Apesar de o início da pandemia de Covid-19 e a reforma da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) já não serem recentes, seus impactos seguem sendo observados no controle externo.
Em 23/04/2025, o TCU apreciou Representação sobre a aquisição de ventiladores pulmonares pelo Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste, contratação com indícios de fraude na seleção da empresa.
Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas
Em seu voto, o ministro relator Jorge Oliveira havia proposto rejeitar as razões de justificativa dos gestores, porém o ministro Bruno Dantas apresentou entendimento divergente quanto à reprovabilidade das condutas analisadas.
O ministro revisor destacou o contexto de início da pandemia e concluiu que “as medidas possíveis foram adotadas, com o grau de informação de que os gestores dispunham à época e considerando o fato de que estavam premidos pelo tempo e pela necessidade de decisões ágeis”.
Também teceu relevantes considerações sobre as alterações da LINDB terem elevado o critério para aplicação de sanções, tendo em vista as inovações dos arts. 22 e 28.[1] Assim, diante do entendimento de ausência de erro grosseiro no caso, propôs acolher as defesas dos gestores “de modo definitivo”.
O ministro relator, contudo, rebateu esse entendimento por considerar que o contexto enfrentado não poderia resultar em justificativa genérica para a adoção de medidas imprudentes.
Todavia, ao final, prevaleceu o voto revisor com a consequente conversão dos autos em Tomada de Contas Especial exclusivamente contra a empresa investigada.
Essa decisão diverge da prática usual do TCU de citar todos os envolvidos em TCE e então promover o contraditório. Como declarou o Relator, esses processos objetivam “justamente levantar os fatos, quantificar o dano e identificar os responsáveis”.
Além disso, a decisão difere de precedentes do tribunal que afastam a exigência de erro grosseiro para a imputação de débito, com a adoção de requisito de culpabilidade distinto do utilizado na aplicação de sanções.
Por outro lado, a alternativa encontrada possui potencial de evitar a submissão de gestores tutelados pelo art. 28 da LINDB em processo que costuma ser desgastante e demorado. Em recentes julgamentos do tribunal quanto a operações de crédito pelo BNDES, por exemplo, foram acolhidas as defesas dos mais de 40 gestores citados em cada caso após mais de 5 anos do início dos processos.[2]
Nesse cenário, a recente decisão do TCU mostrou um lado mais compreensivo do Tribunal e em maior deferência às inovações da LINDB. Resta ver se a mudança de postura passará a ser adotada em novas oportunidades ou se correspondeu a caso pontual resultante exclusivamente do cenário excepcional enfrentado durante a pandemia de Covid-19.
[1] Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. (…) Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
[2] Vide ata da Sessão Plenária Extraordinária de 05/03/2024.