Citação por aplicativos de mensagens ou por redes sociais em ações cíveis

Na coluna desta semana, abordaremos o sempre polêmico assunto relativo à possibilidade de se promover a citação a partir de aplicativos de mensagens ou por redes sociais. O assunto ganhou contornos mais significativos, recentemente, em razão de a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça haver afetado dois recursos especiais[1] ao rito dos repetitivos (Tema 1.345[2]), sob a relatoria do ministro Sebastião Reis Júnior.

A proposta de afetação se deu no âmbito dos Recursos Especiais 2.160.946 e 2.161.438, cuja controvérsia é a seguinte: definir se é válida a citação em ações cíveis[3] por meio de aplicativos de mensagens ou de redes sociais.

Informações direto ao ponto sobre o que realmente importa: assine gratuitamente a JOTA Principal, a nova newsletter do JOTA

Por mais palpitante que seja o tema no âmbito doutrinário, a questão ainda não foi tão discutida na jurisprudência do STJ, tendo em conta que em poucas oportunidades se enfrentou colegiadamente a questão em matéria cível[4].

Na discussão sobre a afetação do tema, o Ministério Público Federal deu parecer pela não afetação, por entender que, havendo apenas três acórdãos na corte, evidenciava-se a necessidade de um debate mais amplo sobre a matéria.

Na mesma linha, os ministros Raul Araújo e Ricardo Villas Bôas Cueva divergiram do relator e votaram pela não afetação, por compreenderem que seriam necessários mais acórdãos para o amadurecimento do debate.

Por outro lado, no voto que conduziu à afetação dos recursos especiais à sistemática dos repetitivos, o ministro Sebastião Reis Júnior argumentou que a existência de um reduzido número de acórdãos, mas de um considerável quantitativo de decisões monocráticas (76, conforme o voto), sugeriria que a temática já teria sedimentação nos órgãos colegiados daquele tribunal. Nessa linha, sendo madura a matéria, possibilitar-se-ia a formação de um precedente judicial dotado de segurança jurídica.

Registramos aqui nossa concordância com o voto do ministro Sebastião Reis Júnior. Não obstante se tenha, de fato, poucos julgados colegiados sobre o tema no STJ, há inúmeras decisões monocráticas e o tema releva indubitavelmente um risco de insegurança jurídica, com julgados nos mais diversos sentidos nos tribunais locais.

Urge, de fato, que o STJ cumpra seu papel e, a partir da tese a ser firmada, pacifique a questão, notadamente no âmbito de recurso repetitivo, de modo a formar um precedente persuasivo.

Mas de onde se origina a polêmica?

Pois bem. A Lei 14.195, de 26 de agosto de 2021, promoveu mudanças no Código de Processo Civil atual, dentre as quais na redação do art. 246, que cuida da citação. Assim, a partir da mudança, a citação passou a ser feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até dois dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do CNJ. Dita regulamentação se deu com a Resolução 455/2022, que instituiu o Portal de Serviços do Poder Judiciário, na Plataforma Digital do Poder Judiciário.

Em tal resolução, regulamentou-se ainda o Domicílio Judicial Eletrônico, ambiente digital integrado ao Portal de Serviços, para a comunicação processual entre os órgãos do Judiciário e os destinatários que sejam ou não partes na relação processual, com utilização obrigatória por todos os tribunais.

A questão é que, a partir da leitura da nova redação do art. 246, muitos advogados passaram a argumentar, encontrando guarida em algumas decisões judiciais, que haveria uma autorização para se interpretar que a citação eletrônica poderia se concretizar por outras ferramentas tecnológicas, que não apenas o e-mail, como por meio de aplicativos de mensagens ou por redes sociais.

A questão tem chegado ao STJ, como já era esperado, em razão do debate de matéria infraconstitucional que permeia o tema. Cumpre aqui analisar as decisões colegiadas do tribunal, existentes até o momento, enfrentando o tema.

No âmbito do REsp 2.026.925[5], a 3ª Turma desautorizou a citação por meio de redes sociais, ao negar provimento ao recurso especial de uma empresa, que pretendia que a citação de um devedor pudesse ser considerada válida por meio de mensagem eletrônica em suas redes sociais, fruto da dificuldade de citação pessoal.

Nos termos do voto da relatora, mesmo que se possa convalidar a comunicação, na hipótese de cumprir a sua finalidade, não há base ou autorização legal para se promover por meio de aplicativos de mensagens ou por redes sociais, razão pela qual o uso poderia vir a caracterizar vício de forma que resulta em declaração de nulidade dos atos.

Ainda segundo o julgado, o art. 246, com a redação conferida pela Lei 14.195/2021, cuidou da citação ao e-mail cadastrado pela parte, mas não da possiblidade de comunicação por aplicativos de mensagens ou de redes sociais. Da mesma forma, para a relatora, nem o art. 270 do CPC e nem o art. 5º, § 5º, da Lei 11.419/2006 (Lei do Processo Eletrônico) dão amparo à tese de que já existiria autorização na legislação brasileira para a citação por redes sociais.

Em outro acórdão, na mesma 3ª Turma, no REsp 2.045.633/RJ[6], anulou-se citação realizada por meio do aplicativo WhatsApp, por compreender que houve prejuízo para a ré, mãe que ficou revel em ação de destituição do poder familiar ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

No caso concreto, a relatora considerou que não teria havido prévia certificação sobre a identidade do destinatário, bem como o fato de que a citanda não sabia ler e nem escrever. De todo modo, ressalvou que, se a citação for realmente eficaz e cumprir a sua finalidade, que é a de dar ciência inequívoca acerca da ação judicial proposta, a citação pelo WhatsApp é de ser considerada válida, porque a forma não pode se sobrepor à efetiva cientificação que indiscutivelmente ocorreu.

Na mesma toada, no julgamento do REsp 2.030.887/PA[7], também na 3ª Turma, deu-se parcial provimento ao recurso, para reconhecer a existência de defeito na citação pelo aplicativo WhatsApp, não obstante tenha se reconhecido a possibilidade de convalidação da nulidade, se porventura o ato de ciência inequívoca acerca da existência da ação houver sido atingido.

Mais recentemente, a mesma 3ª Turma se manifestou no AgInt no AREsp 2713420/DF[8]. Compreendeu-se que a citação por WhatsApp é de ser considerada válida nas circunstâncias do caso concreto, pois cumpre sua finalidade de dar ciência inequívoca à parte requerida. Reconheceu-se, ainda, a fé pública da certidão do oficial de justiça, que atestou a ciência da parte citada.

O que esperar do julgamento do referido tema afetado no âmbito do STJ?

Primeiro, imaginamos e esperamos que, a exemplo de outros tantos repetitivos de relevo em matéria processual, aquela corte venha a promover um amplo debate, inclusive admitindo a presença de amici curiae.

Outrossim, a considerar os julgamentos colegiados já existentes, assim como a maior parte das decisões monocráticas, imagina-se que a Corte Especial do STJ venha a rechaçar a interpretação de que a citação por meio de aplicativos de mensagens – como o WhatsApp – ou por meio de redes sociais – como o “direct” do Instagram -, estaria autorizada pelo art. 246 do CPC.

Não foi, ao que parece, a intenção do legislador, com a Lei 14.195/2021, estatuir que a citação por meio eletrônico viabilizaria o uso de aplicativos de mensagens ou de redes sociais. Do contrário, fica claro, até mesmo pelas regulamentações recentes, alusivas ao Domicílio Judicial Eletrônico, que a citação por meio eletrônico é aquela admitida no e-mail cadastrado pelo respectivo sujeito, e nos termos disciplinados pelo Conselho Nacional de Justiça.

Isso não significa, no entanto, que não se fará uma ressalva, quando do julgamento do Tema 1.345, quanto à possível convalidação do ato casuisticamente. Ocorre que, imaginando-se que um determinado Juízo venha a utilizar o WhatsApp ou o Instagram para promover excepcionalmente uma citação, por não conseguir concretizá-la de outro modo, havendo comparecido o réu ou o executado para apresentar sua defesa ou manifestação, é possível se compreender que restará convalidado o ato, em nome do princípio da instrumentalidade das formas, consagrada, dentre outros, no art. 188 do CPC.

Podemos, inclusive, assimilar que eventual comparecimento do réu ou do executado, a partir da citação feita por aplicativo de mensagem ou por rede social, configurará um negócio jurídico tácito, em que se aceitou, para a concretização da citação, forma diversa daquela prevista em lei.

O que não se poderá admitir é a decretação da revelia se utilizado apenas o aplicativo de mensagem ou a rede social, porque não haverá a confirmação de que efetivamente o destinatário da citação houve por recebê-la. Para isso, far-se-ia necessária uma nova modificação no CPC, com a posterior regulamentação do CNJ, incluindo-se taxativamente as expressões “aplicativos de mensagens” e “redes sociais”.

Cumpre, ainda, tecer dois registros sobre a controvérsia a ser dirimida pelo STJ, no Tema 1.345.

Primeiro, o que se haverá de decidir é a admissão do uso de aplicativos ou de redes sociais para a efetivação da citação, não da intimação. Para a intimação, a polêmica é menor, havendo inclusive o CNJ liberado, em sede de procedimento de controle administrativo[9], ainda em 2017, à unanimidade, a utilização do aplicativo WhatsApp como ferramenta para intimações em todo o Poder Judiciário.

]Em seu voto, a conselheira Daldice Santana compreendeu que a ferramenta pode ser utilizada para realizar intimações das partes que assim optarem, mantendo-se os meios convencionais às partes que não se manifestarem ou que descumprirem as regras previamente estabelecidas. Compreendemos, de todo modo, que o mais adequado seria, também para a intimação, uma previsão expressa no CPC, de modo a assegurar maior segurança jurídica à concretização desse ato.

O segundo ponto é que, independentemente de como se venha a decidir na tese a ser firmada pela Corte Especial do STJ, não poderão ser afetadas prerrogativas como as possuídas pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública, cujas citações necessariamente precisam ser pessoais.

Da mesma forma, entendemos que não se haverá de compreender como possível o uso de aplicativos de mensagens ou de redes sociais para citar réus ou executados incapazes, ou nas ações de estado. Para ações de estado, há julgado da Corte Especial do STJ, reconhecendo como inviável a citação através do aplicativo de mensagem WhatsApp, já que, nesse tipo de ação, é obrigatória a citação pessoal do réu, nos termos do art. 247, inciso I, do CPC. [10]

Resta-nos, pois, aguardar as cenas dos próximos capítulos. Como dissemos acima, indispensável que seja amplo e democrático o debate no âmbito da Corte Especial, para que se tornem maduros os posicionamentos e, como consequência, os ministros possam adotar o posicionamento mais adequado para dirimir as inúmeras polêmicas, viabilizando segurança jurídica à concretização de ato de tamanha relevância para a regularidade de uma relação processual.


[1] REsp 2.160946/SP e REsp 2.161438/SP.

[2]https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=1345&cod_tema_final=1345, acesso em 29 de maio de 2025.

[3] É importante se fazer a ressalva de que a tese haverá de ser firmada para as ações cíveis, porque há discussões, com número bastante significativo de acórdãos, no âmbito da 3ª Seção (5ª e 6ª Turmas) do STJ, para as ações penais.

[4] Até a publicação desta coluna: REsp 2.026.925, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJE 14/08/2023; REsp 2045633/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJE 14/08/2023; REsp 2.030.887/PA, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJE 07/11/2023; AgInt no AREsp 2.713.420/DF, Rel. Min. Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), 3ª Turma, DJE 17/02/2025.

[5] REsp 2.026.925, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJE 14/08/2023.

[6] REsp 2.045.633/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJE 14/08/2023.

[7] REsp 2.030.887/PA, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJE 07/11/2023.

[8] AgInt no AREsp 2.713.420/DF, Rel. Min. Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), 3ª Turma, DJE 17/02/2025.

[9] PCA 0003251-94.2016.2.00.0000, CNJ, Rel. Conselheira Daldice Santana.

[10] AgInt na HDE 8563/EX, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE 14/09/2023.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.