Caminhos factíveis para os precatórios

Em meio a um Estado brasileiro conhecido por seu gigantismo e esforços diários para manter as contas em dia, periodicamente ressurge a ideia de vilanizar o pagamento dos precatórios. Afinal, seriam eles responsáveis por engessar a capacidade do governo de investir e comprometer sua estabilidade fiscal.

Essa concepção, no entanto, não resiste a uma análise mais profunda. Tratar os pagamentos decorrentes de derrotas pontuais da União na Justiça (por definição, derrotas justas) como elemento que destruirá a saúde das contas públicas e lançará o país em um caldeirão de desconfianças macroeconômicas é uma visão que não se sustenta quando confrontada com os números e com a própria natureza da dinâmica da separação de Poderes.

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Sobre o assunto, vale lembrar que, nos tribunais, têm prevalecido as decisões favoráveis ao erário que, seja no mérito, seja na modulação de efeitos, acabam por validar teses defendidas com notória competência pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e pela Advocacia-Geral da União, evitando perda de dezenas e, por vezes, centenas de bilhões de reais. Fazendo alusão a uma expressão que se tornou corriqueira, são inúmeros os “meteoros” que têm desviado de sua trajetória ou se fragmentado no ar sem causar quaisquer danos.

Conforme divulgado pela AGU em março, apenas nos últimos dois anos, a atuação da União em juízo evitou um impacto de R$ 1,9 trilhão. A reversão do julgamento da “revisão da vida toda” e a solução encontrada para a questão da correção dos depósitos do FGTS são dois exemplos de como o trabalho da Advocacia Pública tem sido exitoso em reduzir perdas que impactariam os cofres públicos. Portanto, o impacto econômico dos precatórios representa apenas uma fração do fenômeno do Poder Público em juízo que, objetivamente, tem sido favorável às contas públicas.

Nem mesmo a recente revisão do risco provável de perdas judiciais no Balanço Geral da União, que aumentou R$ 66 bilhões no último ano, refuta essa constatação. Esse incremento não decorreu de uma nova derrota judicial da Fazenda, mas apenas visou garantir acurácia ao registro contábil: as indenizações ao setor sucroalcooleiro, decorrentes de danos de quase 40 anos atrás e com condenações transitadas em julgado há mais de uma década já não poderiam ser tratadas como mera possibilidade. Aqui, novamente, vale perceber como os números militam em prol do governo federal: esses R$ 66 bilhões representam apenas 3,5% do R$ 1,9 trilhão economizado pelas recentes vitórias da União.

O arranjo atual para pagamento dos precatórios foi implementado por demanda do atual governo e viabilizado provisoriamente pelo STF. Ao declarar a inconstitucionalidade do calote previsto na chamada PEC dos Precatórios, o tribunal autorizou o governo a eliminar esqueletos de R$ 92,4 bilhões, que temporariamente deixaram de ser computados para fins de cumprimento de metas fiscais. Foi uma medida louvável, embora paliativa, já que apenas adiou o problema sem resolvê-lo estruturalmente.

A imprensa já registra um movimento por parte de autoridades para novamente abordar o assunto, tendo em vista que, em 2027, se esgota a atual autorização dada pelo STF para que essas despesas não integrem a avaliação dos resultados fiscais. Até lá, o governo está ciente de que calotes institucionalizados seriam novamente rejeitados com firmeza pela Suprema Corte, cuja jurisprudência reiterada – diríamos, vinculante – afirma ser dever da União a quitação tempestiva das dívidas judiciais, sob pena de violação aos postulados constitucionais da legalidade, da separação dos Poderes e da segurança jurídica.

A questão central, portanto, não é simplesmente declarar os precatórios como problema fiscal, mas compreender como o Estado pode lidar com o fenômeno de, eventualmente, ser obrigado a reparar danos causados por políticas públicas mal concebidas no passado ou ser condenado pelo descumprimento de obrigações legais ou constitucionais.

Em última análise, em vez de flertarmos com a astronomia orçamentária, precisamos entender que as condenações judiciais dos entes públicos são inerentes ao devido processo legal. Em contraposição à máxima absolutista de que “o rei não erra” – e, consequentemente, não paga – o precatório é o reflexo orçamentário mais direto de que no Brasil vigora o Estado Democrático de Direito. Afinal, autorizado pelo Legislativo, o Executivo paga uma despesa reconhecida pelo Judiciário.

Quando falamos em precatórios, que precisam ser expedidos até abril de um ano para serem pagos no ano seguinte, 2027 não está distante, é praticamente agora. Felizmente, existem caminhos viáveis para resolver esta questão.

Uma primeira alternativa, mais simples e juridicamente segura, seria tornar permanentes as regras transitórias que reconhecem a incoerência de incluir em metas fiscais uma obrigação de pagamento estabelecida por um Poder Judiciário autônomo, após o trânsito em julgado de um litígio levado até as últimas instâncias.

A segunda opção, talvez mais agradável aos economistas do que aos juristas, seria estabelecer gatilhos ou travas intermediárias que permitissem gerenciar a inclusão dos precatórios nas metas fiscais tendo como baliza o histórico do volume dessas despesas em face do PIB dos últimos anos. Fora essas, há, ainda, a opção por muitos defendida de classificar a despesa com precatórios como despesas financeiras.

Enfim, é inegável que não existe solução mágica para um problema geracional, mas é igualmente incontestável que o assunto precisa ser endereçado definitivamente para evitar novas soluções paliativas que se desfazem quando os ventos econômicos sopram com mais intensidade ou quando um novo “meteoro” fiscal cruza nossos céus. O caminho para os precatórios não pode ser nem o calote nem o pânico fiscal, mas uma solução estruturada que concilie o respeito às decisões judiciais com a sustentabilidade das contas públicas.

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