Em resposta às recentes tarifas impostas pelos Estados Unidos à China, fabricantes chineses lançaram uma ofensiva sobre o mercado de luxo: em um “exposed”, ou uma grande exposição, em português, revelaram ser responsáveis por fabricar cerca de 80% das peças vendidas por marcas como Hermès, Gucci e Louis Vuitton.
Vídeos postados, em sua maioria no TikTok, mostram fabricantes afirmando que as peças seriam despachadas para o país de origem apenas para receber retoques finais e a aplicação do logotipo — uma manobra que permitiria estampá-las com o selo made in e dar a impressão de que foram integralmente produzidas por lá.
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Revelam ainda valores discrepantes entre o custo de produção e o preço cobrado pelas marcas, convidando os consumidores a adquirirem os produtos diretamente das fábricas chinesas, supostamente com a mesma qualidade, sem a marca oficial.
Independentemente da veracidade dessas informações, o movimento levanta questionamentos que merecem ser discutidos, principalmente sob a ótica da propriedade intelectual. Em primeiro lugar, é preciso apontar que a conduta dos fabricantes pode ser entendida como crime contra a propriedade intelectual.
Isso porque, caso sejam realmente contratados pelas grandes marcas para desenvolver seus produtos, além de o design ser de propriedade de quem o criou, é razoável supor que existam acordos de exclusividade e confidencialidade, cuja violação podem causar danos gravíssimos às marcas, incluindo a perda de vantagem competitiva, a insegurança dos consumidores e prejuízos à sua reputação.
Ademais, ao contrário do que alegam os fabricantes chineses, mesmo que os produtos ofertados ao público final não ostentem o logotipo das marcas originais, a divulgação de sua origem pode ser extremamente prejudicial às empresas. Essas marcas investem fortemente não apenas no desenvolvimento de seus produtos, mas também na construção e preservação de seu prestígio — despesas que vão muito além dos custos de insumos, instalações e mão de obra.
Quem adquire um item de luxo busca mais do que um simples produto: busca exclusividade, história e experiência. O valor percebido da marca está intrinsecamente ligado ao seu patrimônio imaterial, ao status que confere ao consumidor, e não apenas ao custo de sua produção. É uma combinação de emoção, desejo e poder de compra.
Portanto, é válido afirmar que, além das empresas, o consumidor é diretamente atingido pela infração à propriedade intelectual. Neste ponto, ressalta-se que a China é um reconhecido polo de falsificação de produtos — sobretudo réplicas relacionadas à moda, com fabricantes que dominam a técnica de produção e imitam os produtos com matéria prima de qualidade igual ou extremamente similar à original. Entretanto, mesmo com qualidade equivalente, o produto não deixa de ser uma réplica, por mais perfeita que se apresente.
Assim, caso as informações divulgadas pelos fabricantes chineses sejam verídicas, é possível afirmar que há falta de transparência quanto à real origem dos produtos. Isso impede que o consumidor faça uma escolha consciente, visto que ele pode ser induzido a crer que o item fora produzido no país de origem da marca — o que, em muitos casos, é associado a maior prestígio e valor agregado.
De todo modo, cumpre ressaltar que as informações, apesar de carecerem de provas, têm sido tomadas como verdadeiras por diversos influenciadores nas redes sociais. Seja por engano, seja deliberadamente, eles se aproveitam dos fatos narrados para divulgar listas de lojas e fabricantes que comercializam tais produtos, com seus respectivos códigos de descontos.
Com fontes de confiabilidade, no mínimo, questionável, o chamado “exposed” parece, à primeira vista, configurar uma estratégia de marketing voltada a atacar as marcas de luxo e a captar consumidores que não têm acesso a seus produtos.
Movido pelo desejo de pertencimento ao universo do luxo e pela busca por status social, esse público-alvo se dispõe a adquirir peças idênticas às originais, ainda que sem o logotipo da marca. Trata-se de um perfil distinto do consumidor tradicional do mercado de luxo, para quem a qualidade do produto é importante, mas a experiência de compra, a exclusividade e o valor simbólico da marca desempenham papel central.
Essa manipulação da informação representa uma forma de concorrência desleal, que compromete seriamente os direitos de propriedade intelectual das marcas e fragiliza o seu discurso — construído sobre storytelling, exclusividade e valor imaterial.
A proteção à propriedade intelectual é essencial não apenas para salvaguardar o investimento e a inovação das empresas, mas também para garantir os direitos dos consumidores. Ao ocultar ou distorcer a verdadeira origem dos produtos, essas campanhas violam princípios fundamentais do direito do consumidor, em especial o direito à escolha livre e consciente e o acesso a informações claras e precisas. A falta de transparência induz o consumidor ao erro, compromete a confiança nas marcas e desfigura a percepção de valor que sustenta o mercado de luxo.