O futuro sustentável e resiliente do ESG

Não há dúvidas de que o ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) vem evoluindo de maneira robusta nas últimas décadas, mesmo embutindo inicialmente outras designações – como responsabilidade social corporativa –, tendo consolidado a sustentabilidade como um pilar estratégico, vinculado a padronizações e complexidades regulatórias, para criar valor dentro das companhias.

Diferentes fatores têm contribuído para impulsionar proativamente o ESG: desafios globais, como a crise climática, conflitos sociais decorrentes de diferentes demandas, crescente empoderamento dos stakeholders (partes interessadas) e o incremento tecnológico dos sistemas de IA sobre tudo e todos.

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O conceito de ESG não deve ser confundido com um modelo de negócio ou ferramenta operacional. Trata-se de uma abordagem transversal de gestão e disclosure, centrada na identificação, mensuração e transparência de riscos e impactos não financeiros — ambientais, sociais e de governança — que possam influenciar o desempenho econômico das organizações no curto, médio e longo prazo.

Nesse contexto do novo ESG, a inteligência artificial tem se mostrado uma aliada estratégica na viabilização técnica do ESG, especialmente na automação da coleta, classificação e auditoria de grandes volumes de dados não estruturados, o que permite aumentar a eficiência, a rastreabilidade e a tempestividade dos relatórios ESG.

Embora decisões como políticas de diversidade ou inclusão dependam fundamentalmente de compromissos institucionais e governança corporativa, a tecnologia pode apoiar a detecção de vieses, a avaliação de métricas de equidade e a identificação de padrões comportamentais, fornecendo insumos valiosos para a tomada de decisões conscientes e baseadas em evidência.

No contexto da padronização métrica, a União Europeia tem avançado significativamente na consolidação de sua taxonomia verde — um sistema de classificação que estabelece critérios técnicos rigorosos para identificar atividades econômicas consideradas ambientalmente sustentáveis e que trazem significativa contribuição para mitigar as mudanças climáticas, inspirando inúmeros países.

Essa taxonomia abrange diversos setores estratégicos, como energia, transporte e construção civil, definindo parâmetros específicos que orientam empresas e investidores na transição para uma economia de baixo carbono.

A busca por um alinhamento de métricas ESG, acabou alinhando duas das maiores entidades normativas do planeta em torno de métricas ESG universais: a IFRS Foundation (padrões IFRS1 S1 e S2) e a Global Reporting Initiative (GRI). Em entendimento formalizado, a atuação em conjunto visou definir padrões, indicadores temáticos e setoriais, tanto no International Sustainability Standards Board (ISSB) quanto no Global Sustainability Standards Board (GSSB).

Segundo as entidades, “esta colaboração busca fornecer um sistema de relatórios de sustentabilidade integrado, global e abrangente para empresas que buscam atender às necessidades de informações de investidores e de uma gama mais ampla de partes interessadas”.[1]

O que se pode depreender desse esforço é que as métricas ESG estão deixando de ser um diferencial competitivo para se consolidar como requisito regulatório essencial. Dessa forma, os relatórios ESG deixam de ser somente documentos voluntários ou separados para se tornarem parte dos relatórios financeiros obrigatórios das empresas, conectados à materialidade financeira, até porque questões ambientais, sociais e de governança afetam o desempenho econômico das empresas.

O conceito de sustentabilidade veio se robustecendo corporativamente nos anos 2000. Revive o que estava registrado no pioneiro Relatório de Brundtland, de 1987, elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU.

Este documento, que recebeu o título de “Nosso Futuro Comum”[2], trouxe a público pela primeira vez, o que seria o conceito de desenvolvimento sustentável, como sendo aquele que “atende as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras”. E foi nessa toada que o ESG acelerou sua evolução.

Nesse espectro, as empresas não poderiam mais ficar apartadas do que acontecia no mundo , elas também tinham um papel a cumprir no desenvolvimento sustentável do planeta, e isso ficou claro com o aumento das pressões exercidas por parte dos stakeholders (comunidades, investidores, clientes, funcionários, parceiros negociais, reguladores etc.), que não aceitavam omissão social, operações poluidoras, demandando a criação de diretrizes capazes de avaliar os impactos ambientais (provavelmente o mais visível, seja a poluição do ar e dos oceanos, com reflexos imediatos na saúde da população) e surgimento de frameworks para mensurar todos esses impactos.

O primeiro ponto de virada do ESG, segundo pesquisadores, veio com a crise financeira de 2008 ou a chamada “crise do subprime”, causada por empréstimos imobiliários concedidos nos Estados Unidos a devedores que não tinham como honrar suas dívidas. Com isso, o calote cresceu, levou a uma queda nos preços dos imóveis e colapso de grandes empresas, inclusive bancos, gerando impactos na economia norte-americana e mundial.

Era hora de adotar práticas austeras de governança que se encontravam explicitadas no ESG, aliando-as aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, criados três anos antes. Ambos possuem uma sinergia em comum – a criação de um futuro sustentável, visando mitigar riscos e impulsionar reputações.

O segundo ponto de virada para a consolidação do ESG, já enraizado nos ODS, veio com a pandemia da Covid-19, que aumentou a pressão para a participação das corporações na vida do planeta, seja do ponto social, ambiental ou econômico no sentido de contribuir para fomentar um futuro mais sustentável, essa responsabilidade teria de ser compartilhada.

Um impacto de saúde pública dessa dimensão teve uma resposta do mercado e, segundo a Bloomberg, os ativos ESG somaram US$ 38 trilhões em 2020, registrando um crescimento de 25% se comparado ao período anterior à pandemia, um compromisso do mercado com metas sustentáveis e com a perspectivas de prosperidade.

Com o vetor da sustentabilidade em prioridade na última década, o ESG vem ampliando a conformidade. Em termos de padronização métrica, a União Europeia saiu na frente e continua a expandir sua taxonomia verde (mitigação das alterações climáticas, proteção de água e recursos, restauração de biodiversidade ecossistema, prevenção e redução da poluição, transição para economia circular e adaptação às mudanças climáticas), que define um sistema de classificação de sustentabilidade das empresas, inspirando vários países.

A regulamentação europeia é feita pela Diretiva CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive), a determinar que as companhias divulguem nos relatórios ESG seus impactos ambientais e sociais e como suas ações envolvendo a sustentabilidade afetam seus negócios, a partir do princípio da dupla materialidade, ou seja, demonstram impactos dos risos, mas também as oportunidades de suas operações.

No Brasil, recentemente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), responsável pelo sistema regulatório, lançou pesquisa sobre a divulgação de informações sobre a pauta ESG no mercado de valores mobiliários brasileiro para reunir dados sobre o estudo de Análise de Resultado Regulatório (ARR), conforme Resolução CVM 59, no que concerne à divulgação de informações ESG no Formulário de Referência.[3]

A Resolução CVM 59/2021 atualizou o arcabouço normativo aplicável ao Formulário de Referência, instrumento obrigatório para companhias abertas no Brasil. Entre suas inovações, a norma passou a exigir a divulgação de informações relativas a práticas ambientais, sociais e de governança, reforçando o princípio da transparência perante o mercado de capitais.

Embora a obrigação não delimite padrões específicos de reporte, a CVM espera que as companhias apresentem informações relevantes, consistentes e comparáveis, de forma a permitir a adequada avaliação, por parte de investidores e outros stakeholders, dos riscos e oportunidades relacionados a aspectos ESG que possam afetar a situação econômico-financeira ou a estratégia da empresa. A medida representa um avanço na integração dos fatores ESG ao regime informacional das companhias brasileiras, em alinhamento com tendências internacionais.

Ao ter na sustentabilidade seu pilar estratégico, o ESG traz uma nova questão: as metas de sustentabilidade têm, sim, relação com o desempenho financeiro das empresas, por isso a ideia de priorizar a sustentabilidade em detrimento dos lucros está ultrapassada.

Surge na esfera do ESG o conceito de “impact accounting”, tão bem definido pela pesquisadora portuguesa Sofia Conde: “Na prática, trata-se de quantificar externalidades, ou seja, calcular, por exemplo, o custo ambiental e social de cada tonelada de emissões de gases com efeitos de estufa, ou o valor econômico gerado por melhorias nas condições laborais. A monetização destes efeitos permite que investidores, reguladores e consumidores compreendam, de forma objetiva, o impacto monetário das empresas sobre o ambiente e a sociedade”.[4]

Neste contexto de mudanças de paradigmas, o ESG caminha para ser um modelo estratégico mais integrado e mensurável para as empresas, com foco real e dotado de valor de longo prazo. Há um impacto transformador do ESG, lastreado pela sustentabilidade dentro das corporações, influindo na otimização de práticas, no fortalecimento dos stakeholders e na tomada de decisões estratégicas.


[1] https:/www.ifrs.org/news-and-events/news/2024/06/issb-delivers-further-harmonisation-of-the-sustainability-disclosure-landscape-new-work-plan/

[2] https://www.are.admin.ch/are/en/home/media/publications/sustainable-development/brundtland-report.html

[3] https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/2025/cvm-lanca-pesquisa-sobre-divulgacao-de-informacoes-esg

[4] https://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/do-esg-ao-impact-accounting-uma-nova-oportunidade-para-as-empresas-portuguesas

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