Esse ano faz dez anos que vivemos um marco. Em setembro de 2015, tivemos a primeira audiência pública no Senado Federal voltada para pessoas com nanismo, com um objetivo claro: solicitar políticas públicas que garantissem direitos e dignidade. Embora algumas (pequenas) vitórias já tivessem sido conquistadas no passado, esse momento marcou um novo rumo à visibilidade de uma população que, durante anos, foi esquecida, ignorada e silenciada.
É inegável que, de lá para cá, tivemos avanços significativos. Mas, infelizmente, ainda existe um longo caminho a ser percorrido – uma jornada repleta de barreiras que já deviam ter sido superadas há muito tempo.
O primeiro desafio é o preconceito. Vivemos em um tempo no qual a discriminação – seja ela racial, de gênero, por orientação sexual ou deficiência – já não pode mais ser tolerada. Vemos as novas gerações discutindo sobre o respeito à diversidade desde os primeiros anos da escola. No entanto, parece que o nanismo fica de fora dessas conversas – mesmo quando elas são sobre capacitismo. Ainda vivemos uma realidade dolorosa na nossa comunidade, que precisa ser enfrentada com educação, justiça e políticas públicas eficazes.
Na minha concepção, a maior arma contra qualquer tipo de preconceito é a informação. Mas de nada adianta se ela não estiver ao alcance de todos – pais, mães, profissionais de saúde, educadores, gestores públicos. E ela não apenas precisa estar disponível, mas também ser propagada por quem a recebe: todos nós devemos ser agentes de transformação a partir do conhecimento. Só assim conseguiremos romper com os ciclos duradouros de exclusão e invisibilidade.
Outro desafio que se tornou ainda maior nos últimos anos é o acesso a tratamentos. Há dez anos, quem tinha acondroplasia (assim como eu), o tipo mais comum de nanismo, recebia, junto com o diagnóstico, a incerteza de um futuro. Não havia nenhum tratamento farmacológico para a doença, e o conhecimento médico era extremamente restrito aos grandes centros e limitado aos poucos profissionais que se interessavam pelo assunto. Hoje, felizmente, com o avanço da ciência, foi desenvolvido o primeiro medicamento que trata a acondroplasia desde a primeira infância, trazendo esperança de vida e de um futuro à minha comunidade.
O cuidado adequado traz inúmeros benefícios. Ele representa melhoria na qualidade de vida, especialmente no que diz respeito à atenuação de comorbidades sérias, como a apneia do sono, complicações ortopédicas e a compressão da coluna espinhal, que, se não tratadas, podem ser fatais. Não, o tratamento não é só aumento de estatura. É muito mais do que um ganho médico. É um ganho de humanidade.
Apesar dos avanços, o acesso ao tratamento ainda é um desafio. Mesmo já contando com aprovação regulatória pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2021 e tendo estudos robustos que comprovam sua eficácia e segurança, o medicamento ainda não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, quem tem acondroplasia precisa recorrer à Justiça para buscar o acesso e, com isso, acaba ficando à mercê da decisão de um juiz.
Estamos em constante diálogo com o laboratório que criou o medicamento e buscando meios junto ao Ministério da Saúde de criar um protocolo clínico de diretrizes terapêuticas, para que haja um processo formal de acesso a tratamentos para a acondroplasia.
É evidente que o tratamento é uma parte significativa da equação. Entretanto, a falta de informação sobre o nanismo continua a ser um grande – se não o maior – entrave, bem como a falta de capacitação médica adequada, de conhecimento aprofundado sobre genética e, sobretudo, de empatia para lidar com as particularidades físicas e emocionais de quem vive com a minha condição.
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Esta carta é, portanto, um apelo. Um grito por respeito. Pelo direito à vida. É sobre sermos vistos e ouvidos. Sobre termos vez e voz, porque não queremos apenas ser lembrados pelo poder público ocasionalmente. Queremos (e precisamos, na verdade) fazer parte das decisões, construir políticas públicas sólidas, influenciar a sociedade. Precisamos deixar de ficar à mercê – e a responsabilidade de uma convivência mais justa é de todos nós.
Quando eu penso no futuro, nos próximos dez anos, o meu desejo é simples: que as novas gerações com nanismo cresçam num país onde possam ser protagonistas da sua própria história. Que não tenham medo de serem quem são e não precisem enfrentar barreiras que as impeçam disso. Que se sintam respeitadas, valorizadas e livres. Pois, apesar do nanismo, somos pessoas.