Quanto duram as arbitragens com o Poder Público?

A celeridade é um dos principais atributos associados à arbitragem, especialmente quando comparada à morosidade estrutural do Poder Judiciário. Essa percepção tem sido um dos fundamentos da sua adoção em contratos públicos de infraestrutura, concessões e parcerias. Mas qual a medida exata dessa agilidade, em litígios arbitrais envolvendo a Administração Pública? E quais circunstâncias podem impactá-la?

Essas foram algumas das perguntas que pesquisadores da FGV Direito Rio, dentre os quais os autores deste texto, buscaram responder por meio de uma investigação empírica realizada ao longo de dez meses, e publicada na forma de livro, já à venda no site da editora JusPodivm.

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Levantaram-se dados relativos a todos os 55 procedimentos arbitrais que envolveram a União, os estados de Rio de Janeiro e São Paulo e suas agências reguladoras entre 2002 e junho de 2024. Desse total, 23 procedimentos (cerca de metade) já haviam sido concluídos. Quanto tempo duraram e quais elementos impactam essa extensão?

Para chegar às respostas, os pesquisadores utilizaram como principais critérios a média e a mediana do tempo de tramitação das 23 arbitragens já concluídas, considerando como marco inicial a data do requerimento de instauração da arbitragem. A mediana foi adotada por refletir de maneira mais fiel a realidade da duração dos procedimentos, ao minimizar o impacto de outliers (casos excepcionais de tramitação muito longa ou muito curta).

A partir dessa abordagem, observou-se que os procedimentos arbitrais federais apresentaram duração entre 230 (7 meses e 17 dias) e 7.221 dias (19 anos, 9 meses e 8 dias), resultando em uma média de 1.436 dias (3 anos, 11 meses e 6 dias) e uma mediana de 974 dias (2 anos, 7 meses e 29 dias). No Estado de São Paulo, o intervalo variou de 942 (3 anos, 2 meses e 25 dias) a 1.447 dias (5 anos, 7 meses e 2 dias), com uma média de 1.170 dias (3 anos, 2 meses e 13 dias) e uma mediana de 1.123 dias (3 anos e 27 dias). Já no Estado do Rio de Janeiro, a duração das arbitragens oscilou entre 1.180 (3 anos, 2 meses e 25 dias) e 2.041 dias (5 anos, 7 meses e 2 dias) – sendo este último o maior prazo registrado entre todos os casos analisados. A média e mediana coincidiram em 1.611 dias (4 anos, 4 meses e 28 dias).

De forma geral, esses resultados indicam que a arbitragem apresenta, em regra, um tempo total de tramitação semelhante ao de um processo judicial de primeiro grau, que o CNJ estima em 3 anos e 9 meses na Justiça Federal e em 2 anos e 8 meses na Justiça Estadual e. Para que a controvérsia seja julgada em segundo grau, acrescentam-se mais 1 ano e 4 meses na Justiça Federal e mais 6 meses, em média, na Justiça Estadual. Tudo isso sem considerar o tempo necessário para tramitação nos Tribunais Superiores.[1]

Mas essas primeiras constatações não revelam o cenário completo. Uma análise mais detalhada indica que a duração do procedimento arbitral está longe de ser uniforme, apresentando uma expressiva variação.

Casos que demandam produção de prova pericial – utilizado como proxy para indicar complexidade técnica –, por exemplo, tendem a ser mais longos. De fato, observou-se que, nos casos em que houve perícia, a mediana de duração da arbitragem foi superior àquela dos casos sem perícia, com 1.153 dias (3 anos, 1 mês e 28 dias).

O intervalo interquartil das arbitragens com perícia também é mais concentrado, entre 971 dias (2 anos, 7 meses e 28 dias) e 1.715 dias (4 anos, 8 meses e 11 dias), sugerindo uma maior previsibilidade na duração desses procedimentos, embora com prazos mais elevados. Já nas arbitragens sem perícia, há maior dispersão nos dados, incluindo um outlier de 2.041 dias (5 anos, 7 meses e 2 dias), o que eleva o tempo máximo registrado nesse grupo. A mediana, no entanto, permanece abaixo de 1.028 dias (2 anos, 9 meses e 23 dias).

Esse outlier – correspondente à arbitragem mais longa registrada no Estado do Rio de Janeiro – revela que a ausência de prova pericial, embora relevante, não é o único fator que impacta a duração do procedimento. Elementos como o tipo de controvérsia, as estratégias processuais adotadas pelas partes, o grau de colaboração (ou resistência) na condução da arbitragem e o ente público envolvido também podem influenciar o tempo de tramitação. Além disso, o próprio desfecho do litígio pode ter relação com a extensão do procedimento.

Para aprofundar esse ponto, buscou-se verificar se o tempo de tramitação guarda alguma relação com o desfecho do litígio. A partir do universo das 23 arbitragens encerradas, procedeu-se à classificação dos casos em quatro categorias: “decisão terminativa” (3 casos), “parcialmente procedente” (6 casos), “improcedente” (6 casos) e “acordo” (8 casos). O objetivo foi compreender se determinados tipos de resultado tendem a estar associados a procedimentos mais longos ou mais curtos.[2]

Arbitragens com decisões “Parcialmente Procedente” ou “Improcedente” para o contratante particular costumam ser mais rápidas, com medianas menores e distribuições relativamente homogêneas, embora com alguns casos excepcionais. Por outro lado, os procedimentos encerrados por acordo registram as maiores durações, com mediana de 1.432 dias (3 anos, 11 meses e 2 dias) e o outlier de 2.041 dias (5 anos, 7 meses e 2 dias).

Além de superarem, em muitos casos, o tempo médio da tramitação judicial em primeiro grau, os dados sugerem que o prolongamento do procedimento pode estar estimulando a celebração de acordos — seja como forma de evitar a complexidade da instrução probatória, seja diante do aumento dos custos envolvidos no litígio.

Esses achados reforçam a ideia de que o tempo também desempenha um papel estratégico na dinâmica arbitral: em disputas mais prolongadas, cresce o incentivo à composição entre as partes. Nesse contexto, o acordo pode não decorrer apenas da vontade de encerrar consensualmente o conflito, mas surgir como reação pragmática a um procedimento que se torna excessivamente oneroso ou incerto. Assim, a duração da arbitragem não apenas reflete a complexidade da controvérsia, como também influencia o comportamento processual dos envolvidos.


[1] Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Justiça em Números 2024. Brasília: CNJ, 2024, p. 284, tabela 160. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/ uploads/2024/05/justica-em-numeros-2024.pdf. Acesso em: 18 mai. 2025.

[2] Não foi possível atribuir o resultado “procedente” aos casos analisados para os fins específicos deste tópico, uma vez que só é possível calcular o tempo do início ao fim da arbitragem quando há a data de início e a data de fim. Assim, nas 2 arbitragens em que se identificou o resultado “procedente”, referentes aos casos envolvendo o Estado de São Paulo, não havia informações precisas sobre o fim do processo, e, por isso, não foram incluídas no gráfico.

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