A expansão da inteligência artificial tem elevado os padrões de exigência dos data centers — ou Centros de Processamento de Dados. A crescente demanda por armazenamento, processamento e segurança da informação impulsiona investimentos em infraestrutura digital em escala global.
Esse movimento traz à tona o impacto energético da digitalização. Organizações internacionais alertam que tecnologias intensivas em dados, como a IA, têm elevado significativamente o consumo de eletricidade, reforçando a necessidade de fontes renováveis e de eficiência energética.
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Nesse cenário, o Brasil desponta como destino estratégico. O país oferece vantagens comparativas importantes: (i) matriz energética majoritariamente renovável; (ii) localização geográfica privilegiada; (iii) acesso a cabos submarinos de alta capacidade; (iv) disponibilidade de terrenos aptos a grandes instalações e (v) um mercado digital em rápida expansão. Esses fatores posicionam o Brasil de forma competitiva na disputa global por novos data centers, inclusive como referência em infraestrutura digital de baixo carbono.
Apesar desse potencial, o sistema tributário brasileiro atualmente representa um obstáculo à expansão do setor. Entre os diversos fatores considerados na escolha da localização — como, clima, conectividade, segurança jurídica e disponibilidade energética —, a carga tributária é o único elemento sujeito à intervenção direta do poder público. Ainda assim, até pouco tempo atrás, iniciativas efetivas nesse sentido eram escassas.
Embora a reforma tributária recentemente aprovada no Brasil traga a perspectiva de um sistema tributário mais simples e uniforme, com a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a adoção de bases de cálculo mais amplas, o período de transição até 2033 tende a manter um cenário de incerteza. Nesse contexto, ganha ainda mais relevância a adoção de contratos bem estruturados, com descrição precisa das funcionalidades contratadas, segregação de receitas e definição clara dos serviços prestados, como forma de mitigar riscos fiscais e assegurar maior segurança jurídica ao setor.
Essa preocupação se mostra especialmente importante diante das controvérsias tributárias hoje existentes, como bem analisado por Luiz Roberto Peroba e Alice Marinho em artigo publicado neste JOTA [1].
Segundo os autores, entre outros pontos, a diversidade de modelos contratuais envolvendo colocation, cloud computing e outros serviços digitais prestados por data centers exige uma análise jurídica minuciosa quanto à correta qualificação das receitas e à incidência dos tributos aplicáveis, sobretudo ISS e tributos federais sobre remessas ao exterior.
Apesar dos desafios, há avanços promissores. No início de maio, durante evento no Vale do Silício, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou o Plano Nacional de Data Centers, também conhecido como Redata, iniciativa voltada a tornar o Brasil mais atrativo nesse campo estratégico.
A proposta prevê a edição de Medida Provisória ou Projeto de Lei instituindo desoneração de II, IPI, PIS/Cofins sobre equipamentos de tecnologia utilizados na fase de implantação dos data centers, com validade de cinco anos. A expectativa do governo é que a medida destrave até R$ 2 trilhões em aportes na próxima década. Quando esse artigo foi elaborado, o texto não havia sido disponibilizado, mas houve a sinalização de que isso ocorreria em breve.
Durante o evento, Haddad afirmou que o governo decidiu antecipar ao setor parte dos efeitos da reforma tributária do consumo recentemente aprovada. Segundo ele, no que se refere aos data centers, todo investimento no Brasil será desonerado, assim como a exportação de serviços a partir dessas estruturas.
Embora a reforma tributária de fato traga a perspectiva de um sistema mais simples e uniforme, sua implementação plena está prevista apenas para 2033. Diante disso, há a necessidade de medidas imediatas. Além da desoneração sobre a aquisição de equipamentos destinados aos data centers, o Redata teria, também, a previsão de redução do imposto de importação sobre equipamentos de tecnologia da informação sem similar nacional.
Nesse mesmo evento, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, destacou os esforços da cidade para se consolidar como referência global em infraestrutura digital. Ele mencionou o projeto Rio AI City, um campus de inteligência artificial de última geração a ser construído no Parque Olímpico, que contará com uma capacidade energética extremamente expressiva já na fase inicial, com previsão de quase dobrar nos cinco anos seguintes.
Para se ter uma ideia da escala, a capacidade estimada do projeto inicial se aproxima da soma das usinas nucleares de Angra 1 e Angra 2 e está muito acima do padrão observado em grandes data centers atualmente em operação.
O projeto deverá transformar o Rio no maior hub de data centers da América Latina e em um dos dez maiores do mundo, atraindo empresas de tecnologia, centros de pesquisa e startups [2]. Para viabilizar essa ambição, a Prefeitura aposta na infraestrutura reforçada desde os Jogos Olímpicos de 2016, na alta disponibilidade energética, no acesso a cabos submarinos intercontinentais de baixa latência e em terrenos públicos aptos a receber grandes instalações.
Outra frente municipal importante é o Porto Maravalley (Pomar), iniciativa da Prefeitura voltada à formação de um polo de educação e inovação na região do Porto Maravilha. Com o objetivo de atrair startups, centros de pesquisa e empresas de tecnologia, a Lei Municipal nº 7.000/2021 instituiu o programa ISS Tech, que reduz a alíquota do ISS de 5% para 2% para empresas do setor de tecnologia instaladas tanto no Porto Maravalley quanto no Parque Tecnológico da Ilha do Fundão.
A medida abrange atividades como, informática, intermediação digital, pesquisa, biotecnologia, biologia e química, combinando incentivos fiscais com infraestrutura urbana para fomentar hubs de inovação e dados.
No plano estadual, o Rio de Janeiro também deu um passo relevante. Em junho de 2024, entrou em vigor a Lei Estadual 10.431/2024, que institui um regime diferenciado de tributação, válido até dezembro de 2032, para empresas de infraestrutura de dados e serviços digitais.
O regime prevê, entre outros pontos, o diferimento do ICMS nas importações de bens destinados ao ativo imobilizado dos data centers, além de isenção do imposto nas aquisições de bens e mercadorias utilizados na construção, ampliação ou modernização dessas instalações. Trata-se de uma medida especialmente relevante, considerando que a carga tributária sobre importações pode chegar a 70% em alguns casos [3].
Esses incentivos reduzem os custos iniciais e aumentam a atratividade do Rio diante de outros mercados, consolidando-o como protagonista na corrida global por infraestrutura digital.
No Congresso Nacional, o tema também avança. O Senado realiza, nos dias 21 e 28 de maio, audiências públicas sobre o PL 3018/2024, que busca regulamentar os data centers voltados à IA, com foco em segurança digital, proteção de dados e sustentabilidade. As discussões ocorrem em paralelo ao lançamento do Redata pelo Poder Executivo.
A consolidação do setor, porém, dependerá da continuidade das políticas públicas, da estabilidade regulatória e da articulação entre os entes federativos. Mais do que uma oportunidade, o avanço da infraestrutura digital é uma escolha estratégica que pode redefinir o papel do Brasil na economia global, com protagonismo em uma nova era de dados, inovação e sustentabilidade. Porque o futuro começa agora.
[1] PEROBA, Luiz Roberto; MARINHO, Alice. Controvérsias tributárias sobre receitas de data centers no Brasil. JOTA, 12 mar. 2025. Disponível em: https://www.jota.info/artigos/controversias-tributarias-sobre-receitas-de-data-centers-no-brasil. Acesso em: 7 maio 2025.
[2] PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Rio anuncia o projeto “Rio AI City”: o maior hub de data centers da América Latina e um dos dez maiores do mundo. 27 abr. 2025. Disponível em: https://prefeitura.rio/noticias/rio-anuncia-o-projeto-rio-ai-city-o-maior-hub-de-data-centers-da-america-latina-e-um-dos-dez-maiores-do-mundo/. Acesso em: 7 maio 2025.
[3] FRITSCH, Winston; RUIZ, Eduardo Tobias. Gargalos para a expansão dos datacenters no Brasil. Valor Econômico, 25 março 2025. Disponível em: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/gargalos-para-a-expansao-dos-datacenters-no-brasil.ghtml. Acesso em: 8 maio 2025.