COP30: caminhos para descarbonizar setores hard-to-abate

A realização da COP30 em Belém projeta o Brasil como interlocutor relevante em temas ambientais e climáticos, especialmente no que diz respeito à construção de uma agenda produtiva de baixo carbono. Um dos principais desafios globais envolve a transformação de setores de difícil descarbonização — os chamados hard-to-abate — como transporte pesado, indústria química, cimentos, siderurgia e saneamento.

O enfrentamento desses desafios passa, necessariamente, por soluções integradas de regulação, bioeconomia e economia circular. Nesse contexto, o Brasil apresenta condições estruturais promissoras: matriz energética majoritariamente renovável, abundância de biomassa e resíduos, base agroindustrial diversificada e um arcabouço legal em processo de aperfeiçoamento.

Informações direto ao ponto sobre o que realmente importa: assine gratuitamente a JOTA Principal, a nova newsletter do JOTA

O Brasil já deu passos importantes nos últimos dois anos. A recente publicação do Plano Nacional de Economia Circular 2025-2034 (Planec) e a Estratégia Nacional de Bioeconomia (Decreto 12.044/2024) são expressões dessa ambição, que também se materializa nas alterações promovidas no âmbito da Política Nacional de Resíduos Sólidos, conforme Decreto 12.451/2025 e na Lei dos Combustíveis do Futuro (Lei 14.993/2024).

Essas medidas fortalecem a soberania produtiva e valorizam as cadeias nacionais de reciclagem e logística reversa, produção de biocombustíveis, priorizando também a destinação ambientalmente adequada de resíduos.

Nesse contexto, a circularidade deixa de ser apenas uma diretriz ambiental e passa a estruturar uma nova lógica produtiva. O modelo circular busca eliminar o conceito de perdas, substituindo a lógica de linearidade por cadeias regenerativas e inteligentes. Trata-se de um modelo produtivo ex ante, com perspectiva sob o conceito de Triple Bottom Line (TBL) — pessoas, planeta e lucro — desde a concepção das políticas aos negócios.

A regulação exerce aqui papel central, orientando investimentos, induzindo inovação e criando ambientes seguros para a alocação de capital em infraestrutura verde. A circularidade não é, portanto, apenas reaproveitamento, mas, sim, arquitetura normativa que busca reconectar cadeias produtivas com objetivos climáticos. Transformar resíduos sólidos urbanos em biocombustível, óleo de cozinha usado em sabão ou resíduos agroindustriais em biometano e biofertilizantes são exemplos já em execução. 

No setor de saneamento essa lógica ganha ainda mais força. Com a valorização energética de resíduos sólidos urbanos e de esgotos sanitários, o setor passa a operar como vetor de transição energética e circularidade. A nova visão de aterros sanitários como hubs tecnológicos e ecoparques de rotas integradas abre caminho para geração de receitas, redução de pegada de carbono e fabricação de novos produtos e coprodutos associados.

Sob esse prisma, a regulação setorial atua como vetor de previsibilidade jurídica, indução de inovação e valoração ambiental. A promulgação do Decreto 12.451/2025 reflete um redesenho do marco regulatório de resíduos que incorpora critérios técnicos (reciclabilidade, impacto social, viabilidade econômica) e veda o uso de resíduos importados em mecanismos de compensação fiscal, como os créditos de logística reversa. Trata-se de um novo paradigma jurídico: em vez de neutralizar passivos, passa-se a premiar externalidades positivas e estimular modelos de negócios regenerativos.

De acordo com o Circularity Gap Report 2023, apenas 7,2% dos materiais extraídos globalmente retornam à cadeia produtiva. Isso expõe tanto a urgência quanto a oportunidade: o mercado da economia circular pode movimentar até US$ 7,7 trilhões até 2030 e gerar mais de 65 milhões de empregos nos setores de baixa emissão de carbono.

Um ambiente capaz de gerar valor para prestadores de serviços públicos e privados, reduzir custos operacionais, criar empregos e impulsionar externalidades positivas previstas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) poderá servir de palco durante os debates da COP30. Para tanto, o país precisará escalar o uso de instrumentos econômicos e financeiros.

Green bonds, sustainability-linked bonds, fundos de infraestrutura verde e comercialização de ativos ambientais devem ser utilizados, com métricas claras de circularidade e rastreabilidade. Iniciativas como sandboxes regulatórios podem ser úteis para testar tecnologias emergentes e impulsionar projetos inovadores, enquanto a atuação articulada entre agências reguladoras, bancos públicos e fóruns climáticos é essencial para garantir consistência e escalabilidade de novas soluções.

Estados e municípios também têm papel decisivo na implementação das metas e projetos de economia circular — seja pela gestão de resíduos sólidos, novos contratos de mobilidade ou modelagens pioneiras de PPPs. A indução de sinergias pode garantir coerência institucional e ampliar a efetividade das políticas desenhadas em nível federal, uma vez que é no nível subnacional que muitas das soluções circulares ganham tração. 

Ainda em números, no Brasil a economia circular tem potencial para gerar mais de 1 milhão de empregos até 2030 e agregar R$ 100 bilhões anuais ao PIB, segundo estimativas conservadoras. Ao priorizar a industrialização verde com uso de bioprodutos em substituição a insumos petroquímicos, o Brasil pode capturar cadeias de valor associadas à bioindústria. Com efeito, a regulação nesse sentido deve ser vista não como obstáculo, mas como instrumento de competitividade.

Com a COP30 no horizonte, o Brasil tem a oportunidade de demonstrar que os desafios ambientais exigem soluções sistêmicas, baseadas em planejamento integrado, instrumentos regulatórios eficazes e inovação tecnológica.

A transformação dos setores de difícil descarbonização dependerá da consolidação de marcos legais que promovam circularidade, assegurem rastreabilidade e incentivem modelos produtivos regenerativos. O fortalecimento institucional contínuo e possibilidades de financiamento são elementos centrais para consolidar uma economia mais eficiente, resiliente e compatível com os desafios climáticos locais e globais. 

Adicionar aos favoritos o Link permanente.