A conversa imaginária de Barroso e John Roberts na Suprema Corte dos EUA

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, em visita aos Estados Unidos realizada na semana passada, encontrou-se com o presidente da Suprema Corte norte-americana, John Roberts. Como o encontro foi a portas fechadas, tentei imaginar como foi a conversa.

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JOHN ROBERTS: Seja bem-vindo, Your Honor! Como tem passado?

LUÍS ROBERTO BARROSO: Muito cansado, Chief Justice! Tenho viajado constantemente: Paris, Roma, Londres, Lisboa, Nova York… É preciso ir a essas capitais para falar ao povo brasileiro e, claro, ao empresariado nacional. É uma função muito estafante presidir o STF.

ROBERTS: Curioso, ministro, eu raramente viajo ao exterior e em nosso sistema não é papel do presidente da Suprema Corte falar ao povo ou ao empresariado, muito menos no estrangeiro.

BARROSO: Que vida tranquila Vossas Excelências têm por aqui! No Brasil é diferente, somos obrigados a encarar o penoso circuito Elizabeth Arden todo ano. Ossos do ofício.

ROBERTS:  Mas me conte, Your Honor, o que há de novo no Direito Constitucional brasileiro?

BARROSO: Chief Justice Roberts, inventamos algo no STF – único no mundo – que talvez possa ser importado pelos EUA, certamente será do interesse dos juízes conservadores desta Corte. Desenvolvemos uma jurisprudência inovadora para que trabalhadores sejam contratados sem direitos trabalhistas, apesar da Constituição garantir os direitos trabalhistas dos trabalhadores!

ROBERTS: Como é isso? Parece ser algo revolucionário! Creio que nosso decano Clarence Thomas gostará desta ideia.

BARROSO: Simples, defendemos que, com base no princípio da livre iniciativa, se o trabalhador assinar um contrato civil de prestação de serviços, ele passa a ser um microempreendedor, portanto deixa de ser um empregado e os empresários que os o contratam não precisam observar as leis trabalhistas e então…

ROBERTS: Mr. Barroso, desculpe interrompê-lo, mas não há nenhuma novidade nisso.

BARROSO: Como não?

ROBERTS: Isso já foi feito nos EUA, bem no início do século 20. O senhor não conhece o caso Lochner v. New York, de 1905?

BARROSO: Claro que conheço, Chief Justice. Além de magistrado, sou professor.

ROBERTS: Então o senhor deve recordar que neste julgamento a Suprema Corte, em linha com o laissez-faire do final do século 19, afirmou essa mesma tese, de que a livre iniciativa e a liberdade de contrato prevalecem sobre as leis trabalhistas… É bem verdade que houve então o voto vencido de Oliver Wendell Holmes, mas ele sempre era do contra.

BARROSO: Curioso, não tinha pensado nisso, que paralelo pertinente. Bem, o Brasil é um país onde as boas ideias americanas tardam a chegar! Veja só, estamos 120 anos atrasados em relação ao caso Lochner. Passarei a citá-lo em meus votos e…

ROBERTS: Mr. Barroso, desculpe interrompê-lo novamente. O caso Lochner não é mais law of the land – não vale mais como precedente. Foi superado em 1937 pelo caso West Coast Hotel v. Parrish. E a legislação trabalhista implementada logo em seguida por Franklin Delano Roosevelt, declarada constitucional por esta Corte, proibiu que contratos civis prevalecessem sobre as normas de ordem pública em matéria de trabalho. Inclusive, porque se assim fosse, os trabalhadores não poderiam mais ser representados por sindicatos.

BARROSO: É verdade, Chief Justice, tinha me esquecido deste pequeno detalhe, ando muito atarefado. Mas pensando bem, já que essa honorável Corte tem revertido precedentes liberais, como no caso do aborto e das ações afirmativas, será que não seria a hora de revogar West Coast Hotel e restabelecer Lochner, alinhando assim seu posicionamento ao STF brasileiro em matéria trabalhista?  Tenho certeza que o presidente Trump e Elon Musk iriam parabenizar esta Suprema Corte por esse feito, afinal é preciso acabar com o preconceito contra o empresariado, não é mesmo? Tenho reiterado essa opinião em minhas palestras.

ROBERTS: Não creio que isso seja possível, Mr. Barroso. Mesmo com a atual maioria conservadora, até mesmo o juiz Clarence Thomas relutaria em ressuscitar Lochner. Seria tão chocante como restabelecer o caso Plessy v. Ferguson, da mesma época, que permitia a separação entre negros e brancos nos equipamentos públicos. A opinião pública americana não aceitaria isso e até os trabalhadores republicanos brancos do rust belt que apoiam Trump se revoltariam com a supressão de seus direitos trabalhistas.

BARROSO: Que pena, é tão importante proteger essa minoria discriminada – os ricos. E reduzir os custos trabalhistas em meu país faz parte da agenda que criei ao tomar posse.

ROBERTS: Agenda? What do you mean?

BARROSO: Sim, chama-se “Uma Agenda para o Brasil”, criei uma pauta de políticas públicas para, perdoe-me a modéstia, recivilizar o país.

ROBERTS: Mas, Your Honor, isso não é função dos Poderes Legislativo e Executivo?

BARROSO: No Direito Constitucional brasileiro é diferente, o Judiciário julga, legisla e governa!

ROBERTS (rindo ironicamente): Humm, como os Founding Fathers não pensaram nisso? Bem, Mr. Barroso, a conversa está muito boa, mas tenho outro compromisso, o presidente da Suprema Corte de Uganda me aguarda, quem sabe também conhecerei hoje a “agenda Uganda”. Desejo-lhe uma boa viagem de regresso!

Obs: este texto é uma sátira e não deve ser levado a sério (Hustler Magazine v. Falwell, 1988)

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