Continuidade de sentimento antissistêmico deixa em aberto resultado de 2026

Sobre as eleições gerais de 2026, arrisco-me a fazer apenas duas previsões: 1) o embate entre esquerda e direita, sobretudo na pauta dos costumes, tende a dominar os debates, em particular no âmbito da corrida ao Palácio do Planalto; e 2) os candidatos a se enfrentarem no segundo turno não necessariamente serão um representante do lulismo e outro do bolsonarismo.

Isso porque o sentimento antissistema, despertado há 12 anos com as manifestações de junho de 2013, continua mais vivo do que nunca entre o eleitorado. Numa batalha para ver qual lado tem a menor rejeição, um espaço para um outsider ou um nome inesperado segue aberto, com repercussões em outras disputas, inclusive aquelas para o legislativo.

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O fato de que, segundo pesquisa Quaest, 66% dos eleitores serem contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se candidatar a um quarto mandato em 2026 e 65% acharem que Jair Bolsonaro (PL) tampouco deve concorrer novamente à Presidência ainda que estivesse quite com a Justiça indica o desejo por novidade no Planalto.

Nem toda novidade é antissistêmica. No entanto, à luz das principais movimentações da política nacional na última década, não é exagero dizer que o eleitor ainda busca alguém que coloque ordem na casa — ou seja, enfrente aquilo que na percepção do cidadão é um conjunto de privilégios intoleráveis.

Para os eleitores à direita no espectro político, o combo antissistema envolve enfrentar o protagonismo do Supremo Tribunal Federal (STF) na política nacional e baixar impostos, além de defender valores associados à noção de família tradicional.

Já os que se colocam à esquerda no espectro político gostariam de um governo que fosse além do que fizeram as administrações do PT em termos de direitos sociais, avançando em pautas como a redução da jornada de trabalho e em enfrentamento às grandes corporações.

À esquerda, não há ninguém para encarnar o papel de antissistema. Lula e o PT cercearam o desenvolvimento de novas lideranças nacionais no seu lado do espectro político no último quarto de século.

À direita, mesmo sendo mais do mesmo, há nomes que podem se vender como novidade. Não foi à toa, portanto, que não apenas o filhote bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, mas também Ratinho Júnior e Eduardo Leite, ambos do PSD e respectivamente governadores do Paraná e do Rio Grande do Sul, empatam tecnicamente com Lula nas intenções de voto de um hipotético segundo turno em 2026, também segundo a Quaest.

A ex-primeira dama Michelle Bolsonaro também logra o mesmo feito e, por isso, deve ser cada vez mais considerada como alternativa ao marido – quem, ao lado de outros réus no inquérito sobre a tentativa de golpe na transição de governo entre 2022 e 2023, terá seu depoimento tomado no STF nesta semana. Talvez comece finalmente a cair a ficha no ex-presidente e, diante da iminente condenação, opte por indicar alguém para representar o espólio do bolsonarismo nas urnas em 2026.

Se o indicado não for Tarcísio, o caminho está pavimentado para uma “novidade” vinda do PSD. Leite acabou de deixar as hostes tucanas e é pouco à direita para o eleitor extremista que considera abandonar Bolsonaro e família pelo caminho. Resta, portanto, Ratinho Júnior. Filho do apresentador popular Ratinho, o qual detém uma rede de rádios com capilaridade Brasil afora, o governador do Paraná tem tudo para encarnar o papel de “antissistema vindo do sistema” da vez, tal como Bolsonaro o fez em 2018.

Cacique-mor do PSD, integrante do centrão por excelência e oráculo da política nacional, Gilberto Kassab já sinalizou que seu partido só não lança candidato se Tarcísio for para o páreo. Bolsonaro talvez o indique quando perceber que vale a pena ceder os anéis para não perder os dedos. Ainda assim, a competitividade de Michelle ao Planalto e a vantagem que Tarcísio teria em São Paulo caso busque a reeleição à governador desenham um cenário em que Ratinho Júnior tem chances de ser o próximo presidente, ainda mais se Lula desistir do páreo.

Esse cenário é bastante plausível a ponto de grandes bancos já terem chamado o governador do Paraná para entender sua visão da economia. Como cidadão, gostaria de saber os planos de Ratinho Júnior para outras áreas, em particular política externa. Será que nosso “mouse” — que não é Mickey — vai querer se aproximar de Donald — não o “duck”, mas o Trump? Ou enxergaria Carlos Roberto Massa Júnior — nome de batismo de governador — um papel mais autônomo para o Brasil numa era de intensa competição geopolítica?

O caminho parece passar por uma resposta positiva à primeira pergunta, pois, como governador, Ratinho Júnior recebeu em abril passado Amy Radetsky, diretora de Política Econômica do Escritório de Assuntos Hemisféricos do Departamento de Estado, a mesma que pressionou o governo Lula a classificar facções criminosas brasileiras como grupos terroristas.

Segundo a agência de notícias do Paraná, “a principal pauta girou em torno da intenção do Governo do Paraná de estabelecer parcerias com as polícias americanas”. Como se vê, o bolsonarismo terá vida longa, ainda que com o apoio de candidatos não endossados pelo líder da extrema direita brasileira que, diferentemente de seus similares ao redor do mundo, é mais aliada de Trump que nacionalista de fato.

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