As normas estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para concessão de autorização sanitária para plantio da Cannabis sativa L. com baixo teor de THC carecem do posicionamento de pastas essenciais, como o Ministério da Saúde, e pecam pela ausência de debate sobre o tema, avaliam atores do setor.
“Decisões tomadas de forma apressada, sem consulta pública e sem um ciclo mínimo de interação com os setores interessados, tendem a ser menos legítimas e tecnicamente mais frágeis”, destacou ao JOTA o vice-presidente da Comissão Especial de Direito da Cannabis da OAB Nacional, Rodrigo Mesquita.
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Apesar de o tema ter sido discutido em um grupo de trabalho interministerial, a normativa não inclui posicionamentos do Ministério da Saúde e também do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). Mesquita ressalta que a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já indicava problemas de articulação interinstitucional. “A ausência do Ministério da Saúde na audiência pública promovida pelo STJ — lamentada publicamente por ministros da Corte — é sintomática. Já o Ministério da Agricultura manifestou-se formalmente de forma contrária à regulamentação do cultivo”, afirmou.
Margarete Brito, diretora e fundadora da Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (APEPI), também acredita que existem lacunas quanto ao tema. “Precisamos saber mais sobre a importação das sementes, por exemplo, algo que está ligado ao MAPA e que está incluso na decisão do STJ”, afirmou.
Limite
Brito também destaca que um dos problemas da regulamentação está relacionado ao limite de THC estabelecido. “As normas valem para produtos com THC de apenas 0,3%. Quem usa medicamentos feitos com cannabis, em sua maioria, utiliza produtos acima de 0,5%”, detalhou.
Mesquita ressalta que a limitação a 0,3% de THC desatende tanto as associações de pacientes quanto os agentes econômicos. “Além disso, há um limite técnico intransponível: mesmo com melhoramento genético, é praticamente inviável cultivar cepas com essa proporção tão baixa de THC no clima tropical brasileiro”, disse.
O Ministério da Saúde informou que deverá também publicar uma regulamentação sobre o tema. O texto, de acordo com a pasta, foi encaminhado para a Advocacia Geral da União. A expectativa é de que ele seja apresentado apenas quando estiver próximo da data limite fixada pelo STJ.
A falta de coordenação na publicação da regulamentação por parte dos setores envolvidos chamou a atenção de especialistas que acompanham o assunto. Tão logo o STJ decidiu que caberia à Anvisa regulamentar o tema, um grupo de trabalho foi criado para discutir de que forma isso seria implementado. Houve também a tentativa de se ampliar o prazo da regulamentação, mas sem sucesso.
O JOTA apurou haver, por parte do Ministério da Saúde, receio em se envolver com a discussão, em virtude do impacto que isso poderia ter, sobretudo entre parlamentares considerados mais conservadores. O esforço era se distanciar ao máximo desta discussão para evitar desgaste do governo. A publicação em etapas das regras, contudo, abre um flanco para que haja uma exposição maior do Ministério. Em vez de um tema de governo, reflexo de uma decisão judicial, há, agora, maior risco de envolvido.
Na regulamentação da Anvisa não foram abordados temas importantes, como o plantio para fins industriais ou para pesquisa – o que é esperado agora nos textos a serem publicados até a data fixada pelo STJ.