de estorno proporcional de crédito de ICMS realizado pelo estado de destino, considerando concessão, pelo estado de origem, de benefício fiscal à revelia do Confaz.

3) Irretroatividade da majoração de alíquotas de IRPJ

No RE 592.396 (Tema 168), o ministro reiterou a jurisprudência da corte, e com base nos princípios da irretroatividade e da segurança jurídica, reconheceu a inconstitucionalidade da lei que majorou retroativamente a alíquota do IRPJ incidente sobre o lucro de operações de exportação incentivadas ocorridas no passado, ainda que no mesmo ano-base.

O ministro acertadamente concluiu que o fato gerador do IR se perfectibiliza quando ocorre cada operação de exportação com alíquota reduzida do imposto.

4) Contribuições previdenciárias e limitações ao poder de tributar

No RE 598.572 (Tema 204), o ministro Fachin proferiu entendimento pela constitucionalidade da diferenciação de alíquotas das contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de salários de instituições financeiras ou de entidades a elas equiparáveis. Com base na jurisprudência do STF, o ministro afirmou que não caberia ao Judiciário equiparar ou suprimir alíquotas diferenciadas entre contribuintes, em concretização aos princípios da isonomia e da capacidade contributiva.

5) Funrural

No RE 718.874 (Tema 669), o ministro Fachin proferiu voto pela inconstitucionalidade da contribuição social recolhida pelo empregador rural pessoa física sobre a receita bruta da comercialização de sua produção. O ministro destacou que a referida contribuição promove injusta diferenciação entre o empregador pessoa física rural e urbana, bem como resulta em dupla tributação, uma vez que, sobre a mesma base de cálculo, incidiria também a contribuição substitutiva.

6) Abrangência das imunidades tributárias

Dois casos merecem destaque: o RE 601.720 (Tema 437) e o RE 759.244 (Tema 674). No primeiro, o ministro proferiu voto, que ao final ficou vencido, no sentido de que o particular cessionário ou arrendatário de bem imóvel público não pode ser sujeito passivo do IPTU, uma vez que o bem público é imune a impostos sobre patrimônio. No Tema 674, entendeu que a imunidade das contribuições prevista no art. 149, §2º, I, da Constituição, alcança também as receitas decorrentes de exportação realizadas por intermédio de trading companies.

Em ambos os casos, o ministro desenvolveu uma interpretação teleológica das imunidades, considerando a intenção do constituinte ao desonerar os referidos fatos.

7) Inconstitucionalidade da redução do imposto de importação de armas

O ministro Fachin, monocraticamente, deferiu a liminar na ADPF 772 para suspender a Resolução Gecex 126/2020, que reduziu a zero a alíquota do imposto de importação de revólveres e pistolas.

O relator enfatizou que a redução da alíquota representaria violação do direito à vida e à segurança pública, além de afetar negativamente a indústria nacional. Ressaltou, ainda, que ato administrativo com potencial impacto social e econômico exige motivação amparada em premissas fáticas e normativas consistentes, lastreadas em estudos técnicos robustos, elementos que não se faziam presentes no caso concreto.

8) Inconstitucionalidade da incidência do ICMS nas transferências entre estabelecimentos do mesmo titular

No julgamento da ADC 49, o STF confirmou sua jurisprudência no sentido da inconstitucionalidade da cobrança do ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Dois anos depois, o ministro voltou a exercer papel de destaque ao proferir o voto condutor no julgamento dos embargos de declaração, em que a corte modulou os efeitos da tese firmada e assegurou o direito a transferência de créditos nessas operações.

9) Proporcionalidade das multas tributárias

O ministro foi o relator do RE 796.939 (Tema 736), em que foi declarada a inconstitucionalidade da multa isolada em razão de negativa de homologação de compensação tributária ou do indeferimento do pedido de ressarcimento em via administrativa. Fachin firmou convicção no sentido de que os atos penalizados pela Lei 9.430/96 não são ilícitos, mas exercícios regulares de direitos, motivo pelo qual as penalidades seriam desproporcionais. 

10) Primeira audiência pública em matéria tributária

O ministro Fachin é o relator da ADI 5553, na qual o STF analisará a constitucionalidade da concessão de benefícios de IPI e de ICMS incidentes sobre operações com agrotóxicos.

Em julho de 2024, o ministro convocou a primeira audiência pública em matéria tributária, uma vez que a ação “reclama apreciação que ultrapassa os limites do estritamente jurídico, seja por sua complexidade, seja pela relevância constitucional da política agrícola (art. 187) e dos direitos à saúde (art. 196) e meio ambiente (art. 225), porquanto demanda abordagem técnica e interdisciplinar da matéria, atenta às nuances das repercussões práticas e econômicas que o tratamento fiscal tributário pode acarretar”.

A audiência, realizada em novembro, foi um grande marco para o debate constitucional-tributário, com a democratização e aprimoramento técnico da formação de precedentes.

A partir dos referidos votos, que marcaram a primeira década de Edson Fachin no STF, verificamos que o ministro possui um perfil decisório sensível à segurança jurídica dos jurisdicionados, sem deixar de levar em consideração os efeitos de suas decisões.

Tendo herdado um acervo repleto de casos tributários difíceis e recebido tantos outros, contribuiu de forma notória para o desenvolvimento da dogmática constitucional-tributária, possuindo, ainda, como característica decisória a manutenção de suas posições mesmo diante da possibilidade de restar vencido, o que demonstra uma abertura ao diálogo com os seus pares e a firmeza de seu convencimento.

Tais traços de seu perfil julgador em matéria tributária não apenas refletem um exemplo de magistrado, mas também trazem uma perspectiva do que podemos esperar do período em que Fachin exercerá a presidência do STF e do CNJ.

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