NDCs e contribuições autodeterminadas (SDCs)

No último dia 8, o embaixador André Corrêa do Lago publicou sua segunda carta como presidente designado da COP30.[1] Ele reforçou a necessidade de uma mobilização global contra a mudança do clima, estimulando a “proliferação de iniciativas autônomas mundo afora”.

Este Mutirão Global “acolherá indivíduos e organizações para que apresentem ‘contribuições autodeterminadas’ [“self-determined contributions” – SDCs], usando sua experiência, tempo e/ou recursos para enfrentar de forma sustentável os desafios climáticos”. Assim, inspirado na autonomia da vontade que orienta o estabelecimento, pelos países que compõem o Acordo de Paris, de suas Contribuições Nacionalmente Determinadas – NDCs, as SDCs “funcionarão como ações de baixo para cima” (“bottom-up actions”).

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A analogia entre SDCs e NDCs é instigante e nos convida à reflexão.

As NDCs estão no centro da arquitetura do Acordo de Paris, estruturado a partir de um regime jurídico híbrido,[2] que combina:

  • obrigações flexíveis quanto ao conteúdo das NDCs, visto que a contribuição de cada país deve refletir sua maior ambição possível, por meio de metas climáticas fixadas de acordo com suas circunstâncias nacionais (abordagem “bottom-up”); com
  • obrigações predeterminadas sobre o processo de comunicação e monitoramento das contribuições, destacando-se, por exemplo, que todos os países devem, de cinco em cinco anos, submeter sucessivas NDCs, que, por sua vez, devem representar uma progressão em relação à anterior e que estão sujeitas a escrutínio periódico, via “Global Stocktake” – GST (abordagem “top-down”).

Ao menos em tese, esta autorregulação sistematizada estimularia a contribuição de todos os países — cada um com o quinhão que entende cabível — para a “resposta global à ameaça da mudança do clima” (art. 2 do Acordo de Paris), ao passo em que manteria a cadência dos avanços, regularmente supervisionados.

Ocorre que, em 2023, na COP28, o primeiro GST revelou que “as políticas implementadas até o final de 2020 devem resultar em emissões globais de gases de efeito estufa superiores às previstas pelas contribuições nacionalmente determinadas, indicando uma lacuna de implementação” (“implementation gap”).[3] Diante disso, os países foram chamados “a tomar medidas urgentes para enfrentar essa lacuna”.

Na sua segunda carta, o Embaixador André Corrêa do Lago considera que “a COP30 pode estabelecer as bases para o segundo Balanço Global, a ser concluído na COP33, servindo como ponto de inflexão em nossa transição histórica que terá preenchido lacunas e traçado o caminho para uma nova era de prosperidade sustentável e inclusiva”.

Essa “nova era” demanda, entre outras providências, processos legislativos e políticos destinados à aplicação das NDCs, entre outros avanços.[4] No Brasil, destacam-se, por exemplo, (i) a Lei 15.042/24, que instituiu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa, ainda sujeito a regulamentação; e (ii) o Plano Nacional sobre Mudança Clima (Plano Clima),[5] cujas minutas de Estratégias Nacionais de Mitigação e Adaptação foram recentemente submetidas a consulta pública.[6]

Sem prejuízo das estruturas regulatórias e de planejamento em desenvolvimento, iniciativas voluntárias podem desempenhar um papel crucial no incremento de ambições climáticas.

Daí as SDCs. A assunção de compromissos climáticos por agentes não-estatais, sobretudo empresas e instituições financeiras, pode dar escala aos objetivos das NDCs.[7]

Nesse sentido, é estratégica a atuação dos Campeões de Alto Nível do Clima (Climate High-Level Champion) da COPs. Esta função foi criada na COP21, em 2015, quando o Acordo de Paris foi celebrado. Àqueles que a ocupam cabe a tarefa de “conectar o trabalho dos governos com as muitas ações voluntárias e colaborativas realizadas por cidades, regiões, empresas e investidores”.[8]

No início de abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou o empresário Dan Ioschpe como Champion para a COP30. Com sua nomeação, Ioschpe passou a integrar a Diretoria Executiva da Conferência, unindo-se ao presidente designado do evento e à sua secretária-executiva, Ana Toni.[9] O cargo tem mandato de dois anos. No primeiro, Ioschpe atuará em parceria com Nigar Arpadarai, Champion da COP29, realizada em Baku, no Azerbaijão, em 2024. No segundo, ele trabalhará com o Champion da COP31, a ser definido.

Sua “capacidade de diálogo com o setor privado nacional e internacional”, como enaltecido pela Ministra Marina Silva,[10] parece ter sido particularmente decisiva para a escolha de Ioschpe. Na mesma linha, como destacado por Simon Stiell, Secretário-Executivo da UNFCCC, “sua capacidade de unir os principais atores será crucial para fortalecer os esforços voluntários do setor privado e ampliar as soluções”.[11]

Assim, embora o presidente designado da COP30 e a secretária-executiva sempre tenham mantido boas relações com o setor empresarial, a escolha de um “legítimo representante da força da indústria brasileira”, nas palavras da Ministra,[12] parece demonstrar uma intenção do governo de estimular o engajamento de atores privados na implementação do Acordo de Paris — o que, aliás, se alinha com a ideia de “contribuições autodeterminadas” (SDCs), lançada na nova carta do Embaixador André Corrêa do Lago.

A natureza dessas SDCs ainda está sujeita a debates. Em princípio, elas teriam apenas o sentido de um convite político à ação voluntária, ao Mutirão Global. Até porque o caráter “bottom-up” dissociado de qualquer mecanismo “top-down” (tais como os procedimentos aplicáveis às NDCs, nos termos do Acordo de Paris) impõe limitações jurídicas às SDCs.

Não obstante, Hale et al. observam que, “apesar de suas limitações, compromissos voluntários podem, sob as condições adequadas, abrir caminho para regras obrigatórias. De fato, no âmbito climático, já começamos a ver os primeiros sinais dessa espécie de ‘esteira transportadora’” (conveyor belt).[13]

Portanto, o engajamento do setor privado no Mutirão Global contra a mudança do clima por meio de contribuições autodeterminadas (SDCs), além de contribuir para o atingimento de objetivos de mitigação e adaptação e incremento de metas ambiciosas, poderá estabelecer bases para discussões sobre o futuro do direito climático.


[1] COP30, Segunda Carta da Presidência Brasileira. Disponível em <https://cop30.br/pt-br/presidencia-da-cop30/cartas-da-presidencia/segunda-carta-da-presidencia-brasileira> (acesso em 09.05.25).

[2] D. Bodansky e L. Rajamani, “The Issues that Never Die”, Carbon & Climate Law Review, vol. 12:3 (2018), pp. 184–190.

[3] ONU, Outcome of the first global stocktake (Decisão 1/CMA.5), FCCC/PA/CMA/2023/16/Add.1 (2024) (tradução livre).

[4] C. Voigt, ‘The power of the Paris Agreement in international climate litigation’, Review of European, Comparative & International Environmental Law, vol. 32:2 (2023), pp. 237-249.

[5] Resolução 3/23 do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima.

[6] Brasil Participativo. Disponível em <https://brasilparticipativo.presidencia.gov.br/processes/planoclima/f/697/> (acesso em 09.05.25).

[7] United Nations High-Level Expert Group on the Net Zero Emissions Commitments of Non-State Entities, Integrity Matters: Net Zero commitments by Businesses, Financial Institutions, Cities and Regions (2023). Disponível em <https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/high-level_expert_group_n7b.pdf> (acesso em 09.05.25): “Atores não estatais devem fazer lobby em favor de ações climáticas positivas, e não contra elas. Ao colaborar com os governos na criação de padrões robustos, esses atores podem contribuir para formar um ciclo de ambição, assegurar condições equitativas para compromissos ambiciosos de emissões líquidas zero, além de reduzir os riscos de uma transição acelerada e maximizar os benefícios econômicos decorrentes de um alinhamento rigoroso com a meta de emissões líquidas zero” (tradução livre).

[8] UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), Meet the Climate High-Level Champions. Disponível em <https://unfccc.int/climate-action/engagement/marrakech-partnership-for-global-climate-action/actors/meet-the-climate-high-level-champions> (acesso em 06.05.25).

[9] COP30, Diretoria Executiva. Disponível em <https://cop30.br/pt-br/presidencia-da-cop30/diretoria-executiva> (acesso em 06.05.25).

[10] Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Dan Ioschpe será o Campeão de Alto Nível da COP30. Disponível em <https://www.gov.br/mma/pt-br/noticias/dan-ioschpe-sera-o-campeao-de-alto-nivel-da-cop30> (acesso em 06.05.25).

[11] Idem.

[12] Idem.

[13] T. Hale et al, ‘Turning a groundswell of climate action into ground rules for net zero’, Nature Climate Change 14 (2024), p. 306 (tradução livre).

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