Reforma tributária e o novo tabuleiro das relações de trabalho

A Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, surge como a mais recente guinada na já turbulenta história do sistema tributário brasileiro. Ao instituir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o texto promete simplificar a intricada teia de tributos que recai sobre o setor produtivo. Porém, para os empregadores, o que parece uma “solução milagrosa” também traz armadilhas: a insegurança jurídica e as mudanças profundas nas relações de trabalho que, no fim das contas, podem incidir diretamente nos custos operacionais.

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Não é de hoje que o empresariado brasileiro clama por transformações que tornem o ambiente de negócios mais equilibrado. Aliás, não há dúvidas de que a reforma tributária era aguardada como forma de corrigir gargalos e desequilíbrios. Contudo, o debate é menos romântico na prática. O real impacto da LC 214/25 dependerá não só das boas intenções do texto legal, mas do como — e se — a regulamentação será efetivamente aplicada. Há um temor legítimo de que a suposta “neutralidade” do novo regime acabe penalizando setores intensivos em mão de obra, trazendo, na contramão, um incentivo involuntário à terceirização ou mesmo à automatização de processos.

Apesar de avanços inegáveis na promessa de padronização tributária, os obstáculos para implementação não são desprezíveis. A fim de que a reforma cumpra seu papel, serão cruciais acordos e definições sobre alíquotas, partilha de recursos e normas complementares. É nesse tabuleiro que os empregadores precisam ficar atentos: qualquer mudança que afete a carga tributária, direta ou indiretamente, repercute de forma decisiva na gestão de pessoas.

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Se, por um lado, há ganhos potenciais — como a possibilidade de apropriar créditos de IBS/CBS na aquisição de bens e serviços destinados a empregados (planos de saúde, vale-alimentação, auxílio-educação etc.) —, por outro há riscos claros de elevação de custo em áreas mais sensíveis. O equilíbrio entre redução de despesas e a manutenção de uma política robusta de benefícios pode se tornar um desafio constante, ainda mais sob a mira de um cenário econômico imprevisível.

Olhando com lupa para o contrato de trabalho, alguns pontos chamam a atenção do empresariado:

Tributação de Benefícios ao Empregado

Sob a nova lei, créditos de IBS/CBS podem ser apropriados em serviços contratados para o empregado, como planos de saúde. Isso não apenas incentiva a manutenção de certos benefícios, mas pode estimular o redesenho de pacotes de compensação. O fator a ser pesado é se o ganho tributário justifica o incremento ou a preservação desses benefícios em tempos de margens apertadas.

Deduções e Créditos sobre Custos Operacionais

A possibilidade de abater custos ligados a infraestrutura e tecnologia de home office (entre outros) pode fazer com que as empresas ampliem de vez o teletrabalho, reduzindo despesas de manutenção física e, simultaneamente, gerando créditos tributários. Contudo, é preciso ter cautela: a adoção massiva do home office pode demandar investimentos em segurança cibernética e gestão de equipes, exigindo planejamento prévio.

Reformulação de Planos de Previdência Complementar

Se a reforma deslanchar incentivos fiscais a determinados tipos de investimento, os planos de previdência privada oferecidos pelas empresas podem se tornar ainda mais atrativos — ou, numa hipótese menos otimista, podem perder relevância, caso a carga tributária sobre esse benefício se torne pesada demais.

Alteração na Contribuição Previdenciária

É plausível que a busca por maior equilíbrio de arrecadação leve a mudanças significativas na forma de contribuição previdenciária, impactando a folha de pagamento. Isso significa que empregadores poderão encarar ajustes de alíquotas ou novas bases de cálculo, com reflexos imediatos na saúde financeira do negócio.

Em meio a essas variáveis, a instabilidade jurídica e econômica desponta como um dos maiores temores. Se, de fato, a reforma provocar extinção ou redução de benefícios fiscais até então vigentes, as empresas sentirão de perto as consequências. Modelos de remuneração poderão ser revistos, sistemas de bonificação adequados e departamentos de recursos humanos terão de encontrar saídas para equilibrar competitividade e retenção de talentos.

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Outra tendência preocupante é a possibilidade de empresas migrarem para soluções de terceirização ou intensificarem a mecanização de processos, caso a folha de pagamento seja sufocada por novos encargos. Na perspectiva do empregador, isso pode significar ganhos de eficiência, mas não sem possíveis repercussões legais e sindicais. Há, portanto, uma necessidade de monitoramento constante das regulamentações complementares e das negociações coletivas, que podem delimitar até onde esses ajustes vão.

O que a LC 214/25 inaugura é um momento de ruptura e, simultaneamente, de oportunidade. O empresariado brasileiro, especialmente aquele que depende fortemente de mão de obra, se verá numa encruzilhada: reestruturar seus processos, custos e pacotes de benefícios ou simplesmente repassar a conta ao consumidor final (o que nem sempre é viável, dependendo do ramo de atividade).

No fim do dia, a reforma tributária não mexe apenas com planilhas contábeis, mas com a estratégia de sobrevivência e crescimento do negócio. Alinhar planejamento tributário com gestão de pessoas será primordial para competir nesse cenário. Aquele empregador que se antecipar — investindo na compreensão das normas, buscando consultorias especializadas e ajustando a estrutura interna de modo eficiente — terá mais chances de navegar com solidez pelas incertezas que a própria reforma carrega.

No entanto, é impossível ignorar que o percurso ainda será turbulento. Enquanto as regras se assentam, o equilíbrio delicado entre manutenção de postos de trabalho, busca por eficiência operacional e mitigação de custos tende a exigir habilidade gerencial e planejamento de longo prazo. A LC 214/25, portanto, pode se revelar tanto como alavanca de modernização quanto como detonador de novos entraves, dependendo de como cada empresa se prepara para as inevitáveis transformações que surgem no horizonte.

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