Em meio aos inúmeros desafios enfrentados pelo Brasil, há um impasse jurídico que parece não ter fim — e que tem custado caro para empresas, profissionais e para a economia do país. Falo da resistência de parte da Justiça do Trabalho em aceitar o que o Supremo Tribunal Federal (STF) já consolidou: a legitimidade da pejotização e da terceirização, inclusive em atividades-fim, desde que ausentes fraude ou subordinação típica.
O exemplo mais recente veio do ministro Gilmar Mendes, que determinou a suspensão nacional de todos os processos que discutem a validade da pejotização. Na decisão, o ministro foi direto: suspendeu tudo em razão do “descumprimento sistemático” da jurisprudência do STF e, consequentemente, pelo “cenário de grande insegurança jurídica” que vem sendo gerado por decisões conflitantes, que sobrecarregam o próprio Supremo e perpetuam a incerteza.
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A medida tem repercussão geral e atinge todos os casos semelhantes em curso. O STF também deverá esclarecer pontos fundamentais, como a competência da Justiça do Trabalho e quem deve comprovar eventual fraude. Em resumo: é a Suprema Corte tentando corrigir os próprios ruídos causados pelo Judiciário.
Isso, porque mesmo com precedentes de peso como a ADPF 324, a ADC 48 e os Temas 725 e 739, a insegurança jurídica continua sendo alimentada por decisões que insistem em relativizar essas diretrizes, na contramão do desenvolvimento e do crescimento da sociedade.
A posição do STF é clara, à medida que diz: formas alternativas de contratação são legítimas, desde que não haja fraude ou subordinação típica da CLT. Recentemente, o ministro Cristiano Zanin, cassou uma decisão do TRT que reconhecia o vínculo de emprego entre um médico PJ e um hospital.
Em sua decisão, o ministro afirmou que “a contratação ocorreu entre partes plenamente capazes, sem vício de consentimento”, deixando claro que desrespeitar precedentes do STF é também violar sua autoridade o que, obviamente, “não pode ser admitido”.
Ainda assim, o TST segue por outro caminho. A tentativa de abertura dos Temas 29 e 30 — sob o regime de recursos repetitivos — para discutir a validade da terceirização e da pejotização, embora recentemente suspensos, mostra que há resistência à modernização das relações de trabalho e à liberdade econômica, pilares indispensáveis nas economias mais desenvolvidas.
Mais do que um embate técnico, o que vemos é uma disputa conceitual: afinal, o que é subordinação hoje? Esse conceito, muitas vezes tratado de forma absoluta, precisa ser refinado, afinal, existem diferentes tipos de subordinação, e é essa distinção que deve nortear a análise dos contratos.
De qualquer modo, na prática, essas iniciativas abrem margem para interpretações contrárias ao que já foi decidido pelo STF, reforçando a resistência histórica da Justiça do Trabalho em aceitar a modernização das relações contratuais e a própria liberdade econômica – tão necessária e essencial nas economias de primeiro mundo.
Feita essas considerações sobre o posicionamento do STF e do TST, um ponto fundamental muitas vezes ignorado no debate que envolve o vínculo empregatício é que a subordinação existe em praticamente todas as relações profissionais, inclusive entre contratantes independentes.
Isso, não significa que exista vínculo empregatício entre as partes, sendo essencial diferenciar os tipos de subordinação.
A primeira, é a subordinação jurídica, típica do contrato de trabalho, com ordens diretas, aplicação de sanções, controle de jornada e, sobretudo, sem a possibilidade de realizar livremente suas atividades. Este tipo de subordinação, acrescido dos outros requisitos, é capaz de gerar eventual vínculo empregatício.
A segunda, é a subordinação estrutural, comum em relações contratuais legítimas, em que o prestador está inserido na organização do contratante (inserção funcional), ou seja, na estrutura do local onde os serviços são prestados, mas atua com plena autonomia técnica – não está sujeito a ordens diretas, mas deve seguir protocolos por questões técnicas, de segurança ou sistêmicas.
Esse entendimento é essencial para casos como:
- Médicos PJs ou autônomos que atuam em hospitais, clínicas e outros, mas não estão sujeitos a ordens diretas ou horários fixos, possuem liberdade de atuação em seus atendimentos e até mesmo a possibilidade de atuação no mercado; e
- Advogados associados, que atuam em escritórios de forma livre, sem ordens diretas e exercendo sua atividade de forma autônoma e, ainda, possui total liberdade profissional de atuação paralela no mercado.
Nesse contexto, a falta de uniformidade entre os tribunais cria um clima de incerteza para empresas e profissionais, afinal, ninguém sabe se o que é legal hoje será questionado amanhã.
Naturalmente, esse clima tenso faz com que as contratações diminuam, investidores se afastem, além de impor custos desnecessários à economia. Ou seja: estar dentro da rotina de uma empresa não significa estar subordinado nos moldes da CLT. Confundir isso é ignorar os novos formatos de trabalho e o que já foi decidido pela mais alta Corte do país.
Enquanto essa divergência persistir, seguiremos em um ambiente de instabilidade. Empresários e profissionais vivem à mercê de interpretações conflitantes — o que hoje é legal, amanhã pode ser invalidado. Isso afasta investimentos, reduz contratações e impõe custos desnecessários à economia.
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Enquanto o Judiciário não se alinha internamente, o melhor caminho para as empresas é a prevenção consciente, ou seja, devem sempre formalizar a relação mediante a elaboração de um contrato claro e robusto; deixar clara a autonomia do prestador e a ausência de vínculo; evitar práticas que possam ser interpretadas como subordinação clássica e, acima de tudo, contar com assessoria especializada.
Mais do que discutir modelos, é hora de buscar segurança, coerência e respeito à jurisprudência já firmada. O país precisa de um Judiciário previsível, não de uma guerra fria de interpretações.