De que vale um nome?

Maio trouxe a eleição de um novo papa da Igreja Católica, com a decisão tomada pelo conclave. Após eleito, Robert Prevost se consagrou Leão XIV. As justificativas para a escolha do nome ganharam repercussão. Ficou evidente que a decisão possui significado, comunica algo aos fiéis e a toda a sociedade. Trata-se de uma “marca do papado”, como o novo pontífice pretende conduzir a instituição.

Assim, foram rememorados os papados de Leão XIII e sua atuação durante a Primeira Revolução Industrial, com início da doutrina social da Igreja e a defesa dos empregados nas relações de trabalho, pautadas pela encíclica Rerum Novarum (1891). Igualmente lembrou-se do Papa Leão Grande, do século V, que persuadiu Átila a não invadir Roma, poupando a destruição do Império.

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Correlações entre estes momentos históricos e os que vivemos foram imediatamente feitas, com menções aos impactos da inteligência artificial para as relações humanas, bem como à necessidade de se combater exageros de temperamentos imperialistas que têm se tornado comuns.

Corroborando com parte das análises, o próprio Leão XIV confirmou sua inspiração no antecessor imediato e na necessidade de a Igreja buscar atuar pela dignidade humana, justiça e trabalho nos nossos tempos[1].

O que será do papado de Leão XIV é difícil de prever. Mas é certo que o nome escolhido gera expectativas e se propõe a deixar marcas sob determinados temas. Em suma, já há um valor atrelado a “Leão XIV”.

Marca: o ativo (in)tangível que protege o “nome”

Na mesma semana da eleição de Leão XIV, a consultoria Brand Finance divulgou seu ranking 2024 com as 100 marcas brasileiras mais valiosas[2]. As conclusões são expressivas: as marcas brasileiras listadas valem mais de US$ 77 bilhões, aumento de 4% em relação a 2023. Pelo 8º ano consecutivo, o Itaú é a marca mais valiosa do Brasil (US$ 8,3 bilhões), com larga distância para o Banco do Brasil, o 2º colocado (US$ 5,4 bilhões). Dentre as 10 marcas mais valiosas, todas ultrapassam US$ 1,9 bilhão e quatro são de instituições financeiras. O ranking é completado por Bradesco, Petrobras, Vale, Caixa Econômica, Localiza, Brahma, Natura e Skol.

Marcas são direitos de propriedade intelectual regidos pela Lei 9.279/96 e demais tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Pela norma atual, as marcas protegem sinais visuais[3] registrados por pessoas físicas ou jurídicas, de âmbito público ou privado, junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Diferentes estudos e metodologias hoje conseguem capturar o valor de determinada marca, gerando relatórios como os da Brand Finance.

É certo consenso que a primeira e principal função da marca é identificar a origem de determinado produto/serviço no mercado[4]. Inevitavelmente, a marca cria a comunicação entre produto/serviço e seu fornecedor perante o consumidor, atestando sua procedência, qualidade, características. Como consequência, ela individualiza, tornando o produto/serviço único frente aos demais. Commodities não precisam de marca por não serem singulares para quem as compra. Consumidores de produto ou serviço únicos em um mercado tampouco se beneficiam de marcas, dado que não há entre o quê escolher.

No ambiente de livre mercado e pluralidade de agentes econômicos, a marca é elemento fundamental nas relações de consumo e na “gestão” da concorrência. Ela facilita a vida do consumidor, permitindo escolhas dentre as ofertas semelhantes. Assim, o registro limitado ao segmento de mercado de atuação impede uso de terceiros para mesmas atividades. O objetivo é deixar livre a comunicação e impedir que outro se beneficie da relação criada entre a primeira marca, seu titular e a clientela.

O uso de sistemas de IA para buscas de produtos tem trazido desafios à gestão de marcas e ao marketing de varejo. Se o uso de sistemas de IA se tornar fonte de pesquisa de opções de consumo, a marca “preferida” ou “indicada” pela ferramenta será a que receberá a atenção do consumidor.

Estratégias para ganhar relevância nesses sistemas se tornarão alvo de publicitários dos próximos anos[5]. Contudo, do lado da regulação econômica, há quem questione se isso não significaria atribuir um valor muito grande a apenas uma marca, em detrimento das demais. Ou seja, qual deveria ser o “peso” adequado para manter livre a concorrência? Qual valor ou qual nível de exclusividade seria saudável atribuir a um nome?

Ainda, há de se reconhecer que marcas estão intrinsicamente inseridas no cotidiano. Impossível pensar em um ativo intelectual mais presente no dia a dia. Se inseridas na comunicação, as marcas passam a também ser “construídas” por quem com ela se relaciona, especialmente nas redes sociais.

Não apenas campanhas publicitárias e decisões marqueteiras ditam o que “significa” a marca. Há de se considerar sua reputação e a forma como a sociedade a enxerga. Ao contrário da Idade Média, a comunicação hoje é via de mão dupla. Neste contexto, é também reveladora a pesquisa de reputação das 100 marcas mais famosas dos EUA.

O levantamento conduzido pela Axios com a Harris Poll desde 2019 indica como americanos enxergam a reputação de diferentes marcas, sob perspectivas de caráter, trajetória, confiança, ética e políticas. Em 2025, a maior queda de reputação foi sentida pela Tesla (32 posições). Meta, X e as Organizações Trump também estão sob maus olhos (posições 97, 98 e 99 respectivamente)[6].

Marcas: sinais de inovação e prosperidade

Além da proteção do nome, há forte conexão entre inovação e marcas. A criação de produtos ou serviços únicos, diferentes dos demais a ponto de requererem sua correta individualização por um sinal remete a um ecossistema inovador. Quem gera o novo, comunica que o faz – e precisa de sinais para fazê-lo.

Como indicamos neste artigo, o Global Innovation Index, publicado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), indica que a representatividade das marcas brasileiras e seu valor econômico frente às 5000 mais valiosas do mundo nos colocou na 9ª posição em 2024, contribuindo para segunda maior nota do Brasil em outputs criativos. Um mercado com marcas abundantes e de valor, portanto, é tido como mais inovador e próspero do que os demais.

Marcas também são incluídas nas análises de quais setores são intensivos em direitos de propriedade intelectual e, portanto, inovadores. No estudo sobre a “Contribuição econômica das indústrias intensivas em direitos de propriedade intelectual no Brasil”, elaborado em parceria pelo INPI, IPKey e EUIPO, em 2024, observou-se que setores econômicos que se utilizam de marcas intensamente em seus produtos/serviços representam mais de 36% do PIB nacional. Frequentemente se associam a outros direitos de PI, como patentes ou desenhos industriais.

Marcas, portanto, não são ativos intangíveis de menor quilate. Em tempos altamente comunicacionais, o valor e a mensagem que um nome, um símbolo, uma marca transmitem pode ser o sucesso ou o fracasso de um produto, serviço, empresa ou instituição. Cabe saber zelar por ele.

Em alta | maio.25

  1. Brasil. O INPI lançou seu Ranking de Depositantes 2024[7], no qual indica os 50 maiores depositantes por direito de PI, considerando titulares brasileiros ou internacionais. Sua análise revela dados interessantes sobre o sistema de PI brasileiro: enquanto os 50 maiores depositantes brasileiros de patentes representam menos de 2.000 pedidos, a Qualcomm, maior depositante internacional, depositou sozinha 1.002 patentes. Em marcas, destaque para a Sociedade Esportiva Palmeiras, que alcançou a 2ª posição, com 210 marcas depositadas, superando a Amazon, maior depositante internacional (187 depósitos).
  2. União Europeia. Disponibilizado relatório bianual coordenado pela União Europeia sobre proteção e enforcement de direitos de propriedade intelectual em países parceiros[8]. O chamado Third Country Report, da DG for Trade of the European Comission, mantém a listagem do Brasil no grau de Prioridade 3 de atenção, com Argentina, Equador, Indonésia, Nigéria e Tailândia. China, Índia e Turquia são países de maior atenção do bloco. Dentre os pontos levantados como preocupantes no sistema de PI brasileiro estão o longo prazo de decisão para pedidos de patente, a não proteção de dossiê de testes farmacêuticos, o enforcement fraco de direitos de PI perante o Judiciário, a pirataria e o comércio ilícito de produtos protegidos.
  3. Brasil. Dados do Anuário da Falsificação[9] indicam que as perdas econômicas causadas por produtos falsificados somaram mais de R$ 470 bilhões em 2024 (27% maior que ano passado). Deste valor, 40% se referem ao mercado paulista. Dentre os setores mais afetados estão bebidas alcoólicas, cigarros, vestuário, combustíveis, material esportivo, cosméticos, defensivos agrícolas, medicamentos e brinquedos. A avaliação é que o aumento também se deve à mais ampla utilização de canais eletrônicos de vendas destes produtos.
  4. EUA. Mariangela Hungria foi a primeira brasileira a conquistar o Prêmio Mundial da Alimentação (World Food Prize), considerado o Nobel da Agricultura[10]. O prêmio foi concedido em razão de suas pesquisas relacionadas a alternativas sustentáveis (como microrganismos) para substituição de fertilizantes químicos na agricultura. A engenheira agrônoma da Embrapa e professora da Universidade de Londrina também já foi reconhecida com Prêmio Mulheres e Ciência, do CNPq, em 2025.
  5. Brasil. Regulamentação da inteligência artificial avança no país com a criação de Comissão Especial, na Câmara dos Deputados, para discussão do PL 2338, previamente aprovado no Senado. Presidido pela deputada Luisa Canziani e com relatoria do deputado Aguinaldo Ribeiro, a Comissão pretende realizar 10 audiências públicas e aprofundar o debate do texto entre junho e setembro, além de seminários regionais e um seminário internacional antes de concluir seu parecer.
  6. Brasil. Ancine e Anatel formalizaram Acordo de Cooperação Técnica para unir esforços no combate à distribuição ilegal de conteúdo audiovisual em meios digitais[11]. As agências ampliam as bases de atuação frente a esse tipo de pirataria, com foco em intensificar a fiscalização e o bloqueio de sites que disponibilizam filmes, séries e eventos esportivos sem autorização dos titulares dos direitos.

[1] Como mostra o vídeo da CNN internacional em https://edition.cnn.com/2025/05/10/world/video/pope-leo-explains-name-choice-vrtc

[2] Relatório disponibilizado desde 2000 pela Brand Finance. Pode ser acessado pelo link https://brandirectory.com/reports/brazil

[3] Há intensa discussão se não deveria ampliar-se a possibilidade de registro para outros sinais igualmente perceptíveis, como sinais sonoros ou olfativos, como já é realidade em outros países há décadas. Para facilitar a compreensão desta discussão, ‘visualize’ a vinheta da Globo ou o som da Intel. Note como existe a correlação entre tal som e tal empresa/produto. As dificuldades operacionais para registro são usadas como justificativa de impedimento desta alteração legislativa.

[4] Entende-se que o reconhecimento de marcas registradas como inseridas em contexto econômico remete à Idade Média com as Corporações de Ofício, que detinham sinais específicos para identificar sua produção, normalmente após ordenação real. Antes disso, sinais eram usados para indicar propriedade (como marcações em brasa feitas em rebanhos), autoria ou momento de criação (como marcas em porcelanas chinesas indicando qual era o Imperador no momento da sua confecção).

[5] Conforme indica este artigo de Andreessen Horowitz, trata-se das práticas de GEO – generative engine optimization, que visam otimizar conteúdo e estrutura de sites para aumentar visibilidade por sistemas de IA, como Chat GPT. Há dados indicando que IA já tem alterado o tráfico de visitas de sites em determinados mercados, modificando a lógica anterior de ranqueamento dos links nos tradicionais sistemas de busca, como Google. Disponível em https://a16z.com/geo-over-seo/?utm_source=social&utm_medium=li&utm_campaign=enterprise

[6] Mais informações e a lista completa disponíveis via https://www.axios.com/2025/05/20/axios-harris-poll-company-reputation-ranking?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newsletter_axiosam&stream=top

[7] Disponível em https://www.gov.br/inpi/pt-br/central-de-conteudo/noticias/inpi-divulga-rankings-de-depositantes-de-ativos-de-pi-em-2024#:~:text=Entre%20os%20residentes%2C%20a%20lideran%C3%A7a,)%20e%20Softys%20(3).

[8] Disponível em https://policy.trade.ec.europa.eu/news/commission-releases-report-intellectual-property-rights-third-countries-counterfeit-piracy-watch-2025-05-22_en

[9] Conforme reportado pela Associação Brasileira de Combate à Falsificação à Exame, disponível em https://exame.com/brasil/cigarro-e-o-produto-mais-contrabandeado-do-brasil-prejuizo-e-de-r-105-bilhoes-diz-associacao/

[10] Conforme publicação disponível em https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/noticias/2025/05/mariangela-hungria-e-a-primeira-brasileira-a-receber-o-premio-nobel-da-agricultura

[11] Vide https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2025-05/anatel-e-ancine-vao-atuar-para-combater-pirataria-de-filmes-e-series#:~:text=A%20Ag%C3%AAncia%20Nacional%20de%20Telecomunica%C3%A7%C3%B5es,conte%C3%BAdos%20audiovisuais%20no%20ambiente%20digital.

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