Em 16 de janeiro deste ano foi publicada a Lei Complementar 214/25, derivada do PLP 68/24, que estabelece as diretrizes da reforma tributária introduzida pela Emenda Constitucional 132/23.
No entanto, a despeito da recente sanção da LC 214/25, a regulamentação da reforma tributária ainda não foi finalizada. No momento, a EC 132/23, que instituiu a reforma é alvo de iniciativas de regulamentação, em especial, o PLP 108/24 que segue em tramitação desde o ano passado.
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O PLP 108/24, que já passou pela Câmara e ainda está tramitando no Senado, apesar de não ser objeto principal da reforma, propõe, dentre outros pontos, alterações específicas que impactam diretamente o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), visando, por meio do artigo 194[1], modificar a incidência e a base de cálculo do ITBI por meio da inclusão dos artigos 35-A e 38-A no Código Tributário Nacional (CTN), conforme veremos a seguir.
Mudanças na incidência do ITBI
Nos termos do artigo 156, inciso II, da Constituição Federal de 1988[2], o ITBI é um tributo de competência municipal que incide sobre a transmissão “inter-vivos” de bens imóveis e de direitos reais sobre imóveis, ocorrendo quando houver o efetivo registro da transmissão do imóvel em cartório.
Fato importante é que o PLP 108/24, por sua vez, propõe a inclusão do art. 35-A no Código Tributário Nacional (CTN), estabelecendo que a incidência do ITBI poderá ocorrer no momento na formalização do respectivo título translativo, assim considerados a escritura pública ou documento particular com força de escritura pública, e não no momento do registro em cartório, vejamos:
“Art. 35-A. Os Municípios e o Distrito Federal podem prever hipótese de antecipação do pagamento do ITBI, que deve ser opcional para o contribuinte, para que o imposto incida na formalização do respectivo título translativo, assim considerados a escritura pública ou documento particular com força de escritura pública.
Parágrafo único. Na hipótese de que trata o caput deste artigo, os Municípios e o Distrito Federal poderão aplicar alíquota inferior àquela incidente no momento do registro do título translativo no Registro de Imóveis.”
Essa mudança poderá despertar interpretações na linha de que o momento da incidência do imposto poderá ser deslocado para o da assinatura do contrato de promessa de compra e venda, o que contraria o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 1.124, que determinou que a cobrança do ITBI só pode ocorrer no momento do registro do imóvel. Assim, se aprovada, a nova regra poderá ser questionada judicialmente pelos contribuintes visando afastar a cobrança antecipada do tributo.
Alterações na base de cálculo do ITBI
Outro ponto relevante do PLP 108/24 é a introdução do art. 38-A no CTN, ao determinar que a base de cálculo do ITBI será o maior valor entre o valor da operação e o valor de referência adotado pelo município:
“Art. 38-A. Considera-se valor venal, para fins do disposto no art. 38 desta Lei, o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado.”
Essa medida contraria o entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Tema 1.113, que estabeleceu que a base de cálculo do ITBI é o valor de mercado do bem, presumindo-se verdadeiro o valor declarado pelo contribuinte.
Caso a mudança seja implementada, os contribuintes poderão questionar judicialmente a cobrança com base na constitucionalidade da nova regra. O argumento principal seria que a base de cálculo do ITBI deve estar diretamente ligada ao valor da transação, conforme previsto no art. 156, II, da Constituição Federal.
Alterações na base de cálculo do IPTU
O IPTU, por sua vez, é um tributo de competência municipal, tradicionalmente cobrado anualmente com base no valor venal do imóvel. No entanto, com a reforma tributária, surgem novas diretrizes que podem alterar significativamente sua cobrança.
A principal mudança é a flexibilização da atualização da base de cálculo do IPTU. O artigo 156, §1º, III, da Constituição Federal, na nova redação dada pela EC 132/2023, permite que os municípios atualizem os valores venais dos imóveis por meio de decreto do Executivo municipal, desde que respeitados critérios gerais estabelecidos em lei municipal.
Essa mudança visa tornar o processo de atualização mais ágil, evitando a defasagem dos valores venais em relação ao mercado. No entanto, também poderá resultar em aumentos expressivos do IPTU, principalmente em cidades onde os imóveis estão subavaliados.
Consequências e perspectivas
As alterações propostas pelo PLP 108/24, caso aprovadas, invariavelmente, tendem a aumentar a litigiosidade envolvendo o ITBI. Os contribuintes poderão buscar no poder judiciário a manutenção do entendimento vigente do STF e do STJ, a fim de evitar a cobrança antecipada do tributo e garantir a utilização do valor de mercado do bem como base de cálculo.
É fundamental que proprietários de imóveis, compradores e investidores acompanhem atentamente o andamento do PLP 108/2024 e as implicações da LC 214/2025. Compreender as mudanças propostas e suas possíveis repercussões é essencial para um planejamento financeiro adequado e para o cumprimento das obrigações tributárias.
Apesar das possíveis vantagens, como maior transparência e justiça fiscal, a reforma tributária enfrenta desafios, especialmente em relação à aceitação popular. A perspectiva de aumento do IPTU é impopular, o que torna o debate político acirrado. Além disso, há preocupações sobre o impacto econômico, especialmente para classes médias e baixas, que podem enfrentar dificuldade em arcar com o imposto ajustado aos valores de mercado.
O que se vê, portanto, é que a reforma tributária busca tornar o sistema fiscal brasileiro mais eficiente e equânime. No entanto, é imprescindível que todos os envolvidos no setor imobiliário estejam informados e preparados para as novas diretrizes que poderão ser implementadas em breve.
[1] Art. 194. A Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), passa a vigorar com as seguintes alterações:
(…)
[2] Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(…)
II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;